No início de julho, moradores de comunidades tradicionais caiçaras do município de Iguapé, no litoral sul de São Paulo, tiveram suas casas demolidas pela Fundação Florestal, instituição vinculada ao governo do estado, com apoio da Polícia Ambiental. Duas residências localizadas na região do Rio Verde e Grajauna foram destruídas, deixando as famílias desabrigadas.
Uma terceira casa só não foi derrubada no mesmo dia por ser abrigada por uma gestante, que teve o apoio dos familiares para impedir a ação. Karina Otsuka estava sozinha em casa no momento em que as equipes chegaram para a demolição, em 4 de julho. O companheiro dela, Edmilson Prado, havia sido preso na manhã do mesmo dia por estar sem os documentos pessoais e de sua moto.
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Após mobilização dos caiçaras, ativistas e apoiadores e da interferência da Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, na última sexta-feira, 12 de julho, que o governo não prossiga com a ordem administrativa de demolição da casa e de desocupação. A decisão foi do juiz Guilherme Henrique dos Santos Martins, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Iguape, e o não cumprimento da liminar caracteriza pena de multa diária de R$ 1 mil e responsabilização por crime de desobediência.
A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) alega que as casas foram construídas em uma região onde não havia qualquer comunidade caiçara instalada desde 1980 e que as demolições ocorreram para “desfazimento” de “três edificações não consolidadas que estavam sendo ilegalmente construídas”.
Essas alegações contradizem documentos que comprovam a presença das comunidades na região desde antes dessa época, conforme explica a presidente da União dos Moradores da Jureia, Adriana Lima, que também é membro da Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras e do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira.
Adriana Lima afirma que o território não foi invadido e que se trata de uma área onde os pais, avós, bisavós e tataravós dessas pessoas viveram durante um período e que por várias questões acabaram se mudando para outros locais na mesma região, onde parte deles vivem até os dias atuais.
“Isso é comprovado por documentos históricos, antropológicos e até ambientais, porque neles constam os moradores que já viviam aqui e que colaboraram com os pesquisadores na coleta de dados, porque são as comunidades que conhecem a região na palma da mão”, conta.
A Sima também alega que foi constatada a supressão de 100 metros quadrados de vegetação na área em que houve as construções, o que “tipifica como crime ambiental”, no entanto, de acordo com Adriana Lima, essa informação também não é verídica.
“As casas são simples e humildes, mas foram construídas com planejamento e cuidado para que não fossem jogados resíduos no solo. As telhas são ecológicas e foram usadas madeira naval para a construção”, explica.
Para a presidente da União dos Moradores da Jureia, os órgãos representantes do governo do estado não se dispõem a discutir com as comunidades caiçaras para buscar novas formas de gerir o território com a participação da população.
“Ao longo dos anos, nós propomos a reclassificação da área e conseguimos em partes porque o braço forte é sempre de quem está ao lado do Estado. Por isso, não contemplamos todas as famílias e ainda existem moradores dentro dessas reservas de uso restritivo, que você nunca sabe se no dia seguinte vai poder ficar ou não”, pondera.
As reservas restritivas que Adriana Lima se refere foram criadas em 2013 pela Fundação Florestal e ficam dentro do Mosaico da Juréia. O problema é que nesse espaço, segundo a articuladora dos direitos das comunidades tradicionais, os moradores não vivem da forma ideal, baseada no modo ancestral dessas comunidades, e o governo não se propõe a dialogar a respeito disso há mais de um ano.
“Nós temos direitos garantidos na Constituição e em vários tratados internacionais. As comunidades tradicionais caiçaras têm uma história muito rica e que deveria ser valorizada, pois faz parte da cultura brasileira. Isso não está sendo levado em consideração”, completa.
As entidades que lutam pelos direitos das comunidades caiçaras seguem na tentativa de estabelecer um diálogo com o governo de São Paulo sobre as ações arbitrárias da Fundação Florestal. Além de manter a casa de Karina e Edmilson de pé, deve ser discutida a possibilidade de reconstruir as duas casas que foram demolidas.