Por: Pedro Borges e Fernanda Rosário
Indústria e agronegócio seguem com influência sobre a agenda brasileira na COP 28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Há novamente apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Agronegócio (CNA) para o espaço do governo federal na conferência, além de um estande separado para os representantes dos temas. A agenda do dia 8 de dezembro, por exemplo, no pavilhão do governo federal está destacada para a indústria.
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Nas edições da COP de 2019, em Madrid na Espanha; de 2021, em Glasgow na Escócia; e de 2022, em Sharm El Sheik no Egito, a CNI e a CNA contribuíram para a participação da delegação oficial do governo brasileiro na Conferência do Clima. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, o espaço do governo federal não promoveu qualquer aproximação com movimentos sociais e grupos organizados da sociedade civil, com um maior destaque para a apresentação de cases de sucesso da indústria e do agro nacionais.
A edição de 2019 também foi a primeira em que o Brasil levou mais de um pavilhão, com uma separação entre sociedade civil, capitaneada por movimentos sociais e ONGs, e o governo federal, com maior participação da indústria e do agro. Em 2022 no Egito, foi criado um terceiro espaço só para o Consórcio da Amazônia Legal, representado pelos nove estados da região, que pela primeira vez tiveram um estande próprio para discutir suas agendas.
A expectativa criada na COP 27 no ano passado, em Sharm El Sheik, depois da vitória de Lula, era de que o primeiro encontro do clima com o novo presidente eleito, no caso a atual edição da COP, iniciada na última quinta-feira (30) em Dubai, tivesse um espaço unificado do país capaz de dialogar com as agendas de empresários, movimentos sociais e da região amazônica.
A ideia caiu por terra com a continuidade de três espaços do Brasil e a manutenção da influência do agronegócio e da indústria na agenda climática e ambiental do país. A CNI e a CNA seguem com seus logos impressos no pavilhão do governo federal, apesar de menos destacados do que no ano passado.
Em conversas com a equipe da Alma Preta Jornalismo, organizadores do local da indústria e do agro sinalizaram que a agenda do governo federal tinha muitos atores, com a presença de movimentos sociais, ONGs, além das próprias empresas. Por isso, optaram por ter um espaço dedicado, do setor privado. Se com Bolsonaro o terceiro pavilhão era composto por ONGs e movimentos sociais, dessa vez, é formado por empresários.
O consórcio dos governadores da Amazônia também optou por manter um ambiente separado. De acordo com os organizadores, houve uma maior aproximação com os ministérios de Lula, com a participação do consórcio no Comitê Organizador da programação do governo federal e uma maior participação nos debates.
À reportagem, a equipe do Consórcio também sinalizou para uma tentativa de aproximar programas dos governos estaduais da região, como o de BioEconomia do Pará, com a agenda de ministros.
Lula então manteve a presença do agronegócio e do setor da indústria na programação oficial do governo brasileiro, e não conseguiu unificar os espaços do país em um só. A Brazil Climate Hub, local da sociedade civil nas COPs durante a gestão de Bolsonaro, chegou a emitir um comunicado de que o “o governo federal fez um chamado para um único local de referência do nosso país em Dubai” e o Ministério do Meio Ambiente, em comunicado sobre a programação da COP 28, sinalizou para o recado de um “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”.
Além da separação dos espaços, é possível observar uma distância física entre os três dentro da conferência. O estande do setor privado, com o agro e a indústria, está próximo do estande do Consórcio da Amazônia Legal. Já o espaço dedicado ao governo federal está mais distante e é um grande pavilhão, de dois andares, que volta a reunir em seu local os representantes de ONGs e da sociedade civil, como indígenas, quilombolas e movimentos sociais.
Governo não detalha quantias investidas pelos parceiros do agro e da indústria na COP 28
A reportagem enviou questionamentos para o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) para saber quais foram as contribuições de CNI e CNA para a participação brasileira na COP28 e para saber quais foram os valores gastos pelas duas confederações. Segundo o MRE, a organização do espaço brasileiro no evento estaria sob a responsabilidade do MMA, por isso não disporiam de informações sobre o assunto.
O MMA, por sua vez, afirmou que o Pavilhão do Brasil na COP 28 “retoma a tradição interrompida pela gestão passada de unir governo federal, governos estaduais, sociedade civil e setor privado em um único espaço”, diferente do apurado pela reportagem presencialmente. Ainda de acordo com o ministério, CNA e CNI fazem parte da coordenação técnica do espaço como representantes do setor privado, além de a CNI também ser uma das apoiadoras do pavilhão.
Já a ApexBrasil explicou que CNI e CNA são membros do seu conselho. Juntas, as instituições celebram convênios importantes com foco em empresas de pequeno porte de vários setores, assim como parcerias em diversas iniciativas. A Apex, entretanto, não chega a detalhar as contribuições das confederações durante a COP28. Até a publicação deste texto, o MMA não enviou um retorno.
Em resposta a questionamentos via Lei de Acesso à Informação enviados pela Alma Preta sobre a parceria com CNI e CNA observada em COPs anteriores (na Escócia e no Egito), o MMA, o MRE e a Apex-Brasil confirmaram que houve uma participação conjunta na organização do pavilhão brasileiro, o que justificava as logomarcas dos parceiros institucionais e governamentais aplicadas no espaço e nos materiais de comunicação do evento, mas afirmaram não saber o valor da quantia investida pelas duas confederações.
Em reportagem anterior, a Alma Preta também mostrou que a parceria com o agro e a indústria é reconhecida pelo governo brasileiro, mas ele não explica como o recurso foi aplicado para a realização do evento nas últimas Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
A Apex-Brasil, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), questionada na época, disse que dispunha apenas de informações das despesas realizadas sob sua responsabilidade. “Cada entidade é responsável por contratar e pagar diretamente algumas despesas concernentes ao projeto. Por conseguinte, não há transferência de recursos entre as entidades e, tampouco, há prestação de contas recíproca em termos financeiros”, justificam.