A Comissão do Cumpra-se da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) realizou, nesta segunda-feira (19), uma audiência pública para debater o Projeto de Lei 1529/2023, que propõe a criação de protocolos de enfrentamento ao racismo e à intolerância religiosa em escolas públicas e privadas do estado.
A proposta, de autoria do deputado estadual Carlos Minc (PSB), foi batizada de “Lei Guilherme Lima”, em memória ao adolescente de 14 anos que morreu por suicídio após sofrer bullying racista em uma escola estadual de Maricá.
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Durante a audiência, parlamentares, representantes de secretarias, operadores do direito e integrantes da sociedade civil discutiram estratégias para prevenir e enfrentar práticas discriminatórias nas instituições de ensino. A iniciativa prevê a formação de profissionais da educação, elaboração de materiais informativos e atuação integrada com os setores de justiça, assistência social e saúde mental.
‘Meu filho chegou ao limite’
Marinês Lima, mãe de Guilherme, participou da audiência e fez um relato sobre a dor enfrentada pela família e a urgência da proposta. “Sempre dizem que sou uma mulher forte porque, desde o primeiro momento, consegui falar em público e cobrar por justiça, mas é o amor que me move. Luto pelo Guilherme e por todas as outras crianças porque meu filho chegou ao limite e tirou a própria vida, mas desejo que nenhuma outra criança precise fazer o que o meu fez”, afirmou, segundo nota da Alerj.
Ela defendeu o engajamento coletivo para enfrentar o racismo institucional e reforçou que o projeto precisa avançar. “Eu, sozinha, não sou ninguém, precisamos nos unir. Não posso deixar que o mesmo sistema que executou meu filho me cale. Já enterrei meu filho, mas não quero que nenhuma outra mãe passe por isso”, declarou.
‘Não é só bullying. É racismo’
A deputada estadual Zeidan (PT) destacou que o projeto deve articular ações de educação, justiça e assistência social. Para a parlamentar, o enfrentamento ao racismo nas escolas exige uma abordagem pedagógica ampla.
“Muitas vezes, quem pratica o bullying também é vítima de uma estrutura violenta. Por isso, não basta punir, é preciso também educar e transformar. A escola necessita passar por uma mudança pedagógica profunda, com apoio não só da Secretaria de Educação, mas também da assistência social, da rede de saúde mental e do sistema de justiça”, disse.
Joana Raphael, representante da Secretaria Estadual de Educação, afirmou que a formação docente é um dos principais pontos do projeto.
“Queremos que os professores participem das formações e levem esse conhecimento para a sala de aula. Mas ainda há muito caminho a percorrer. O que aconteceu com o Guilherme não foi um caso isolado. Há outros, e não podemos continuar tratando como se fosse apenas bullying. É racismo, e precisamos nomear”, afirmou.
Letramento racial e formação de educadores
Monique Rodrigues, da Superintendência de Promoção da Igualdade Racial (SUPIR), ligada à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, ressaltou a importância do letramento racial como ferramenta de transformação no ambiente escolar. Ela informou que a secretaria está elaborando uma cartilha com orientações para profissionais da educação.
“O racismo estrutural atravessa historicamente a nossa sociedade, e muitas vezes está mascarado em atitudes que sequer são reconhecidas como racistas. Nosso papel é esmiuçar essas práticas e promover a formação dos profissionais da educação para que reconheçam e enfrentem essas violências no cotidiano escolar“, afirmou durante a discussão.
A juíza Cláudia Maria Motta, da Vara da Infância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), alertou para mudanças no perfil de atos infracionais cometidos por adolescentes. Segundo ela, o uso de redes sociais tem intensificado práticas violentas, com episódios registrados em tempo real.
“As redes elevaram o bullying a outro patamar. Temos adolescentes queimando pessoas em situação de rua, filmando e postando, além de alunos organizando ataques a colegas por meio de plataformas como o Discord. Tudo isso faz parte de um novo contexto que precisamos enfrentar, e o racismo está no centro dessa discussão”, explicou.
O projeto segue em tramitação na Alerj. Caso aprovado, o protocolo deverá ser implementado em todas as escolas públicas e privadas do estado do Rio de Janeiro.