Historicamente, diversas mulheres negras estiveram na linha de frente da luta por direitos igualitários, que incluíssem não apenas o gênero, mas também levassem em consideração a racialidade. O voto histórico de Almerinda Farias, única mulher negra a depositar seu voto na urna durante a Assembleia Constituinte de 1933, marca a inserção das mulheres negras na política. Na ocasião, como representante classista, ela foi a única mulher a votar e a ser votada.
A conquista, entretanto, pode ser considerada como mais um exemplo do racismo institucional: mesmo sem explicitar, as exigências fizeram com que as negras tivessem dificuldades de acessar o direito, fato que levanta discussões até hoje. Para a pré-candidata a co-deputada estadual e co-vereadora pelo PSOL, Carolina Iara, é portanto necessário honrar essas mulheres negras que abriram o caminho na política.
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“O 25 de julho marca o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, honrando todas as nossas ancestrais e contemporâneas que tornam possível a existência e a luta pela liberdade plena das mulheres negras”, destaca.
“E como mulher intersexo e travesti, vejo como um dia de relembrar a pluralidade e diversidade do que é ser mulher negra, trans e cisgênero, LGBTQIAP+ ou hétero, do campo e da cidade, da periferia ou do centro, todas atravessadas pelo racismo e o patriarcado que torna nossas existências permeadas por injustiças sociais, econômicas e subjetivas. O dia 25, portanto, é um marco de nossas lutas e da importância de nossas vidas”, completa a co-vereadora.
Neste Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a Alma Preta Jornalismo reúne uma lista de mulheres que fizeram história na política nacional e foram essenciais para levar a luta da população negra para o campo institucional.
Antonieta de Barros, a primeira deputada estadual negra (1934)
Antonieta foi a primeira deputada mulher e negra a ocupar um cargo político em todo o país, em 1934, em Santa Catarina. Na foto que registra o dia de sua posse, havia dezenove pessoas: apenas ela enquanto mulher, apenas ela enquanto negra.
Vale lembrar que Antonieta foi eleita menos de meio século após a abolição do regime escravagista e apenas dois do sufrágio feminino — que deu às mulheres direito ao voto facultativo, há 90 anos, em 1932. Num país fortemente preconceituoso quanto à classe, cor e gênero, a parlamentar tinha orgulho de sua história.
Ela foi a autora da Lei 145/48 que instituiu o 15 de outubro como o Dia do Professor, em Santa Catarina. Foi a primeira vez que a data foi oficialmente atribuída.
Theodosina Rosário Ribeiro, a primeira vereadora negra de São Paulo (1974)
Eleita a primeira vereadora negra da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), Theodosina também foi professora, diretora de escola, advogada e deputada estadual. Sempre lutou por mais liberdade para as mulheres e todas as pessoas negras.
Sua paixão pela política teve uma forte influência do pai, o capitão da Força Pública (atual Polícia Militar) José Ignácio do Rosário, que era admirador do presidente Getúlio Vargas e do ex-governador de São Paulo Ademar de Barros.
Laélia Alcântara, a primeira senadora negra (1982)
Laélia Contreiras Agra de Alcântara, conhecida como Laélia de Alcântara, foi a primeira negra a ocupar uma cadeira de senadora da República no Congresso Nacional. Ela representava o estado do Acre pelo PMDB.
Sua carreira política, no entanto, começou em 1962, quando foi eleita suplente de um deputado federal. Com a volta do pluripartidarismo em 1980, Laélia mudou para o PMDB – atual MDB – e, com o afastamento do senador Adalberto Sena, por razões de saúde, assumiu o mandato interinamente entre 3 de abril e 29 de julho de 1981. No início do ano seguinte, em janeiro de 1982, assumiu a cadeira definitivamente, devido ao falecimento de Sena. Ao ser efetivada, Laélia tornou-se a terceira senadora da História do Brasil.
Benedita da Silva, a primeira vereadora negra (1982) e governadora (2002) do Rio de Janeiro
Em 1982, Benedita da Silva tornou-se vereadora do Rio de Janeiro, com uma campanha que fez história, já que ela se colocava como mulher, preta e favelada. Mais tarde, em 1987, dos 559 deputados que compunham o processo constituinte, ela era a única mulher negra.
Benedita da Silva construiu sua vida pública envolvida nas lutas em favor das comunidades empobrecidas do Rio de Janeiro, sua cidade natal. Moradora do Morro Chapéu Mangueira durante 57 anos, iniciou sua trajetória na Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro.
A eleição para deputada federal em 1986 foi o reconhecimento do trabalho em defesa da mulher, da igualdade racial, da trabalhadora doméstica, das minorias, dos direitos humanos e das comunidades faveladas. Assumiu o mandato, que também era constituinte, com a determinação de incluir na nova Constituição democrática os direitos desses segmentos discriminados.
Em 2002, quando governou o estado do Rio de Janeiro, numa decisão inédita, nomeou 20% de negros para o primeiro escalão. Implantou a lei cotas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Ao ser eleita novamente deputada federal, em 2010, foi escolhida para ser a relatora da Proposta de Emenda Constitucional, que ampliou os direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas, uma categoria com cerca de 7 milhões de pessoas.
Kátia Tapety, a primeira vereadora trans negra do Brasil (1992)
Em 1992, o Brasil elegia a primeira travesti para um cargo político de sua história. Kátia Tapety, travesti, negra, residente no município de Colônia do Piauí, a 388 quilômetros ao sul da capital Teresina, ingressou no Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), pelo qual foi eleita vereadora em 1992, 1996 e 2000, sempre como a mais votada.
Foi também presidenta da Câmara Municipal no biênio 2001–2002. Em 2004, Tapety foi eleita vice-prefeita na chapa com Lúcia de Moura Sá. A candidatura de ambas contou com 62,13% dos votos dos 5.417 eleitores da pequena cidade.
Olívia Santana, a primeira deputada negra da Bahia (2018)
A eleição da professora Olívia Santana (PCdoB) para ocupar uma das 63 cadeiras da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), com sede no Centro Administrativo (CAB), em Salvador, representou bem mais do que uma simples vitória política nas urnas, foi um marco histórico, porque ela se tornou a primeira mulher declarada negra a ser eleita para o posto na Bahia.
Olívia teve 57.755 votos e comemorou nas redes sociais. Foi a quarta vez que ela se candidatou para o cargo de deputada estadual: teve três tentativas frustradas em 2002, 2010 e 2014.
Érica Malunguinho, a primeira deputada trans negra (2018)
Antes de ser eleita deputada estadual em São Paulo, Érica Malunguinho da Silva já atuava no campo político, por direitos sociais. Primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa, criou o Aparelha Luzia, quilombo urbano responsável por fomentar debates e disseminação da cultura entre artistas e intelectuais negros e a sociedade civil.
Desde a fundação, o Aparelha Luzia – localizado no centro da capital paulista – virou ponto de encontro de pessoas negras de todas as idades e regiões. Educação, artes cênicas e visuais, política, racismo, machismo,são alguns dos assuntos debatidos.
A pernambucana Erica Malunguinho é formada em história da arte pela Universidade de São Paulo. Sua luta política sempre foi contra homofobia, transfobia, machismo e racismo.
Carolina Iara, a primeira co-vereadora negra, travesti e intersexo (2020)
Carolina Iara de Oliveira foi eleita a primeira travesti e a primeira intersexo a ocupar um vaga legislativa no Brasil. Servidora pública da saúde e ativista em direitos sociais e humanos, Carol é pré-candidata ao cargo de co-deputada estadual.
Para ela, a próxima eleição será um momento de transição para o Brasil.
“Oxalá faça que seja uma transição rápida no primeiro turno e que consigamos colocar os movimentos sociais e as pessoas nas ruas para impedir intentos golpistas de [Jair] Bolsonaro [PL]. Mas, nós não queremos reconstruir o Brasil, queremos refundar, e tirar as entranhas do racismo como estruturante da sociedade brasileira, e do sexismo e patriarcado como estruturante da reprodução social do capital e do trabalho”, destaca.
Eliana Gonzaga, a primeira prefeita negra de Cachoeira, na Bahia (2020)
A cidade de Cachoeira elegeu sua primeira prefeita negra em 2020, 490 anos depois da sua fundação. Eliana Gonzaga (Republicanos-BA), foi eleita na cidade histórica do Recôncavo Baiano, derrotando grupos políticos tradicionais da região. Na campanha eleitoral, ela foi alvo de ataques racistas em redes sociais.
Filha de feirantes, Eliana começou a trabalhar cedo, ajudando os pais no mercado municipal de Cachoeira. Na juventude, aproximou-se da política por meio do Sindicato de Trabalhadores da Agricultura Familiar.
Disputou seu primeiro mandato eletivo em 2008, quando foi eleita vereadora. Reelegeu-se em 2012 e quatro anos depois foi candidata à vice-prefeita, sendo derrotada. Em 2020, decidiu concorrer à prefeitura em uma ampla coligação de partidos de oposição ao prefeito Tato Pereira (PSD-BA), que disputava a reeleição.
A campanha foi agressiva e marcada por ataques racistas em textos que circulavam em grupos locais. Mesmo assim, venceu as eleições para prefeitura de forma surpreendente, colocando fim a um ciclo de 16 anos de governos da família Pereira.
A importância de eleger mulheres negras
Para Carolina Iara, as mulheres negras são a síntese do programa de transformação social, desde que de forma coletiva e comprometida com a agenda histórica de lutas do movimento de mulheres negras.
“Como diz Angela Davis, quando mulheres negras se movem, o mundo se move. E o projeto de bem viver das mulheres negras é solidário, é generoso e é o contrário da injustiça do capitalismo que temos hoje. Por isso é importante toda a esquerda valorizar e incentivar o voto antirracista e feminista em mulheres negras nesse ano”, finaliza a co-vereadora.
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