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‘É preciso colocar o povo pobre e favelado no orçamento’, diz Keit Lima, candidata a vereadora em São Paulo

Ativista política da Brasilândia defende maiores recursos para setores como educação, saúde, moradia e transporte
A ativista política e candidata do PSOL, Keit Lima.

Foto: Annelize Tozetto / Divulgação

3 de outubro de 2024

Cerca de 350 mulheres são candidatas a vereadoras em São Paulo nas eleições municipais de 2024. A votação, que acontece no domingo (6), vai decidir quais serão os representantes das 55 vagas na Câmara Municipal nos próximos quatro anos. A ativista política Keit Lima (PSOL) é uma das mulheres negras na disputa.

Nascida no Recife (PE), a candidata mora desde os oito anos na Brasilândia, uma das maiores periferias do país, onde atua como ativista desde os 13 anos. Keit é graduada em Direito e em Administração, além de ser especialista em Ciências Políticas e em Gestão Pública e Urbanismo Social. Sua experiência na vida pública inclui passagens pela Mandata Ativista na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) e na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

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A ativista é cofundadora da “Labóra – Oficina de Política” e atua em organizações como a Educafro, a Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, a Iniciativa Mulheres Negras Decidem e a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA). Além disso, passou pela Coordenação de Empregabilidade da ONG Gerando Falcões.

Keit também faz parte da construção do Movimento Favela no Orçamento, que compreende que São Paulo é a cidade mais rica da América Latina e procura trazer as pessoas para o centro das decisões por meio de políticas públicas, para que o dinheiro seja distribuído de forma menos desigual entre os paulistanos.

Em entrevista à Alma Preta, a candidata à vereança falou sobre a importância da apuração de dados nas periferias para realizar políticas, de iniciativas que promovem a igualdade racial, da valorização da contribuição histórica de grupos marginalizados e defendeu maiores recursos para setores como a educação, saúde, moradia e transporte. Confira:

Alma Preta: Quais são os maiores desafios que a candidata enxerga na cidade? 

Keit Lima: São Paulo tem mais de 1.700 favelas, o maior número de favelas do Brasil. 25% da Brasilândia é favela, mais de 30% da Vila Andrade é favela, mesmo sendo um bairro “nobre”. Mesmo sendo uma cidade construída e habitada por populações periféricas, essa cidade insiste em dizer que não é nossa, nos excluindo de políticas públicas, negando o acesso a direitos básicos e nos jogando mais e mais na marginalização.

Sem o povo pobre e periférico que acorda de madrugada, não tem o cafezinho da padaria em Pinheiros, não tem o porteiro no Morumbi, não tem a doméstica na Pompeia. Então, porque a gente que trabalha de sol a sol, que faz essa cidade girar, que pagamos impostos, não temos a mesma qualidade de vida e segurança de quem mora nos bairros nobres? Os desafios de São Paulo são muitos, mas o primeiro passo é colocar o povo pobre e favelado no orçamento.

Alma Preta: Quais são suas principais propostas como candidata nessa campanha?

Keit Lima: A principal proposta que centraliza o programa da vereança é colocar a favela no orçamento, garantindo mais recursos para a educação, saúde, moradia, transporte, acesso à cultura e lazer, etc. Enfim, acesso a todos os direitos que possibilitam uma maior qualidade de vida e o bem viver!

Porque quando a educação chegar na Brasilândia, ela vai chegar em Pinheiros. Quando a saúde chegar na Cidade Tiradentes, ela vai chegar em Perdizes. Quando a moradia segura chegar no Grajaú, ela vai chegar nos Jardins. Quando essa cidade for boa para as Favelas, ela vai ser boa para todo mundo. 

Alma Preta: Como a vereança pode incidir na luta contra o racismo?

Keit Lima: As vereadoras e vereadores desempenham um papel fundamental na luta contra o racismo, por meio da elaboração de políticas públicas e iniciativas que promovem a igualdade racial e o combate às discriminações. Por exemplo, o combate ao racismo se faz por meio de uma educação antirracista, pela valorização da contribuição histórica de grupos marginalizados, como as populações negras e indígenas, se faz com uma política de reparação ampla e estrutural e, tudo isso pode ser realizado por meios das leis e das ações que cabem aos vereadores.

Mas existe uma coisa que pode parecer simbólica, mas não é: corpos negros ocupando os espaços de poder, ocupando uma cadeira na Câmara Municipal já é por si só uma resposta ao racismo. A nossa presença não significa que o racismo acabou, mas significa que conseguimos romper uma estrutura racista e classista que dizia que esses espaços não são nossos.

Alma Preta: as Câmaras brasileiras são amplamente de direita.  Como é possível agir nesse ambiente para garantir o avanço de propostas antirracistas?

Keit Lima: Estamos vivendo a cada eleição o crescimento da extrema-direita, que prega não somente o ódio aos pobres, negros, mulheres, LGBTQIAPN+, mas que também desejam a nossa própria morte, seja uma morte física, seja uma morte dos nossos ideais de mundo justo. Nesse contexto, não há dúvidas que o avanço de propostas antirracistas fica mais difícil, na verdade, nesse contexto a manutenção do que já conquistamos, como as cotas raciais, seguem ameaçadas.

Parece desanimador, mas nada que conquistamos até aqui foi nos dado. Não tem uma política de avanço social no Brasil que não tenha tido o povo negro e as mulheres no fronte. E dessa vez não seria diferente! É preciso continuar construindo com os movimentos sociais, com os movimentos de favelas, movimento negro e feminista, de mães, da cultura. É preciso continuar constrangendo e pressionando os nossos inimigos e também os nossos aliados. 

Alma Preta: Como cria da Brasilândia, você destaca na campanha que pretende levar o povo e as nossas favelas para a Câmara Municipal. Por que isso é importante?

Keit Lima: Quando uma pessoa como eu, com a minha realidade e trajetória, vinda da Brasilândia, umas das maiores periferias de São Paulo se torna vereadora, não podemos dizer que é uma mulher favelada e periférica que chegou na Câmara Municipal, mas sim que a favela chegou na Câmara Municipal. 

Eu nunca saí da Brasilândia. É o chão que eu piso a mais de 25 anos. É onde me constituí como militante, onde aprendi que a Favela também é cidade e precisa ser tratada como tal.

Ter as favelas e o povo pobre na Câmara Municipal significa ter gente que vive na pele o descaso e abandono do Estado. É ter gente que sabe o que é acordar às 4h da manhã e atravessar a cidade para trabalhar, sabe o que é encarar, cansado, o transporte público lotado, sabe o que é esperar 3 meses para uma consulta médica, sabe o que é não ter merenda na escola, sabe o que não ter água na torneira todos os dias. Quem sabe dos nossos problemas somos nós, nada mais justo termos a caneta na mão para mudar a nossa realidade. 

Alma Preta: Além de especialista em gestão pública e cientista política, você também é urbanista social. Como você enxerga o papel das políticas públicas na valorização dos territórios periféricos?

Keit Lima: Sem política pública não há transformação social, não há mudança radical e concreta na vida da população. Importante dizer que política pública deve ser baseada em dados confiáveis e deve integrar os territórios da cidade. No meu TCC eu estudei enchentes, eu fui a primeira aluna de Urbanismo Social do Insper a estudar enchentes, foi preciso que alguém que tenha a casa alagada pelas chuvas todos os anos chegasse lá. 

Eu constatei que, segundo dados da prefeitura, nos últimos três anos a Sé sofreu com mais de 500 casos de enchentes e a Cidade Tiradentes, no extremo leste, com nenhum. Como isso é possível? Como é possível que uma das regiões mais pobres da cidade tenha zero casos de enchentes e o Centro, 500. Como mudar a realidade da população pobre e periférica se nem dados sobre os nossos problemas são coletados. 

A falta de dados pode resultar em políticas públicas ruins, deficientes ou na completa ausência delas, que é o que geralmente acontece. Se não tem dados, se não tem políticas públicas, se não tem planejamento, as favelas continuarão a ser uma prova concreta da existência do racismo ambiental, das desigualdades sistêmicas e da violência do Estado. 

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  • Mariane Barbosa

    Curiosa por vocação, é movida pela paixão por música, fotografia e diferentes culturas. Já trabalhou com esporte, tecnologia e América Latina, tema em que descobriu o poder da comunicação como ferramenta de defesa dos direitos humanos, princípio que leva em seu jornalismo antirracista e LGBTQIA+.

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