Andréia de Jesus, Benny Briolly, Erika Hilton, Jhonatas Monteiro, Marielle Franco, Matheus Gomes, Renato Freitas: esses são apenas alguns nomes de parlamentares negros que ao longo dos últimos anos sofreram algum tipo de violência política no país. De acordo com a segunda edição do levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil” lançado na última semana (10), pessoas negras são vítimas de 50% dos episódios de violência política, sendo 203 casos registrados no período de 2 de setembro de 2020 a 31 de julho deste ano.
No mesmo período, brancos representam 45% dos casos, com 181 episódios, enquanto amarelos e indígenas são 1,2%, com 5 episódios no total. Em 3,2% dos episódios de violência ocorridos no período analisado (13 casos), não foi possível identificar cor e raça.
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“Parlamentares negros, mulheres, LGBTQIA+ e defensores dos direitos humanos são as vítimas que mais sofrem com a violência política e eleitoral de forma reincidente”, destaca a publicação.
Produzido pelas organizações de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global, o estudo também revela que o perfil das maiores vítimas permanece sendo os homens cisgênero que, além de serem maioria em representação nos espaços de poder, são vítimas em 58% dos casos de violência política.
As mulheres cisgêneras, que representaram 16% das pessoas eleitas em 2018 e 2020, são vítimas em 37% dos casos registrados de setembro de 2020 a julho deste ano. Mulheres negras são vítimas em 23% dos casos, mesmo representando apenas 2% do Congresso Nacional, além de 4% das eleitas para a prefeitura e 6,3% das eleitas para as câmaras municipais em 2020. Já mulheres trans e travestis foram alvo de 5% dos episódios de violência – o estudo pontua que não foi possível encontrar informações sobre a quantidade de mulheres transexuais eleitas em 2020 no site do TSE.
Crédito: Reprodução/ Levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil”
De acordo com a coordenadora de incidência política da Terra de Direitos Gisele Barbieri, o racismo e o machismo andam juntos quando se analisa o cenário de violência política contra mulheres.
“Os corpos negros são alvos de uma violência muito mais intensa, tendo o racismo como vetor dessa violência. A violência política contra as mulheres negras, por exemplo, está presente antes delas se tornarem candidatas e parlamentares, e vai acompanhá-las de forma sistemática quando elas conseguem um mandato, uma forma evidente de retirá-las desses espaços pela intimidação”, explica Barbieri, também coordenadora do estudo.
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A cada 26 horas, há um caso de violência política no Brasil
O monitoramento revela que no período entre 2 de setembro de 2020 e 2 de outubro de 2022 foram encontrados 523 episódios de violência política e eleitoral, que tiveram como vítimas 482 pessoas – em algumas situações, uma mesma pessoa foi vítima em mais de um episódio. Os casos foram identificados a partir do levantamento de notícias em plataformas de busca da internet e redes sociais e considerou apenas os casos em que houve participação direta de representantes de cargos eletivos, candidatos/as ou pré-candidatos/as e agentes políticos.
Desde o início da série histórica, em janeiro de 2016, foram registrados 850 casos de violência política no país. Nesse período, já foram relatados 122 assassinatos, 166 atentados e 236 ameaças, além de casos de agressões, ofensas, criminalização e invasão. Em 2022, um caso é registrado a cada 26 horas.
Crédito: Reprodução/ Levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil”
“A violência política e eleitoral segue aumentando no país e, apenas nos dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições em 2022, o número de episódios de violência política quase se igualou à quantidade de casos registrados nos primeiros sete meses do ano”, pontua a publicação.
Apenas no período eleitoral, até o primeiro turno, entre 1 de agosto e 2 de outubro de 2022, 121 casos de violência foram registrados contra 113 agentes políticos, praticamente, dois casos por dia. Considerando os 68 casos de violência política disseminada – que tem como alvo apoiadores, eleitores e trabalhadores em diferentes funções – o período eleitoral registrou 189 ocorrências.
O levantamento também aponta que foi possível observar que, neste ano, o número de casos de violência política e eleitoral aumentou mais de 400% comparado a 2018, ano da última eleição presidencial e quando Jair Bolsonaro foi eleito.
Políticos locais e partidos progressistas são mais atingidos
Também é possível observar que os partidos progressistas e de esquerda se tornaram o principal alvo da violência política no período analisado. Se na primeira edição da pesquisa, que analisava o período de janeiro de 2016 a setembro de 2020, era possível observar que a violência atingia os partidos de diferentes espectros políticos, o período seguinte evidencia uma concentração dos casos em partidos do PT e PSOL.
A coordenadora de incidência política da Terra de Direitos Gisele Barbieri destaca que, embora a violência política se manifeste de forma sistemática, ela é estrutural e reproduz a violência do Estado contra determinados grupos e pessoas.
“Os dados da segunda edição nos mostram uma concentração expressiva de casos de violência política contra esses grupos, mas principalmente contra candidaturas e mandatos que atuam na defesa dos direitos humanos. Uma violência que é incentivada pelo próprio Presidente da República, que se coloca publicamente, há muito tempo e desde o começo do seu mandato, contra quem defende direitos e luta por justiça social no Brasil”, finaliza.
Além disso, o estudo revela que os políticos que atuam nas esferas locais destacam-se como as principais vítimas da violência política e eleitoral. Vereadores candidatos, eleitos e em exercício são as principais vítimas, com 227 casos de setembro de 2020 a julho deste ano.
“Mesmo que tenhamos (ainda tímido) um aumento no número de parlamentares mulheres, negros e negras, transexuais, essas populações ainda são sub-representadas nos espaços de poder e decisão. A violência política intensificada contra esses grupos é uma forma de tentar intimidar e até mesmo aniquilar a participação deles nesses espaços, ocasionando uma perpetuação de um projeto de poder único”, finaliza Gisele Barbieri.
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