Candidato pela primeira vez ao governo da Bahia, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, se autodeclara como pardo no registro de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nas eleições municipais de 2016, quando tentou a reeleição à prefeitura de Salvador, Neto também se autodeclarou como pardo. Na época, ele foi reeleito, no primeiro turno, com 73,99% dos votos.
ACM Neto foi prefeito de Salvador por dois mandatos seguidos, em 2012 e 2016, e agora disputa o pleito estadual pelo “União Brasil”, fusão entre o Democratas (DEM) e o Partido Social Liberal (PSL), antiga legenda do presidente Jair Bolsonaro.
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O candidato concorre ao governo da Bahia ao lado de Ana Coelho (Republicanos), candidata à vice, que também se autodeclara como parda. A empresária é CEO da TV Aratu, afiliada do SBT na Bahia, e agora dá os primeiros passos na carreira política. Para as eleições, a candidata a vice-governadora disse que terá como bandeira o fortalecimento da “representatividade feminina”.
Em comum, ACM Neto e Ana Coelho são parentes de ex-governadores da Bahia: Antônio Carlos Magalhães, avô de ACM Neto, e Nilo Coelho, tio de Ana Coelho. Além disso, ambos estão à frente de duas das principais emissoras baianas, a Rede Bahia, afiliada da Rede Globo, e a TV Aratu.
Confira abaixo o perfil racial dos demais candidatos ao governo da Bahia:
Jerônimo Rodrigues (PT)
Ex-secretário de Educação da Bahia, Jerônimo Rodrigues é o único candidato autodeclarado indígena para a vaga no Executivo estadual e concorre ao pleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Jerônimo, que também foi secretário estadual do Desenvolvimento Rural, foi indicado após desistências dos senadores Jaques Wagner e Otto Alencar e tem como desafio dar continuidade à gestão petista no Estado. O seu vice é Geraldo Júnior (MDB), ex-presidente da Câmara Municipal de Salvador, e que se autodeclara como pardo.
Giovani Damico (PCB)
Giovani Damico se autodeclara como branco. Ele é professor da rede estadual básica de ensino e disputa a vaga no Governo da Bahia pela primeira vez pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Além disso, também é mestre em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e foi candidato a vereador de Salvador em 2020, também pelo PCB. Damico tem como vice o advogado João Coimbra (PCB), que se autodeclara como preto.
João Roma (PL)
Ex-ministro da Cidadania entre 2021 e 2022, João Roma se autodeclara como branco e concorre à vaga no Executivo estadual pelo Partido Liberal (PL). Roma também foi chefe do escritório da Agência Nacional de Petróleo (ANP) em Salvador e delegado do Ministério da Cultura para o Nordeste. A sua vice é a médica Leonidia Umbelina, do Partido da Mulher Brasileira (PMB) que se autodeclara como preta.
Marcelo Millet (PCO)
Marcelo Millet se autodeclara como branco e integra o Partido da Causa Operária (PCO). Millet é motorista de aplicativo e, em 2020, foi candidato a vice-prefeito de Salvador pela mesma legenda. O seu vice na chapa é o candidato Roque Vieira Júnior, autodeclarado preto, que integra o mesmo partido político.
Kleber Rosa (PSOL)
Pela primeira vez na disputa política, Kleber Rosa é professor de sociologia na rede estadual de ensino, ativista do movimento negro, investigador da Polícia Civil da Bahia e fundador do movimento Policiais Antifascismo. Ele concorre pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) junto com o seu vice na chapa, Ronaldo Mansur (PSOL), que se autodeclara como pardo.
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‘Essas pessoas sempre refutaram as nossas lutas’
Para o ativista e coordenador do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Marcos Rezende, a alteração do perfil racial dos candidatos brancos para pardos, tanto pela direita quanto pela esquerda, é uma forma de driblar a justiça eleitoral para obter recursos do Fundo Eleitoral destinado a candidaturas negras. O ativista também analisa que situações como essa representam um processo de violência histórica contra as pautas do movimento negro.
Rezende também destaca que é preciso uma maior vigilância na tentativa de apagamento da luta da população negra dentro dos espaços políticos.
“Essas pessoas, historicamente, sempre refutaram essas pautas, as nossas lutas. A gente não pode esquecer que o Democratas (DEM), que agora é União Brasil, foi um partido que entrou na Suprema Corte contra as cotas. É o partido de ACM Neto”, diz Rezende, em referência à legenda que teve ACM Neto como presidente nacional até a fusão com o PSL.
A pesquisadora e especialista em heteroidentificação, Marcilene Garcia de Souza reforça que na heteroidentificação o que vai identificar uma pessoa negra (preta e parda) será o conjunto de traços negróides que o indivíduo possui, como a cor da pele mais escura, características do cabelo, nariz e boca.
Conforme a pesquisadora, quanto mais esses fenótipos forem acentuados, mais eles vão estabelecer posições de vulnerabilidade e, no caso contrário, privilégio, que vão resultar no chamado “racismo de marca”, termo cunhado pelo sociólogo Oracy Nogueira.
“Para o Estatuto da Igualdade Racial e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população negra é formada pelo conjunto de pessoas pretas e pardas. Portanto, as pessoas pardas no Brasil, considerando a característica do racismo anti-negro, precisam ser identificadas como sendo negras mais ‘claras’ ou mais ‘escuras'”, explica.
A especialista também pontua que a categoria “pardo”, para fins de ações afirmativas por meio de cotas para negros, é fruto da luta do movimento negro e não pode estar desassociada das injustiças históricas marcadas pela escravização de africanos e seus descendentes que são afetados pela discriminação racial.
“O termo ‘pardo’ tem sido utilizado pelas pessoas brancas com propósito de se beneficiar de um direito que não é o seu. As políticas para negros devem ser garantidas para as pessoas que, pelos traços fenotipicos negros, sofrem discriminação em todos os espaços, como educação, saúde, mundo do trabalho e na política”, pontua.
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