Léa Garcia, que morreu na terça-feira (15) aos 90 anos, contou com o apoio de Abdias Nascimento para se tornar uma das primeiras atrizes negras da televisão brasileira e lutou ao lado do ativista e intelectual — com quem foi casada por quatro anos e teve dois filhos — para o negro ganhar espaço na dramaturgia.
“Meu sonho era ser escritora, mas Abdias chegou em minha vida e mudou tudo. O teatro realmente entrou na minha vida após atingir certa idade, por volta dos 16 anos, quando fui com Abdias assistir a ‘A Herdeira’, com Bibi Ferreira. Foi em uma dessas saídas que meu pai estava me esperando na esquina da minha rua e me bateu. Então, larguei meu material escolar e tudo mais, fugindo de casa. Acabei vivendo com Abdias”, relembrou Léa, em uma entrevista para a série “Companhias do Teatro Brasileiro”, exibida pelo canal Curta!
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Abdias do Nascimento foi um dos criadores do Teatro Experimental do Negro (TEN), uma resposta ao black face, pática na qual atores brancos tinham o rosto pintado de preto para interpretar personagens negros.
“Em casa, ele costumava me dizer que eu tinha um talento artístico muito grande e uma ótima capacidade de atuação. Eu, porém, dizia que não queria ser atriz, mas ele continuava insistindo. Foi quando engravidei, pouco tempo depois, que ele montou o espetáculo ‘Rapsódia Negra’ (1952) e me convenceu a fazer parte do elenco”, contou Léa.
Léa Garcia estreou no teatro dançando uma música chamada “Harlem”, ao lado de Claudiano Filho e recitando “O Navio Negreiro”, de Castro Alves. “Uma vez que pisei no palco, não quis mais sair”, completou a atriz, ainda em entrevista à série.
O TEN estreou em 8 de maio de 1945 com a peça “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neill, não por acaso, a mesma que Abdias tinha assistido anos antes, marcando a primeira vez que atores negros pisaram no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O pesquisador Daniel Marano explica que Abdias do Nascimento, desde o começo, quis que o Teatro Experimental do Negro fosse mais do que apenas um grupo teatral, que desenvolvesse atividades paralelas ao palco. Assim vieram os cursos de alfabetização, congressos, debates sobre a questão do negro, concurso de artes plásticas, de beleza e a publicação de um jornal, “Quilombo”.
Ao longo da década de 1960, o TEN se afastou dos palcos devido a questões financeiras e passou a focar mais nas atividades sociais e políticas lideradas por Abdias Nascimento, que seguiu carreira política, uma forma de ampliar conquistas.
Ao longo de sua trajetória, Léa Garcia ficou famosa por interpretar a vilã Rosa em “Escrava Isaura” (1976). Antes, no entanto, ela já havia representado o país no cinema internacional. Em 1956, esteve no elenco da peça “Orfeu da Conceição”, de Vinicius de Moraes. Ela também participou do filme “Orfeu Negro”, dirigido pelo francês Marcel Camus um ano depois. Sua atuação rendeu-lhe uma indicação ao prêmio de interpretação feminina no Festival de Cannes.
Como roteirista, adaptou para as telas textos de autores negros como Cidinha da Silva, Luiz Silva Cuti e Muniz Sodré. Ela também participou de produções feitas por pessoas negras que colocavam temas raciais no centro do enredo, como “As Filhas do Vento” (2005).
Nos anos 2000, participou ainda de “O Clone”, em 2002, novela de Glória Perez na TV Globo; “A Lei e o Crime”, em 2009, de Marcílio Moraes para a Record; a série do Globoplay “Assédio”, em 2018, escrita por Maria Camargo, entre outras participações. No dia 25 de agosto, entra no ar no Canal Brasil “Vizinhos”, um de seus últimos trabalhos.
A atriz carioca morreu vítima de infarto durante uma viagem ao Rio Grande do Sul, onde seria homenageada com o Troféu Oscarito durante a 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado.
Serviço:
“Companhias do Teatro Brasileiro” (Série) – Episódio: “Teatro Experimental do Negro” – INÉDITO
O Teatro Experimental do Negro nasceu com a proposta inovadora, no século XX, de valorizar a cultura afro-brasileira, experimentar estilos teatrais e, principalmente, formar atores negros. Criado por Abdias Nascimento, o TEN foi revolucionário para o teatro brasileiro.
Direção: Roberto Bomtempo. Duração: 26 min. Classificação: 10 anos.
Horários alternativos: 16 de agosto, quarta-feira, às 03h30 e às 17h30; 17 de agosto, quinta-feira, às 11h30; 19 de agosto, sábado, às 18h30; 20 de agosto, domingo, às 08h30.