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Vídeos no Youtube dão dicas de como ‘afinar’ o nariz; especialistas apontam racismo

A plataforma reúne diversos vídeos, com milhares de visualizações e centenas de comentários, em que utensílios, como prendedor de roupa e gelo, são utilizados com o propósito de diminuir o tamanho das narinas

Imagem de vídeo com a técnica de afinar o nariz utilizando gelo.

Foto: Imagem: Reprodução/ Youtube

7 de março de 2022

No Brasil, o processo de colonização foi o grande responsável por configurar um imaginário coletivo em que os traços negros eram menosprezados e usados até como justificativa para a escravização. A partir do começo do século 20, estratégias de embranquecimento foram uma política de Estado apoiadas por pseudociências, como a eugenia, que visava à eliminação da negritude.

As marcas desse processo de tentativa de embranquecimento da população brasileira se mostram presentes ainda hoje. São vários os exemplos de filtros, dicas e intervenções, encontrados na internet, que ‘suavizam’ características físicas que fujam do parâmetro eurocêntrico de beleza. Isso é inclusive revelado em buscas pela internet e no Youtube, principalmente, onde não é difícil encontrar dicas e sugestões de como afinar o nariz, por exemplo.

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Existem diversos vídeos com milhares de visualizações e centenas de comentários em que técnicas para diminuir o formato das narinas sem cirurgias são ensinadas. Segundo especialistas, a existência desse tipo de conteúdo é o reflexo atual de uma sociedade que ainda considera as características fenotípicas negras feias e reforça o branqueamento desses traços.

Entre as técnicas ensinadas, para além da maquiagem, há a utilização de pregador de roupa ou de gelo diretamente no nariz. Em muitos vídeos encontrados na plataforma, as pessoas testam uma ferramenta chamada ‘Nose Up’, que pode se assemelhar a um pregador de roupas e ser encontrada até por R$5 em sites de e-commerce.

Nos comentários dos vídeos, é possível ler relatos que apontam como o nariz mais largo é visto com preconceito dentro da família e comentários depreciativos para as pessoas que tem essas características.

Comentários de pessoas em vídeos sobre afinar o nariz

Comentários encontrados em vídeos com técnicas para afinar o nariz | Crédito: Reprodução/ Youtube

De acordo com Fayda Belo, advogada criminalista e especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídio, para apontar crime de racismo nesses conteúdos, seria necessário que houvesse um insulto relacionando diretamente às características que se deseja mudar com as pessoas negras, o que não ocorre nos vídeos analisados.

Entretanto, o que acontece, segundo ela, é que quase sempre as atitudes racistas são veladas e ditas de forma subliminar, o que muitas vezes impede a tipificação do crime. “Historicamente, quem tem o nariz ‘mais largo’ são as pessoas pretas. Partindo desse ponto, no momento que é fomentado que aquele tipo de nariz não é bonito, não é socialmente adequado ou não é o padrão, acaba por criar uma discriminação contra os traços das pessoas pretas, já que são elas que possuem esse tipo de nariz”, explica a advogada.

A Lei do Racismo, em seu artigo 20, define como crime resultante do preconceito de raça ou de cor praticar, induzir ou incitar a discrimininação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Segundo Marcela Cardoso, advogada especializada em gênero e intersecções de raça e classe e associada ao Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), vídeos como os das técnicas para se afinar o nariz podem ser considerados como racismo diante da perspectiva do artigo 20, já que está se incitando socialmente o preconceito em relação a pessoas com fenótipo característico da população negra.

“Não são vídeos que expressamente atribuem características e aspecto pejorativo a pessoas negras, porque não é trazido enfim de forma direta. Está sendo trazido na sutileza. Então pode ser que diante de uma investigação, não sejam considerados como crime, porque não tem essa perspectiva explícita”, explica a advogada.

Reforço de um padrão único de beleza

A doutoranda em Ciências Sociais na PUC e mestre em relações étnico-raciais, Luane Bento dos Santos, pontua que nos vídeos há a promoção de ideias de beleza baseados em padrões de beleza hegemônico, ou seja, branco europeu. Segundo Luane, um olhar analítico mostra que os vídeos propagam ideologias racistas.

“São ideologias apoiadas em teorias racistas de meados do século XIX no Brasil e fim do século XVIII no continente europeu. Tivemos vários intelectuais na academia e outras instituições promovendo discursos e escritos que tentavam comprovar a inferioridade dos povos africanos e afro-brasileiros”, explica.

Além disso, a doutoranda ressalta que não se pode perder de vista que nasce na colonização das Américas a diferenciação de grupos humanos pela cor da pele e tipo de cabelo. “É no evento da colônia, do colonialismo, que as características físicas de africanos e africanas serão utilizadas para hierarquizar e justificar as desigualdades. Desigualdades que permanecem e se reatualizam até os dias atuais”, pontua.

O professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, Cleber Santos Vieira, também considera que é sempre importante pensar que o processo de manipulação do corpo para subtrair determinadas características e deixá-las com outras tem a ver com um padrão de beleza que se impõe há anos.

“Se pensar do ponto de vista mais de uma subjetividade, nós sabemos que explicitamente falar de nariz de batata, querer que o nariz afine, querer que um prendedor de roupas te deixe mais próximo de um padrão de beleza, tem incutido toda uma perspectiva racista que organiza o pensamento e o comportamento das pessoas”, explica o professor.

Além de pessoas brancas que ensinam as técnicas nos vídeos, é possível notar a presença de pessoas negras. “Se essas mulheres vêm de família negra, de casamentos interraciais, os episódios de racismo do lado branco da família foram incontáveis, fora que a todo momento o padrão de beleza branco é exaltado pela sociedade”, ressalta a doutoranda Luane.

“Se elas vem de família negra, podemos pensar no processo de assimilação racial, apagamento da história e cultura negra e africana da formação dessas mulheres e um processo intenso de internalização do racismo nas suas subjetividades”, também complementa.

Responsabilidade das plataformas

Cleber Santos Vieira acredita que a responsabilidade das pessoas que criam os vídeos varia de acordo com questões como o nível de alcance desses vídeos e de seu poder de influência na internet. Em relação aos vídeos serem retirados da plataforma, o professor acredita que eles deveriam ser problematizados antes.

“Seria importante que as plataformas que hoje assumem uma pauta de diversidade, de valorização, de combate ao racismo e que fala tanto de racismo estrutural, também fizessem um trabalho institucional um pouco mais sério, de, ao detectar esse tipo de comportamento, abrisse uma discussão sobre se esse comportamento de fato constrói uma sociedade democrática ou se reforçam uma imposição que neutraliza tudo que o próprio discurso institucional prega”, explica.

Já a doutoranda Luane Bento dos Santos acredita que seria um passo importante vídeos com conteúdo racista serem etiquetados para os usuários.

“O problema de vídeos como esse nas redes sociais com algoritmos racistas é que propagam as ideias de que a beleza para ser alcançada precisa que o sujeito negro ou negra descaracterize seus traços étnicos-raciais em prol de um modelo único. As pessoas acessam o vídeo e não são levadas a questionar que aquele conteúdo reforça as ideias de que brancos são belos por serem brancos(as) e negros são feios por serem negros(as)”, pontua.

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com o canal ‘Diva aos 50’ para pedir um posicionamento para esta matéria, mas até o fechamento do texto não obteve retorno. Caso responda, o texto será atualizado. A Ka Martins, do canal ‘Rosto Sarado’, disse que seu canal é focado em rejuvenescimento. Ela explica que os exercícios e massagens faciais que compartilha tonificam os músculos da face e, partindo deste ponto, ao longo do processo de envelhecimento, é comum que a ponta do nariz caia e as laterais fiquem mais largas.

“Entendo que esta questão da padronização da beleza é um assunto seríssimo, mas acredito que a padronização acontece com a cirurgia plástica. Neste caso, a pessoa pode mudar completamente o formato do nariz, se assim desejar, alterando as características originais do rosto (algo que não acontece com os exercícios, massagens e ferramentas). Os exercícios contribuem para trazer um aspecto mais jovem ao rosto e realçar a beleza já existente de cada indivíduo”, explica.

Leia mais: Por que é tão difícil enxergar a beleza em corpos negros?

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