Candidato à reeleição neste ano, Jair Bolsonaro (PL) desde 2018 sempre contou com um forte apoio de líderes evangélicos conservadores ligados à política partidária de direita. Contudo, os discursos e projetos defendidos pelo presidente tem levado a sociedade a refletir sobre os motivos que levaram a adesão dessas lideranças à gestão do atual mandatário, que defende, por exemplo, o uso legal de armas de fogo pela população e já chegou a fazer apologia à violência, machismo e racismo, causas que, outros líderes religiosos afirmam afrontar a fé cristã.
Um dos casos mais recentes aconteceu durante entrevista a um podcast em que Bolsonaro afirmou que “pintou um clima” entre ele e adolescentes venezuelanas refugiadas de 14 anos no Distrito Federal, sugerindo que elas eram exploradas sexualmente. As jovens, no entanto, participavam de uma atividade de uma ONG que dava curso de estética a outras colegas refugiadas.
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Mesmo diante de situações como essas, vários líderes cristãos declaram abertamente a defesa da permanência de Bolsonaro no Palácio do Planalto, como foi o caso do pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), que deixou claro que Bolsonaro é “o nosso candidato” e que “Deus a quem ele honra com certeza o honrará neste mês de outubro”, quando o segundo turno entre ele e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será definido.
Um dos fundadores e coordenador do Movimento Negro Evangélico (MNE) e criador do canal “Afrocrete”, Jackson Augusto analisa o que está por trás dessa adesão de parte dos evangélicos ao bolsonarismo, expressão dada à ascensão da popularidade de Bolsonaro, que é católico, e de suas ideias. Para ele, esse contexto provocou uma ruptura entre uma boa parte dos fiéis com os ensinamentos dados por Jesus, causando um distanciamento da igreja com a essência originária cristã por questões de poder.
“As lideranças cristãs estão aderindo ao bolsonarismo porque existe uma questão de poder. Bolsonaro perdoou as dívidas das igrejas e está atrelando e aparelhando projetos sociais dessas instituições a financiamento do próprio governo para trabalhar em conjunto. Existe dinheiro envolvido nisso, que foi levado para igreja e agora está como parte da estrutura de algumas delas, mas não é a igreja como um todo”.
Ainda de acordo com Jackson, o apoio dos evangélicos mais conservadores é uma das formas que os líderes cristãos encontraram para conseguirem defender seus próprios projetos de poder. “Estão em volta de Bolsonaro porque o presidente é a única opção para que esses projetos continuem avançando no Brasil. Existe um projeto de poder na igreja evangélica que o bolsonarismo viabiliza. Mais do que o ensinamento de Jesus, o que a gente vê é uma igreja desviada. Líderes religiosos que não seguem mais a Jesus e que usam o nome de Cristo e a fé do povo para benefício próprio”, complementa.
Em 2020, durante seu discurso na 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas, Bolsonaro chegou a dizer que o Brasil enfrenta uma onda de cristofobia e que era preciso que líderes mundiais lutassem contra para combater essa postura. “Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à Cristofobia”, falou na época, afirmando que católicos e evangélicos sofrem com perseguição moral e até física no país.
Entretanto, dados da ONG Portas abertas, que fazem o acompanhamento de cristãos perseguidos em países em que a população não tem liberdade para professar a fé em Jesus, mostram que o Brasil não chega nem a aparecer entre os 50 países onde os cristão são mais perseguidos. De acordo com os dados do Censo 2010 do IBGE, os cristãos representam 86,8% dos brasileiros.
Por isso, toda e qualquer religião que se distancie do cristianismo, que é a maioria da população, tem maior probabilidade de sofrer ataques por causa da fé em outras crenças. Cientista da religião e acadêmico em Direito, o babalorixá Edson de Omulu comprova a falta de políticas públicas à pluralidade espiritual por parte de Bolsonaro e que isso incentiva à perseguição de religiões não-cristãs no Brasil.
“O que a gente tem a partir da República e da Constituição de 1988, no sentido formal, é a liberdade religiosa como princípio, mas, na prática, só há liberdade em ser cristão porque quando alguém se filia a outra vertente religiosa, em especial as de matrizes africanas, acontece as perseguições. E esses valores fundamentalistas pregados em púlpitos de ódio validam uma leitura de uma cruzada religiosa pentencostal e neopentecostal contras as religiões de matrizes africanas no Brasil”.
“Existem facções dentro de igrejas com esse viés de ódio coletivo que age de forma violenta ao diferente e que se salienta também em determinadas lideranças que fazem essa manobra entre o religioso e o político. É um projeto de poder que inclui ocupar os espaços no Judiciário, Legislativo e Executivo para que essas práticas de violências sejam validadas pelos três poderes. Estou te batendo e tocando fogo no seu terreiro porque estou ajudando um projeto de Deus aqui na Terra. Quando, na verdade, é um projeto de poder individual de alguns grupos para atender os interesses meramente materiais para se perpetuar no poder e por isso eu digo que Bolsonaro não representa o cristianismo”, reflete o pai de santo.
Luta antirracista
Para lutar contra a intolerância e o racismo religioso contra pessoas e comunidades de matrizes africanas, Pai Edson coordenou o projeto “Racismo Religioso: Respeita Minha Fé!”, de iniciativa do Centro Social e Tenda de Umbanda Caboclo Flecheiro, no bairro de Águas Compridas, em Olinda, Região Metropolitana do Recife (RMR). O estudo fez uma cartografia social dos terreiros do Grande Recife e também um acompanhamento jurídicos de casos denunciados à Justiça.
Como resultado, o relatório mostrou que, nos últimos quatro anos, mais de 1,5 mil pessoas de terreiro foram vítimas de perseguição religiosa no município. Desse total, 90% não tiveram nenhuma resposta das autoridades. “Esse projeto nasce justamente numa resposta ao processo de racismo religioso que a gente passa. Aqui no Brasil temos uma perseguição decorrente do racismo estrutural contra as expressões de fé negras, afro brasileiras e afro indígenas. Esse racismo decorre de um componente etnicorracial, ele decorre do racismo que a gente conhece. Só que dessa vez não aplicado não aplicado aos corpos negros, mas à questão da fé negra”, explica.
Somando forças à luta antirracista, Lula, o adversário de Bolsonaro nessas eleições, divulgou na semana passada uma carta de compromisso com os eleitores evangélicos. O documento se compromete com a liberdade de culto e de religião e também pontua políticas voltadas às igrejas adotadas durante os seus dois governos, como a criação da Lei de Liberdade Religiosa, promulgada em 2003, durante seu primeiro ano de mandato.
“Se Deus e o povo brasileiro permitirem que eu seja eleito, além de manter esses direitos, vou estimular sempre mais a parceria com as Igrejas no cuidado com a vida das pessoas e das famílias brasileiras”, diz trecho da carta assinada pelo ex-presidente e candidato neste segundo turno.
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