O projeto de resolução que visa instituir a Frente Parlamentar Ampla de Apoio à Mineração nos Estados Amazônicos, de autoria do senador Chico Rodrigues (União-RR), foi apresentado no Senado Federal no último dia 26 de abril. O projeto segue em tramitação aguardando ser avaliado para efetivo funcionamento.
Segundo texto da nova proposição, a Frente terá como uma de suas finalidades orientar, apoiar e ajudar na formulação de políticas públicas que promovam o incentivo ao aproveitamento de recursos minerais e a manutenção de programas de pesquisas tecnológicas, naturais e sociais na área da Amazônia Legal (que compreende 772 municípios em nove estados brasileiros).
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Além disso, entre os princípios do projeto da Frente, está a simplificação de programas de estímulos tributários e incentivos à criação de estratégias para consolidar ações de atração de investimentos para o incremento da mineração artesanal e em pequena escala.
Como justificativa para a criação do projeto de resolução, o senador Chico Rodrigues pontua que a atividade de mineração gera dez vezes mais empregos diretos e indiretos que a construção civil ou o agronegócio e que há uma necessidade de se explorar os bens minerais e estratégicos dos quais o Brasil é dependente de importação.
“Apesar de seus enormes benefícios, a atividade de mineração enfrenta restrições para o seu desenvolvimento, principalmente na região dos estados amazônicos. Com isso, uma parte do nosso país é impedida de explorar o seu potencial e de se desenvolver. O mosaico de restrições conservacionistas é uma realidade que vigora na Região Norte, e tem sido um obstáculo até mesmo para pesquisas minerais, em detrimento da economia nacional”, justifica o documento.
Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), lembra que já existe a Frente Parlamentar Mista da Mineração no Congresso desde 2019, com mais de 200 deputados signatários, além de sete senadores. Para Márcio, o senador Chico Rodrigues está propondo uma nova frente que faça uma divisão de interesses dentro do setor da mineração.
“Eu estou entendendo que o Chico Rodrigues está rachando com essa frente para criar uma que seja relativa à Amazônia, mas que, fundamentalmente, seja a representação do garimpo predatório. Acredito que seja um racha com as empresas de mineração. O garimpo predatório querendo a sua própria frente parlamentar”, considerou o sócio-fundador do ISA.
Santilli também explica que o garimpo predatório significa uma mineração que é feita de forma espontânea, sem nenhuma legalidade. “As pessoas invadem territórios, unidades de conservação e outras áreas públicas. Não é feito nenhum trabalho de pesquisa mineral e vão arrancando o que tem ali como minério, tomando posse das áreas na base da violência”, complementa.
O sócio-fundador do ISA também ressalta que Chico Rodrigues é vinculado ao garimpo desde sempre. “Eu acho que ele está querendo criar essa frente para não ter que discutir e negociar com os representantes das empresas formais de mineração que tem um controle maior sobre a frente parlamentar da mineração que já existe”, comenta também Santilli.
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Ações de uma frente parlamentar
Uma frente parlamentar é uma associação de parlamentares de vários partidos para debater sobre determinado tema de interesse. Podem ser compostas apenas por deputados ou serem mistas – formadas por deputados e senadores. Na Câmara dos Deputados, há mais de 300 frentes parlamentares registradas para os mais diversos setores e grupos de interesses.
Segundo Márcio Santilli, as frentes não têm propriamente uma função institucional de encaminhar propostas ou de tomar decisões, mas funcionam como um bloco de pressão sobre o Congresso nos assuntos que dizem respeito ao seu tema de interesse.
“São frentes muito diferentes entre si. Algumas são muito bem estruturadas, tem grana, apoio de fora, escritório, assessoria e outras não tem isso. São frentes com uma atuação mais reduzida”, explica o sócio-fundador do ISA.
Para Ciro Brito, coordenador da Rede Jurídica da Amazônia do Instituto Clima e Sociedade (iCS), a nova proposição de frente está dialogando diretamente com o Projeto de Lei 191/2020, que busca regulamentar a mineração em terras indígenas, tendo como objetivo fortalecer o andamento do PL no Congresso.
“Uma das tendências de uma frente de mineração dessa que ganhe corpo ao longo dos próximos meses e anos é inclusive tentar incidir na modificação legislativa para tornar lícito atividades de garimpo, por exemplo, na Amazônia”, explica o coordenador da Rede Jurídica do iCS.
Além disso, Brito acredita que a frente também fortaleceria a interlocução dos parlamentares signatários com o próprio setor da mineração, no âmbito de um ano eleitoral. “O setor da mineração é muito rico e historicamente apoia vários parlamentares nas candidaturas. Então acho que uma das funções dessa frente também seria apoiar a reeleição desses parlamentares que vão estar ingressando nessa frente”, explica.
Conflitos motivados pela mineração no Brasil
Devastação do garimpo em Terra Indígena Yanomami | Crédito: Bruno Kelly/HAY
O avanço do garimpo ilegal tem sido motivo de preocupação entre comunidades tradicionais e indígenas pelo Brasil. Segundo levantamento da organização MapBiomas, a área minerada no Brasil saltou de 31 mil hectares em 1985 para 206 mil hectares em 2020, representando um aumento de mais de 564% .
De acordo com levantamento do relatório Conflitos da Mineração no Brasil 2020, publicado pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, no ano de 2020, foram classificados 722 casos de conflitos da mineração dispersos pelo Brasil, contabilizando 823 ocorrências e envolvendo mais de um milhão de pessoas pelo Brasil.
As categorias que mais foram atingidas pela mineração foram: pequenos proprietários rurais (14,8%), trabalhadores (12,2%), ribeirinhos (10%) e indígenas (9,7%). Os quilombolas sofreram violações em 43 conflitos e 47 ocorrências, englobando ao menos 20.800 pessoas.
Em 2020, os conflitos registrados entre quilombolas e empresas estavam presentes nos estados da Bahia, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Alagoas, Goiás e Mato Grosso. Com Bahia concentrando 37,2% dos conflitos, seguido de Minas Gerais (30,2%) e Pará (20,9%).
O tipo de conflito predominante entre os quilombolas em 2020 foi “terra”, seguido de “água”, com 54,6% e 29,6%, respectivamente. Os tipos de violências preponderantes foram: danos, violações nas condições de existência, não cumprimento de procedimentos legais, poluição da água, omissão e ausência da consulta prévia.
Para Márcio Santilli, o risco de uma frente que incida pressão sobre a mineração na Amazônia representaria um grande risco para a preservação do meio ambiente e para comunidades tradicionais e originárias que lá vivem. “Porque o objetivo é justamente promover a legalização da mineração predatória”, comenta.
Já Brito comenta que, mesmo o projeto de resolução de Chico Rodrigues frisando um debate acerca de soluções sustentáveis para a mineração no país, não há um debate avançado sobre o que seria uma mineração sustentável no âmbito da literatura internacional, muito menos no Brasil.
“Em geral a mineração é super danosa, se a gente pensa os estados da Amazônia, principalmente, são os estados que estão sofrendo com o garimpo, que é um tipo de atividade mais direta da mineração”, finaliza o coordenador da Rede Jurídica do iCS.
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