A vida das mulheres continua em risco todos os dias em uma sociedade estruturalmente machista como a brasileira. É o que comprova os 1.975 casos de violência contra a mulher — entre eles 405 feminicídios — registrados pela Rede de Observatórios de Segurança em 2021, ano em que a Lei Maria da Penha completou 15 anos.
O número faz parte do relatório “Elas Vivem: dados de violência contra a mulher”, divulgado pela rede agora em março e inclui cinco estados: Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
O boletim aponta que houve um registro de violência contra a mulher a cada cinco horas e um caso de feminicídio foi monitorado a cada dia. O indicador é o terceiro colocado entre os registros da rede durante o ano, ficando atrás apenas de eventos com armas de fogo e ações policiais – que tradicionalmente ocupam o noticiário policial. Em 65% dos casos de feminicídios e 64% dos casos de agressão, os criminosos eram companheiros das vítimas.
Os números gerais de violência contra a mulher revelam um aumento de 8% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 1.821 casos. As pesquisadoras da rede levantam os dados a partir do que é noticiado pela imprensa e avaliam que a vulnerabilidade econômica provocada pela pandemia é uma das razões.
“O cenário mudou pouco em relação ao último boletim. Ainda estamos vivendo o contexto da pandemia de covid-19 e da crise socioeconômica, que deixam as mulheres ainda mais vulneráveis. São milhões de brasileiros desempregados. É histórico o aumento da violência contra a mulher em momentos como esse. A falta de dinheiro atinge a virilidade do homem como provedor da casa e acaba desencadeando uma série de questões que levam a discussões, agressões e até mesmo à morte”, diz o relatório.
Quando a motivação dessas agressões e mortes são informadas, as três maiores causas apontadas são brigas (28%), término de relacionamentos (9%) e ciúmes (8%). Boa parte dos crimes contra mulheres divulgados nos jornais (85%) não traz a informação racial da vítima, mas quando desconsiderado os casos em que a cor da vítima não é informada, 50,7% das vítimas são negras, 48,6% brancas e 0,7% indígena.
“Algo nítido para as pesquisadoras da Rede é que quando se trata de mulheres brancas e de classes mais abastadas a cobertura jornalística tende a ser mais completa”, sustenta o boletim.
Violência contra a mulher nos cinco estados monitorados
São Paulo apresentou um aumento de 27% de registros em relação ao ano passado e chegou ao número de 929 eventos monitorados: 157 feminicídios, 501 agressões e tentativas de feminicídios e 97 estupros. Os dados gerados pelas pesquisadoras da rede em relação ao número de feminicídios foram maiores que os números oficiais: dados do governo apontam 136 mortes.
Atrás do estado paulista, aparece o Rio de Janeiro que tem um caso de violência contra a mulher a cada 24 horas. São 375 casos de feminicídio e violência contra a mulher com 456 tipos de violência — um único evento pode ter mais de um tipo de violência. O estado apresentou um crescimento de 18% nos registros em um ano.
Pernambuco aparece na sequência com 311 registros de crimes contra mulheres. É o estado do Nordeste com o maior número de casos e o segundo entre os cinco estados em feminicídios com 91 registros, enquanto a Secretaria de Segurança aponta 86 mortes.
Na Bahia, no ano passado, um caso de violência contra a mulher foi registrado a cada dois dias. No entanto, houve uma queda de 31% nos registros da Rede. Na análise dos tipos de violência sofridas por essas vítimas, observa-se que não há grande variação quando se trata de feminicídio: foi de 70 em 2020 para 66 casos em 2021.
O Ceará, por sua vez, apresentou uma queda de 20% nos casos de violência contra a mulher, mesmo que um dos casos mais emblemáticos do último ano tenha acontecido por lá: a agressão sofrida por Pamela Holanda praticada pelo ex-marido DJ Ivys. No estado, foram registrados 160 casos de violência contra a mulher.
Assassinatos de mulheres trans e travestis
Pelo segundo ano, com 11 mortes registradas o Ceará lidera o ranking de feminicídios de mulheres transexuais e travestis, os chamados transfeminicídios. O estado cearense registra ainda a mais jovem vítima de transfobia no Brasil até hoje: Keron Ravach foi morta aos 13 anos ao cobrar uma dívida.
O boletim revela Pernambuco como o segundo estado em transfeminicídios com 10 casos monitorados. No último ano, no período de menos de um mês, quatro mulheres trans negras foram atacadas e mortas. Uma delas, Roberta da Silva, teve 40% do corpo queimado.
A pesquisadora Dália Celeste, do Observatório da Segurança do estado pernambucano, ressalta a importância do uso do termo transfeminicídio.
“É crucial, pois assim se reconhece que são mulheres expostas ao feminicídio e à transfobia – que passa a ser encarada como uma problemática social. A sociedade que não reconhece nossos corpos não vê como a violência nos afeta”, explica.
Leia também: Não é a mesma coisa: como reconhecer assédio moral e sexual?