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“A folclorização da vida negra já foi pior”, afirma Gilberto Gil

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9 de novembro de 2018

Gilberto Gil e Liniker participaram da principal mesa da Festa Literária das Periferias (FLUP) e fizeram um panorama sobre o passado e o presente da música e da condição da população negra e LGBT no país

Texto / Pedro Borges
Imagem / Francisco Costa

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Gilberto Gil e Liniker participaram da mesa de debate “Na Qualidade Rara de Sereia”, organizado pela FLUP, no dia 8 de Novembro, às 16h, no Parque Biblioteca Estadual, na Pequena África, Rio de Janeiro.

Os dois fizeram um balanço sobre a carreira de ambos, a condição da comunidade negra no passado e presente, e a importância de um evento como a FLUP diante do momento vivido pelo país.

O músico da tropicália, ao refletir sobre o antes e o agora, declarou à Liniker que os dois compõem um processo histórico.

“Não existiria você sem que eu tivesse existido”, afirmou.

Em entrevista ao Alma Preta, Gilberto Gil disse que a FLUP faz parte de um processo histórico existente no Brasil, com ligação direta à comunidade negra.

“É uma versão atualizada de um longo processo de inclusão da cultura negra na vida do país através de vários aspectos, e a literatura é um deles. Você pode citar como referência José do Patrocínio, Luiz Gama, vários grandes arautos dessa coisa toda, os próprios literatos negros ou ligados ao mundo negro”.

Gil acredita que a FLUP também inaugura novos processos na cultura nacional, e transpõe outros muros, para além da negritude.

“A FLUP é uma mobilização contemporânea muito importante que transcende inclusive o próprio mundo da literatura negra. Ela é importantíssima para a vida cultural brasileira e para o movimento de mobilização dos jovens em torno de questões amplas da vida brasileira. Por isso eu acho que ela é ao mesmo tempo uma continuidade de um processo histórico importante, mas é também um deslocamento desse processo para novos patamares”.

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A cantora Liniker, com a carreira iniciada em 2015, é um dos grandes sucessos da MPB na atualidade e disse ao Alma Preta ter se emocionado por participar de uma atividade com Gilberto Gil.

“Foi justamente isso, de conhecer um grande ídolo pessoalmente, com quem eu tenho uma ligação gigantesca de anos. Acho que propor um debate geracional é muito doido, porque a gente percebe as diferenças, as conquistas e o que a gente precisa avançar. Achei o Gil muito generoso, e com uma escuta muito aberta. Eu me sinto muito privilegiada por viver isso na FLUP”.

O evento homenageia Maria Firmina dos Reis, autora da obra “Úrsula” (1859) e primeira pessoa a publicar um romance no Brasil, e também o sambista Martinho da Vila, quem completou 80 anos em Fevereiro.

Para Liniker, a homenagem é justa e importante, ainda mais diante do cenário político de retrocessos vivido pelo país.

“Eu acho que nesse momento é sempre bom trazer os nossos a tona. Eu acho que a FLUP tem uma importância muito grande no cenário atual, de propor isso, ainda mais nos tempos de hoje. Eu fico muito esperançosa de ver isso acontecer”, afirmou.

Identidade e negritude

O nome da atividade faz uma menção à música “Novidade”, de Gilberto Gil, em que ele descreve a chegada de uma sereia em um vilarejo. A canção foi a forma encontrada pelo músico para trazer para mais perto de si sua referência materna.

Por trazer a mulher como parte de si na música, Gil disse que a canção teve grande impacto na época.

“Todo homem é mulher, e toda mulher é homem. Eu tinha uma referência do pai, mas mais forte da mãe. Precisava declarar a importância da mãe”, afirmou.

Liniker ressaltou que o momento de hoje exige muito cuidado para trazer temas acerca das questões de gênero, mas fez um paralelo com a época do compositor da Tropicália.

“Se a nossa existência é vista com curiosidade hoje, imaginem na época do lançamento da música do Gilberto Gil”.

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Os dois também fizeram paralelos históricos entre a comunidade negra antes e hoje. Para o artista da tropicália, a “folclorização da vida negra já foi pior”.

O compositor acredita que a população negra é vista de uma maneira mais humana e melhor do que em sua época.

“A ideia de que o negro civiliza o Brasil já é algo introjetado, apesar de supostos retrocessos”.

Gil também contou que a identidade negra sempre foi muito presente dentro da sua casa. Como forma de exemplificar, falou sobre o registro da filha no cartório.

“Na minha casa, na minha família, ‘Preta’ se tornou nome próprio. É atestado. Quando eu fui fazer o registro de nascimento da minha filha, Preta Gil, eu falei para a moça registrar ‘Preta’. Ela perguntou: Preta? Eu disse sim. Se for Branca, Bianca, Clara, pode? Acho que a senhora já registrou muitas. Aí eu perguntei se preta pode? Ai ela colocou”, disse aos risos.

Para ele, contudo, ainda resta muita coisa para melhorar a condição do negro. Ou melhor, como o próprio Gil disse, ainda falta “tudo”.

Liniker reconheceu os avanços, mas também disse que “Os riscos para a população negra e LGBT persistem”. Ela também denunciou processos de violência sofridos contra a mulher negra.

“A objetificação da mulher negra não dá mais. Nossa carne não é a mais barata, ela está cara”, afirmou.

Música

Aos 23 anos, Liniker voltou da 5° turnê internacional. Ela relatou sobre o início da banda, em Araraquara-SP, e falou sobre o primeiro sucesso “Zero”. Depois de gravar com a banda “Caramelos Shows”, com quem toca até hoje, a música atingiu mais de 5 milhões de visualizações no youtube em poucos dias.

“Eu nunca imaginei que a gente poderia chegar onde chegou. Eu não imaginava que fosse algo tão grandioso”, diz a cantora.

Gil contou que essa era uma velocidade impensável para o seu tempo, e que o sucesso exigia mais cautela. O compositor é o responsável por clássicos da música brasileira, como o álbum Refazenda (1975) e Refavela (1977).

“Não era a velocidade que é hoje para o sucesso. Não era possível. A mediação tecnológica da época não permitia. Era um pouco a televisão e basicamente o rádio”.

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