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Quadrilhas juninas apostam na coletividade para manter a tradição

Pelo segundo ano consecutivo, os grupos de dança sofrem sem incentivo financeiro e falam sobre as dificuldades e estratégias para não deixar a chama do São João apagar

Texto: Victor Lacerda I Edição: Lenne Ferreira I Imagens: Divulgação

Quadrilhas juninas apostam na coletividade para manter a tradição

23 de junho de 2021

Historicamente, o dia de São João é tempo de agradecer a colheita farta e homenagear quem garante a comida na mesa do povo sertanejo. A cada ano, a festividade traz novas cores, narrativas, majoritariamente contadas pela população preta e periférica através da dança e da cantoria. Desde agosto e setembro do ano anterior, quadrilhas juninas já começam a organizar o próximo espetáculo e comover toda a comunidade para sua produção. Com a chegada da pandemia pela COVID-19, pelo segundo ano consecutivo, quadrilhas juninas sofrem com os impactos financeiros e sociais que dificultam a permanência da tradição. 

No Recife e Região Metropolitana, o cenário é de reinvenção entre as quadrilhas que, através do exercício da coletividade, tentam buscar novas formas de darem continuidade às celebrações do período junino. O esforço  é também uma forma de reverenciar artistas de comunidades, sejam costureiras, bailarinos (as), coreógrafos (as), puxadores (as) ou presidentes (as). 

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Exemplo disso é a Quadrilha Junina Zabumba, tradicional do município de Camaragibe, que comemora, neste ano, 20 anos de existência, em meio à crise sanitária. Para não pararem o circuito junino, conseguiram, através da Lei Aldir Blanc, rememorar os tempos em que aglomerar não era sinônimo de perigo. Com medidas cautelosas, o grupo promoveu uma mostra de quadrilhas juninas on-line no último dia 20, que reuniu sete grupos, mas com os corpos de dança reduzidos, uma maneira encontrada pelas quadrilhas para darem continuidade às apresentações. 

“Precisávamos de alguma forma resgatar o sentimento do que é ser um quadrilheiro. Por isso, buscamos novos caminhos, um novo modelo de seguirmos com a tradição, onde os gastos e esforços são menores, mas a grandiosidade da apresentação continua como antes. A redução do corpo de dança foi visto como algo necessário e entendido pelas quadrilhas para que seguíssemos assim”, afirma o presidente da Quadrilha Junina Zabumba, Ailson Barbosa.

As dificuldades são compartilhadas pelo diretor da Junina Tradição, do Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, Marcone Costa. O gestor revela que, antes de conseguirem voltar aos palcos, a preocupação foi deixar de fora tantos participantes para seguir com as  apresentações. “A nossa maior dificuldade foi não poder nos aglomerar. Não existe quadrilha junina sem aglomeração. Somos sinônimo do contato, do abraço, da dança em círculo. Muita aproximação que já saberíamos que seria inviável para esse tempo”, afirmou Marcone.

Para a mostra e outras lives que grupos maiores do Recife e RMR estão participando, o pedido em comum é que cada grupo apresente seu espetáculo com, no máximo, 10 casais, devidamente testados e seguindo rigidamente os protocolos de prevenção contra o novo coronavírus. A redução do corpo de baile atingiu diretamente os valores destinados à construção das apresentações. Tradicionalmente compostas por doações e fundos angariados pelas próprias comunidades, as quadrilhas tiveram que aumentar os esforços para não perderem a qualidade conquistada em anos de trabalho. 

“Acredito que seja uma perspectiva geral do circuito junino, onde cada componente que queria participar custeia a sua roupa e a participação. Com a pandemia e os novos protocolos, foi inevitável a redução do corpo de dança e isso afetou diretamente os custos de produção. Tivemos que usar da sede de fazer acontecer para nos apresentar. Fomos nos ajudando enquanto quadrilhas pensando muito em prol de jovens e adultos da periferia do Recife e regiões próximas da capital”, relata Marcone. 

Sem a presença de festivais e premiações que ajudem no caixa das quadrilhas, as lives ocuparam o espaço como uma tentativa de não apagar a força da tradição e dos investimentos das comunidades em um equipamento que forma e empodera jovens e adultos, além de perpetuar a cultura nordestina. Porém, de acordo com as quadrilhas, as ações que estão presentes trazem o mínimo de recursos para sustentar os gastos com as apresentações.

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Apoio fora das quadras

As quadrilhas juninas acreditam que o papel de cada uma é promover integração social e estimular que os espectadores tenham acesso a novas possibilidades de narrativas sociais presentes no dia a dia. 

Em 2020, pensando na subsistência de seus componentes, a Zabumba desenvolveu um trabalho de combate à fome. Intitulado ‘Pau de Arara’, o projeto ajudava a coletar alimentos e distribuir para os quadrilheiros nesse cenário de crise econômica e de fome. “Foi o movimento quadrilheiro, reconhecendo que grande parte dos integrantes são periféricos e que, naquele momento, precisavam ter acesso ao que é de direito básico de todo ser humano, a alimentação”, pontua. 

Contexto semelhante ao que foi avaliado pelo diretor da Junina Tradição nos últimos dois anos. O gestor afirma que o hiato das apresentações fragilizou o movimento e dispersou os componentes, que precisaram priorizar outras formas de garantir renda em um cenário econômico adverso. “Muitos amigos quadrilheiros apresentaram dificuldades para sobreviver, algo muito sério. Mesmo percebendo que nós estamos fragilizados enquanto movimento e separados por diversas questões, nós não poderíamos fechar os olhos para isso. Nós, enquanto grupo, temos dificuldades de mobilizar recursos e esperar que o governo esteja preocupado conosco não é uma opção”, dispara Marcone. 

Leia também: Pandemia afeta mais a saúde mental e financeira de jovens negros e não cis, revela pesquisa

Preocupados sobre os assuntos que cercam a população periférica na atualidade, além da fome e da falta de emprego, o grupo preparou para este ano o espetáculo “Três Santos e Um Pedido”, que retrata o desejo da população pela chegada da vacina e foi disponibilizado por meio de uma live. O grupo, que é abertamente a favor da campanha “Vacina Sim”, pretende questionar a falta de celeridade da imunização para os brasileiros e ir contra à postura do atual presidente, Jair Bolsonaro. “Vimos que esse era um caminho de diálogo e conscientização em um período triste para nós. É um momento em que a arte se torna ferramenta para aproximar assuntos sérios e de extrema importância para toda a população”, afirma o diretor da companhia. 

Auxílio emergencial para as quadrilhas

No início deste mês, o Governo de Pernambuco apresentou o Auxílio Emergencial Ciclo Junino, uma medida para ajudar financeiramente quadrilhas juninas, cirandas, grupos de coco, xaxado, bacamarteiros, bois, trios de forró-pé-de-serra, bandas de forró e artistas solo. De acordo com a proposta, o repasse corresponderá a 60% do último cachê recebido pelo artista ou grupo cultural nos anos de 2018 e 2019.

Os valores definidos terão um piso de R$3 mil e um teto de R$15 mil, pagos em parcela única. Ao todo, a gestão prevê que 400 artistas e grupos culturais sejam contemplados, o que beneficiará cerca de mais de 5 mil pessoas. As inscrições podem ser feitas até o próximo dia 9 de julho através do link.

Apesar do benefício, a Federação das Quadrilhas Juninas e Similares do Estado de Pernambuco (FEQUAJUPE) atenta para os grupos e artistas que não foram contratadas pelos órgãos que fazem o repasse de verbas destinadas à cultura estadual, como a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).

Ailson Barbosa, que também exerce o cargo de vice-presidente da FEQUAJUPE, avalia a ajuda de custo como necessária, mas que não supre os gastos dos grupos em Pernambuco. “O fundo é de grande importância, mas não reconhece e contempla todos os grupos que se doam para os espetáculos na época dos festejos. Além disso, a porcentagem é pouca para o que se é gasto, o que não garante de forma alguma que os grupos se organizem e possam continuar resistindo com a tradição”, declara.

A presidente da federação, Michelly Miguel, em conversa com a Alma Preta Jornalismo, também denuncia entraves de investimento. “Estamos lidando com a escassez de apoio do poder público à cultura e, principalmente, com a falta de reconhecimento do nosso brinquedo popular. Se tivéssemos sido ouvidos, pelo menos, estaríamos mais presentes na construção de políticas públicas”, dispara. 

Pelas perdas de incentivo tidas no hiato dos últimos dois anos sem apresentações, a gestora afirma ser um momento de reflexão. “Todos nós estamos com saudade, mas vivendo um momento necessário de reflexão pública para enxergarmos o real valor das quadrilhas juninas em meio à crise”, finaliza Michelly. 

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Expectativa para 2022

Para Ailson Barbosa, da Junina Zabumba, a resistência dos dias atuais para permanecer a cultura viva trará ainda mais força para os festejos do próximo ano. “É um sentimento comum dos grupos, principalmente os maiores, de garantir a resistência para o ano que vem. A espera de todos é que a pandemia passe para que nós possamos voltar a dançar, curtir as noites de São João e, acima de tudo, continuarmos reverenciando a nossa cultura como ela merece”, declara.

A esperança é compartilhada pelo diretor Marcone Costa. “Esperamos muito que todos estejamos vacinados. Depois disso é que podemos traçar uma nova perspectiva de trabalho para o ano que vem. A cultura não acabou junto com a COVID-19, nós só estamos nos adequando. Novos horizontes serão possíveis, apesar de tudo, e iremos construir um São João 2022 em cima dessa nova realidade”, finaliza.

Preocupação com a continuidade da inclusão social 

Reconhecidas no circuito junino por pautarem a inclusão social, as duas quadrilhas querem continuar agregando, apesar das dificuldades vividas, novas perspectivas de vida em cena. O respeito por quem está ali para viver o São João através da dança e da coletividade é o pilar central das companhias.

Para o diretor da Junina Tradição, a representatividade dialoga com quem está presente no dia a dia dos morros, ilustrando quem faz a arte periférica de cada região. Para ele, uma quadrilha real é aquela fiel às suas origens e que se preocupa em dar continuidade à esta visibilidade conquistada. “Há dez anos, entendemos que não tem como falar de quadrilha junina sem pensar que, durante a organização tradicional para definir quem são as damas e cavalheiros, deve-se pensar na inserção de pessoas trans e travestis, que a figura do pai da noiva não necessita ser a representação do ‘homem viril’, por exemplo. Por isso, temos o casamento de casais homoafetivos durante a apresentação, a mudança da figura da rainha do milho substituída por uma bailarina gorda e o próprio Santo João representado através de um bailarino negro”, conta. 

Com integrantes majoritariamente LGBTQIA+, a Zabumba trabalha, ao longo dos anos, o poder de oportunizar acessos para pessoas historicamente marginalizadas. “É fundamental entendermos que, em Pernambuco, o movimento de dança junina é plural, então é dever nosso, enquanto gestores das quadrilhas, continuarmos pautando a diversidade, para que os artistas sejam vistos e respeitados. Por isso, o nosso esforço de continuarmos nos apresentando. Pensar em quadrilha é pensar em trabalho social, aquele que oportuniza o acesso à arte, algo que não nos é reservado socialmente, e que, acima de tudo, pratica a cidadania. Isso não pode parar”, defende Ailson. 

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