O Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu o autônomo Milton Jorge da Silva, de 29 anos, da condenação por um assalto a ônibus em janeiro de 2020, no bairro da Pavúna, no Rio de Janeiro.
A decisão em instância superior foi do desembargador Otávio Toledo, que considerou o pedido da defesa e decidiu anular as provas utilizadas contra o autônomo. O julgamento aconteceu na última sexta-feira (28).
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“Concedo a ordem, de ofício, para decretar a nulidade do reconhecimento fotográfico, bem como de todas as provas dela derivadas”, diz o texto de Toledo.
Esta é a sexta absolvição deste homem negro que já foi acusado oito vezes de crimes após reconhecimento fotográfico em delegacias do Rio.
O caso dele foi tema de reportagem da Alma Preta no dia 10 de março. Leia aqui para saber mais.
Absolvição
A absolvição aconteceu após um pedido de habeas corpus por parte do grupo de advogados indicados pelo Instituto de Defesa do Direito à Defesa (IDDD). Pamela Villar, Fernando Henrique Cavalcante, Catarina Bussinger e Gabriel Aparecido Moreira da Silva formam a defesa de Milton Jorge.
Pamela Villar, também coordenadora do Grupo de Trabalho de Reconhecimento de Pessoas do IDDD, comemorou a decisão do STJ.
“Decisão extremamente técnica e acertada. Alinha-se com o que temos de legislação sobre o tema do reconhecimento e à interpretação do Superior Tribunal de Justiça quanto à sua aplicabilidade aos casos concretos”, avaliou.
Milton Jorge ainda enfrenta outras duas condenações. Em uma delas, ele é acusado de participar de um roubo. No outro, de um latrocínio (roubo seguido de morte). Em ambas, as denúncias se basearam em reconhecimento fotográfico.
“Agora partiremos para a discussão em relação às outras duas condenações que ele teve. Elas também foram feitas com base em reconhecimento fotográfico ilegal, que aconteceram em circunstâncias muito semelhantes àquelas observadas nesse primeiro caso”, explica Villar.

Erros no reconhecimento fotográfico
O desembargador, convocado para ocupar o posto de ministro do STJ, entendeu que a condenação de Milton Jorge foi decidida com base em um reconhecimento fotográfico que foi feito fora das regras previstas no Código de Processo Penal (CPP).
Ele argumentou que a testemunha não apresentou uma descrição da pessoa a ser reconhecida e que não foram colocadas ao lado dele pessoas com características semelhantes.
“Não tendo sido formalizado o auto de reconhecimento fotográfico com o encarte de outras fotografias apresentadas, mas apenas a do paciente, ou ao menos o detalhamento da quantidade em que apresentadas, se juntas ou não, sua ordem, e o indicativo de quais seriam os figurantes, de fato, como expressamente admite o auto respectivo, não foi observado o inciso II do art. 226 do CPP. Soma-se a isso o esclarecimento em juízo pela vítima de que as pessoas que constavam no álbum não eram parecidas com o paciente”, afirma o texto.
O ministro do STJ ainda questionou a diferença de altura de Milton Jorge, com 1,95m, e a altura do criminoso segundo a vítima, com 1,82m.
“Além de constar expressamente a altura da vítima (1,82m) e a sua resposta de que o roubador era um pouco mais baixo do que ela, consta do interrogatório do acusado, transcrito em sentença que sua altura é de 1,95m, (…) diferença sensível em elemento objetivo que retira credibilidade do reconhecimento realizado em juízo”, ponderou.
Entenda o caso
Milton é um homem negro que está preso desde 13 abril de 2020, dia de seu aniversário de 25 anos.
Ele foi alvo de oito acusações de crimes que aconteceram principalmente na região da Pavuna, Zona Norte do Rio de Janeiro. Em cinco delas, foi absolvido por falta de provas. Em outras três, tinha sido condenado.
As acusações ocorreram depois de as vítimas dos crimes, quase sempre de roubos, prestarem queixas em delegacias de polícia. Os policiais então apresentaram um álbum de fotos de suspeitos, e as vítimas reconheceram Milton Jorge.
A maioria das ocorrências foi registrada na 39ª Delegacia de Polícia (DP), na Pavuna. A defesa contesta o modo como as delegacias encaminharam os processos de reconhecimento dos responsáveis pelo crime.
As acusações começaram, segundo o próprio Milton, após uma detenção no sistema socioeducativo quando ele tinha 17 anos, ou seja, ainda na adolescência.
Os outros cinco casos em que Milton foi inocentado eram de roubo. Em todos eles, as testemunhas o acusaram com base em fotografias apresentadas em delegacias.