“Solidão Mãe” retrata o amor de mãe, filha e a vida de muitas mulheres negras e nordestinas, que sozinhas, lutam para criar seus filhos
Texto / Thais Siqueira | Edição | Simone Freire / Imagem / Divulgação
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Com muito amor, dedicação e ancestralidade envolvida no desenvolvimento de uma composição autoral, a rapper Lena Silva lançou em março, no mês que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, o videoclipe “Solidão Mãe”, para homenagear sua mãe, Marilene Pereira da Silva, 60 anos, mulher preta, nordestina e periférica que carrega consigo as marcas da deficiência auditiva, fator que, segundo Silva, nunca interferiu na comunicação entre mãe e filha.
“Solidão Mãe” retrata o amor de mãe, filha e a vida de muitas mulheres negras e nordestinas, que sozinhas, lutam para criar seus filhos. A rapper escreveu a música há quatro anos, mas somente agora a obra ganhou vida retratando a história de sua mãe com cenas que trazem ancestralidade, religião de matriz africana, a força da natureza, os costumes à beira dos rios das lavadeiras e a troca de amor, respeito e afeto entre as duas.
“Pura e real, essa letra tem por finalidade falar ao coração. Assim como as imagens no vídeo, as cenas foram orgânicas, naturais e ressalta momentos reais, onde cada elemento capturado remete a uma lembrança e aos segmentos da umbanda”, descreve Silva.
Mudanças
A rapper conta que aos 10 anos de idade sua mãe contraiu meningite e perdeu a audição, mas isso não a impediu de se comunicar. “Ela faz leitura labial, adora conversar, sair e se divertir”, conta Lena. Quando adulta, se mudou para São Paulo com o incentivo da sua irmã mais velha, Maria de Lourdes, em busca de melhores oportunidades.
Dona Marilene trabalha há mais de 30 anos como empregada doméstica, no qual desses, 26 anos, foram dormindo em casa de família num quartinho de empregada, que contava apenas com uma cama de solteiro, um guarda- roupa embutido, uma televisão e um vitrô que lhe permitia olhar o passar do tempo em contraste com a parede branca do prédio da frente. Nesse período, passou por diversas humilhações e encontrou a solidão na maior metrópole do Brasil.
“Esse novo trabalho é uma forma simbólica de agradecê-la por ter me dado a luz. É também uma necessidade minha de contar ao mundo como foi a caminhada da minha mãe, Marilene Pereira da Silva, nome completo é extenso, mas necessário para não cairmos no esquecimento, ainda que carregamos o nome de nossos escravizadores, nascemos e crescemos na cidade de Jequié na Bahia. Uma família formada majoritariamente por mulheres, e sempre, sempre caminhamos juntas”, enfatiza Lena. Ela também faz questão de ressaltar a união entre as duas: “sempre caminhamos juntas, sempre, só nós duas, desde quando ela decidiu me ter. Sim, foi decisão dela”.
As marcas do machismo e da agressão às mulheres também se faz presente na vida da mãe da rapper, fato que não sai dos pensamentos de Lena. “Eu não sei como ela conseguiu superar o chute dado em sua barriga grávida quando estava com oito meses, provocando um parto cesariana nos anos 80. Deve ser por isso que somos cabeça dura. Ela levou tanta porrada e eu tantas quedas que agora nada mais bate na gente”, disse.
A rapper finaliza fazendo uma descrição de admiração pela sua mãe e destacando o significado dela em sua vida, que reverbera em sua forma e essência de fazer arte. “Ela trabalha desde os 12 anos de idade como empregada doméstica. Sem a audição, sem estudo, sem dinheiro, sem marido, sem o pai da filha, sem casa própria, sem nada além de esperança e vontade de viver. Eu fiquei 10 anos longe dela, devido uma infância difícil, que resultou numa adolescência rebelde. Precisava me conhecer e compreender melhor minha mãe. Eu não sabia de muita coisa, mas agora um pouco eu sei: Mainha é a rainha e o tempo é o rei”, diz.
Ficha Técnica
Produção musical: Quebrada Groove
Produção audiovisual: Hilberto Dias Junior
Produção executiva: Umsoh
Crédito das fotos de divulgação: Jordan Fields