A divulgação das imagens das câmeras nas fardas dos policiais responsáveis pela morte de Tyre Nichols, de 29 anos, foi crucial ao trazer um novo desfecho para o assassinato de mais um jovem negro pela letalidade policial. Tyre Nichols morreu após ser abordado de forma violenta por cinco policiais do Memphis, cidade localizada no Tennessee, nos Estados Unidos. Todos os agentes envolvidos no caso também são negros.
O uso das câmeras voltou a levantar discussões sobre os pedidos de reforma na estrutura das instituições policiais e como os equipamentos acoplados nos uniformes dos agentes de segurança podem ser utilizados como ferramenta para elucidar casos de racismo policial.
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As imagens, divulgadas na última sexta-feira (27) pelo Departamento de Polícia de Memphis, revelam que Nichols estava em um carro quando foi abordado por cinco policiais na noite do dia 7 de janeiro. Os vídeos mostram que ele foi retirado à força do veículo por um dos policiais e jogado ao chão. Tyre, que estava rendido, consegue se soltar de um dos policiais e foge.
Logo após, ele é encontrado próximo a casa onde mora e é espancado pelos cinco policiais, com cassetetes e chutes no rosto, além de ser atingido por spray de pimenta. O jovem foi encaminhado a um hospital local e morreu três dias depois devido aos ferimentos provocados pelas agressões.
Treze dias após o caso, os cinco policiais envolvidos no caso, identificados como Tadarrius Bean, Demetrius Haley, Emmitt Martin III, Desmond Mills Jr. e Justin Smith, foram demitidos. Eles foram acusados de assassinato, agressão agravada, sequestro agravado, má conduta oficial e opressão oficial. No último sábado (28), o Departamento de Polícia do Memphis informou que desativou a unidade “Scorpion”, onde os policiais envolvidos atuavam.
As imagens das câmeras instaladas na farda dos policiais só foram liberadas após protestos dos familiares de Tyre Nichols para elucidação do caso. Inicialmente, os policiais alegaram que o jovem foi abordado por uma suposta infração de trânsito e que um confronto teria ocorrido.
Com a morte de Tyre, uma onda de protestos voltaram à tona nos Estados Unidos em que manifestantes reivindicam, para além das câmeras, reformas nas forças policiais, o fim da violência policial e a responsabilização dos demais policiais envolvidos em casos semelhantes contra pessoas negras.
Em nota, o presidente dos EUA, Joe Biden, lamentou o caso e informou que irá pressionar o Congresso americano para que envie para análise a Lei George Floyd, que cobra por medidas que visam fortalecer a responsabilização dos agentes e evitar casos de violência policial. A lei leva o nome do afro-americano morto em 2020 após ser asfixiado pelo policial branco, Derek Chauvin, durante uma abordagem.
EUA e os impactos das câmeras corporais
Nos Estados Unidos, o uso das câmeras corporais é utilizado há mais de duas décadas. O equipamento começou a ser implantado como um programa piloto em fevereiro de 2012 na cidade de Rialto, na Califórnia. No primeiro ano de uso, o Departamento de Polícia da cidade contabilizou uma queda de cerca de 60% nos casos de uso da força policial.
Um estudo de 2021, realizado pelo Laboratório Criminal da Universidade de Chicago e pelo Conselho de Justiça Criminal, indicou que as câmeras corporais reduziram o uso da força em quase 10%. Ainda conforme o estudo, as câmeras também reduziram as reclamações contra a polícia em 17%.
O uso dos equipamentos de forma efetiva passou a ser reivindicado após a alta de casos de abordagens policiais violentas contra pessoas negras, a exemplo do assassinato de Dontre Hamilton, em abril de 2014. O rapaz negro de 31 anos foi morto com 14 tiros disparados por um policial branco em um parque na cidade de Milwaukee, no estado americano de Wisconsin.
No entanto, com a cobrança por maior transparência entre as autoridades policiais, em 2015, durante a gestão do então presidente Barack Obama, o chefe do Executivo dos EUA ampliou a utilização dos equipamentos, em formato piloto, para 32 dos 50 estados dos EUA. Ao todo, foi destinado um investimento de mais de US$23 milhões para financiar projetos-piloto de câmeras corporais.
E as câmeras no Brasil?
No Brasil, o uso das câmeras corporais também é visto por integrantes do movimento negro e dos movimentos sociais como um aliado tanto na reduçao da letalidade policial quanto na proteção dos agentes de segurança pública.
Das 27 Unidades Federativas (UF) do Brasil, ao menos três UFs já utilizam as câmeras no uniforme dos policiais de forma definitiva: São Paulo, Santa Catarina e Rondônia. Um levantamento realizado pela Alma Preta Jornalismo, em maio do ano passado, aponta que, das dez UFs que responderam à reportagem, seis informaram que ainda não utilizam os equipamentos ou estão em fase de análise para implementação. São eles: Amapá, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso e Pernambuco.
Em São Paulo, dados divulgados na última semana pela Secretaria de Segurança Pública do Estado indicaram uma redução de quase 40% no número de mortes cometidas por policiais militares em comparação com 2021. Segundo a SSP, foi o menor patamar desde 2001. Em comparação com os dados de 2020, a queda de casos foi maior, de 61%.
Em números totais, em 2022, 256 pessoas foram mortas por PMs, considerado o menor número em duas décadas. No ano anterior, o total de mortes foi de 423. Já em 2020, foram registradas 659 mortes por policiais militares.
Atualmente, São Paulo conta com pouco mais de dez mil câmeras corporais em 60 batalhões da PM, que possui um efetivo total de cerca de 80 mil homens e mulheres.
Já em Santa Catarina, um estudo realizado por pesquisadores da PUC-Rio, das universidades de Warwick e Queen Mary e da London School of Economics, localizadas no Reino Unido, aponta que nos casos em que havia câmeras instaladas nas fardas dos policiais, houve redução da força policial e a necessidade do uso de algemas em 61,2%.
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