Fundada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, a Nikkey Controle de Pragas acumula autuações por infrações e acusações de crimes ambientais no país. A empresa do ramo de agrotóxicos e especializada em exportação, é alvo de processos na justiça federal e em estados do país e pode perder a credencial do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) para atuar no Brasil.
Nos casos analisados pela Alma Preta, a empresa utilizou produtos químicos perigosos para seres humanos sem as devidas orientações do MAPA, utilizou agrotóxicos em quantidades diferentes das previstas pela legislação brasileira, lançou produtos químicos em alimentos que não são recomendados e é acusada de fraudar documentos.
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Vice-prefeito de 2021 a 15 de maio de 2022, Ricardo Nunes assumiu a prefeitura da cidade depois da morte do então chefe do executivo paulistano, Bruno Covas, vítima de câncer. Ricardo Nunes é candidato à reeleição na cidade e definiu como vice da sua chapa, Ricardo de Mello Araújo, ex-policial da Rota, tropa de elite da polícia militar paulista.
Ricardo Nunes estava na empresa em todos os casos analisados pela Alma Preta. Ele saiu do quadro societário em janeiro de 2022, mas deixou a direção da companhia em família. Os atuais sócios titulares são Ricardo Nunes Filho e a nora do prefeito, Amanda Karoline Nunes. A empresa existe desde abril de 1997, tem cerca de 200 funcionários e atua em cinco estados do país, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais.
O uso de tóxico sem aviso e isolamento
A empresa Nikkey Controle de Pragas foi investigada pela Polícia Federal por utilizar produtos tóxicos em desacordo com a legislação ambiental no Espírito Santo. A investigação resultou em denúncia por parte do Ministério Público do estado, em 25 de outubro de 2016, por entender que a Nikkey Controle de Pragas utilizou a substância química brometo de metila sem uma fita de isolamento adequada e sem uma sinalização para alertar sobre a periculosidade do produto químico. A empresa foi condenada pela juíza Valquiria Tavares Mattos, em 3 de maio de 2021, dias antes de Ricardo Nunes assumir a Prefeitura de São Paulo, em 16 de maio daquele ano.
Na denúncia, o brometo de metila é descrito como um agrotóxico gasoso utilizado para o controle de insetos, fungos, entre outras pragas, para o tratamento do solo e para produtos destinados à exportação ou importação. A substância é descrita como “extremamente” tóxica para o ser humano, com a possibilidade de causar a morte de pessoas a depender da concentração do químico.
A justiça reconheceu existirem provas do crime, como foi apresentado na denúncia, e que houve interesse financeiro com os desvios pela empresa e determinou o pagamento de uma multa aproximada em R$ 77 mil. O caso chegou à fase de trânsito em julgado, quando não há possibilidade de recorrer. A decisão foi tomada pela juíza Valquiria Tavares Mattos, no dia 3 de janeiro de 2021.
A pena, contudo, prescreveu, devido ao tempo decorrido para a publicação da sentença. De acordo com a justiça, a denúncia foi recebida em 16 de novembro de 2016 e a sentença foi dada em 3 de maio de 2021, tempo superior ao prazo de quatro anos, período possível para aplicação da pena. Por esse motivo, foi extinta a punição para a empresa.
A empresa afirmou que “pagou as custas” do processo “perante o órgão” e “ficou tudo certo”. A Nikkey Controle de Pragas ainda contou que, posteriormente, “o Ministério Público quis analisar o caso na Justiça Comum, onde foi realizado todas as audiências e o caso foi arquivado sem mais problemas”. Conforme a decisão judicial, o caso foi arquivado porque prescreveu.
Pedido de cancelamento e mau uso de agrotóxico em Castanha do Pará
Agentes fiscais do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) autuaram a empresa Nikkey Controle de Pragas, em 2016. Chefiada por Ricardo Nunes, a empresa teve de pagar multa no valor de R$ 38 mil por infrações e teve o pedido de cancelamento da licença de atuação por parte dos agentes fiscais.
Relatório dos funcionários do MAPA apontam que a empresa utilizou a substância Gastoxin, composto de Fosfina, para evitar o surgimento de pragas em um carregamento de Castanha do Pará. De acordo com a bula do produto, a substância não pode ser aplicada neste alimento, o que foi identificada como uma infração.
O outro erro identificado foi a utilização da substância Gastoxin em quantidade inferior à estipulada pelo MAPA para o tratamento de milho. A alegação foi de que a diferença foi um pedido da empresa, por conta da legislação local, o que não confere com o que foi apurado pelos agentes fiscais em segunda instância. Mesmo que fosse necessária a mudança da dosagem, seria obrigatório o comunicado e o pedido de avaliação do MAPA, para um diálogo com as autoridades do outro país, o que não foi feito.
O produto em questão, o Gastoxin, é considerado danoso para a saúde humana e para o meio ambiente. Em recomendações, ele é descrito como “fatal se ingerido” e “fatal se inalado”. Para o meio ambiente, tem a capacidade de facilitar a proliferação do fogo e contaminar a fauna e a flora de modo geral.
De acordo com a acusação, foi constatada fraude por conta da utilização de dosagem do Gastoxin em quantidade diferente da estipulada pela lei, o que justificou o pedido de cancelamento por parte do Ministério da Agricultura e Pecuária.
A empresa se antecipou à possibilidade de perder a credencial e conseguiu a garantia de que isso só ocorreria depois de um julgamento processual do caso, fora da esfera administrativa. O caso ainda aguarda um posicionamento da justiça em primeira instância.
A Nikkey Controle de Pragas afirmou que “o caso ainda não transitou em julgado”, que “a empresa busca esclarecer os fatos” e ainda alega que o uso de agrotóxico a menor índice “não tem potencial risco à operação”.
Mais um pedido de retirada de credenciamento
Em abril de 2015, agentes do MAPA foram até uma madeireira, em Bragança Paulista, companhia que passou a contratar os serviços da Nikkey Controle de Pragas. De acordo com a análise, a empresa da família de Ricardo Nunes cometeu as irregularidades de “adulterar, destruir ou omitir relatórios ou certificados”, deixou de apresentar documentos com o fim de dificultar o trabalho de inspeção, omitiu informações ou as prestou de forma incorreta, preencheu relatório de maneira equivocada e colocou o carimbo em madeiras para a exportação sem o tratamento prévio.
No primeiro momento, o MAPA determinou o pagamento de multa de R$ 19 mil. O caso, contudo, ganhou mais complexidade na segunda instância, quando um outro fiscal, diante dos mesmos documentos, identificou outras irregularidades. O agente compreendeu que houve fraude por parte da empresa, por emitir “certificado de tratamento sem que o mesmo tenha efetivamente sido realizado” ou “adulterar, destruir ou omitir relatórios ou certificados de forma a impedir a comprovação da realização dos tratamentos”.
A defesa refuta que houve fraude, na medida em que não há nenhum indício de que a suposta alteração ocorreu de maneira proposital e que não houve qualquer impedimento para o trabalho dos servidores públicos. A defesa da Nikkey Controle de Pragas ainda entendeu que teve o direito da ampla defesa cerceado, porque houve uma mudança das acusações feitas, o que gerou um mandado de segurança por parte da companhia, com vistas a suspender a ação administrativa em segunda instância. A alegação foi reconhecida pela Justiça Federal, que determinou que fosse refeito o processo para que a Nikkey tivesse a oportunidade de apresentar todos os recursos.
O Ministério da Agricultura e Pecuária então reabriu o caso no âmbito administrativo, com os argumentos que foram utilizados pelo órgão em segunda instância, com o pedido de cancelamento da credencial da empresa.
A Nikkey então alegou que essa medida é muito drástica e pode colocar em risco a empresa, que é descrita como uma das maiores do país no ramo. A companhia da área de agrotóxicos também salienta que todos os documentos exigidos foram entregues, que ficou comprovado a destinação dos produtos tratados e que não houve qualquer fraude.
A empresa afirmou, em nota, que “o juiz acolheu o nosso pedido, e o processo administrativo foi anulado. Ainda não transitou em julgado e a empresa está buscando o reconhecimento de uma decisão ainda mais favorável”.
O uso de agrotóxicos
Luis Cláudio Meirelles, por treze anos gestor na gerência geral de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e pesquisador da Fiocruz, onde construiu uma estrutura de prevenção e controle na área de toxicologia, afirma que os agrotóxicos são um problema para a saúde pública, fato que se agrava quando utilizados de maneira generalizada e em distância da ciência e da lei.
“O uso de agrotóxico comporta perigo porque a grande maioria deles, com a comercialização autorizada, gera perigo à vida por serem substâncias tóxicas e, o uso sem respeitar os parâmetros mínimos estabelecidos, torna essa situação muito mais severa, muito mais grave”.
Pesquisador com experiência em situações de impacto de agrotóxicos no meio ambiente, trabalho e na saúde, Luís Cláudio Meirelles acredita que a fiscalização ainda está distante do ideal no Brasil.
“A fiscalização para agrotóxicos é extremamente precária. Existem estados que estão mais avançados com algumas áreas de fiscalização, mas em via de regra, a gente pode melhorar bastante, e entender que esses são problemas de saúde pública”.
Outro lado
Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que a companhia “atua há 27 anos no mercado, tem uma história reconhecida pela seriedade no seu ramo de atuação e possui reputação ilibada, além de centenas de colaboradores”.
A empresa, por sua vez, afirmou ser “diariamente fiscalizada” por órgãos controladores e que as “infrações apontadas são ínfimas e de baixo risco”, que os processos destacados são “discussões formais e administrativas, sem nenhum prejuízo a empresa e ou a saúde pública e ao meio ambiente”. A Nikkey Controle de Pragas ainda afirma ter internacionais e nacionais como garantia da implementação das melhores práticas de usos de agrotóxicos.
Até o fechamento da reportagem, o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Ministério Público do Espírito Santo e o Tribunal de Justiça do Espírito Santo não se posicionaram sobre os casos.