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Jornada de trabalho 6X1 é reflexo da ‘neoescravidão’, afirma especialista

A PEC contra a escala 6x1 reabriu o debate sobre os efeitos de longas jornadas e baixos salários na vida dos trabalhadores, sobretudo os negros, que enfrentam exaustão física e emocional sob um regime laboral desigual
Imagem de um homem negro em regime de trabalho. Segundo a consultora em relações étnico-raciais e gênero, Tainara Ferreira, a exploração da jornada de trabalho 6x1 afeta, principalmente, a população negra.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

15 de novembro de 2024

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende reduzir a jornada trabalhista nacional, conhecida como PEC pelo fim da escala 6×1, ultrapassou nesta semana o número necessário de assinaturas para ser protocolada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. A mudança, que visa humanizar o trabalho no Brasil,  vem recebendo apoio de trabalhadores e parlamentares de todo o país.

Proposta pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) e idealizada pelo ativista Rick Azevedo, eleito vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro neste ano, a PEC visa alterar o regime atual de trabalho, reduzindo a jornada máxima semanal de 44 para 36 horas. 

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A proposta toca em questões fundamentais para as condições de trabalho no país, especialmente para as minorias. Em entrevista à Alma Preta, Tainara Ferreira, consultora em relações étnico-raciais e gênero, aponta como a população negra é a mais prejudicada pelo regime 6×1. 

Segundo a especualista, as consequências desse modelo de jornada são devastadoras para os trabalhadores negros, especialmente para as mulheres, que ocupam as vagas mais precarizadas e sofrem com o acúmulo de responsabilidades profissionais e domésticas. 

“A exaustão física e o desgaste emocional são reais, mas por muito tempo a gente normalizou essa escala, e as pessoas nem questionavam. Hoje, estamos apenas começando a protestar, e precisamos entender o impacto profundo que esse modelo já causou na população negra”, afirma.

A consultora aponta que, além do esgotamento, essa rotina dificulta a ascensão social dos trabalhadores negros, perpetuando um ciclo de pobreza e exclusão. “São profissionais que vivem uma vida de muito trabalho e pouca mudança em sua atmosfera e entorno, porque a maioria dos que trabalham nesta jornada recebe, no máximo, um salário mínimo. Isso cria uma barreira para a realização de atividades pessoais e impede o desenvolvimento de outras competências”, ressalta.

Além da redução da jornada, Tainara destaca a questão salarial como outro ponto crucial a ser revisado. “O salário mínimo, com a inflação e os preços dos alimentos, é praticamente insuficiente. Mesmo que a jornada diminua, a remuneração precisa melhorar para que esses trabalhadores tenham qualidade de vida”, explica. 

Ela enfatiza que o trabalho deve ser uma fonte de renda, mas também de satisfação pessoal, algo que está longe da realidade da maioria dos trabalhadores negros.

Reflexo da escravidão e o ciclo de exploração

A especialista observa que as condições precárias da jornada 6×1 refletem práticas de exploração com raízes históricas. “Essa exploração é um reflexo da ‘neoescravidão’. Hoje, temos novos formatos de escravidão, onde o trabalhador negro, mesmo com salário, vive em condições indignas, sem pausas adequadas e com uma rotina exaustiva”, comenta.

Para ela, o sistema reproduz desigualdades e limita o potencial de desenvolvimento dos trabalhadores negros, expondo a urgência de reformular essa dinâmica. “É uma cadeia que precisa ser discutida com uma perspectiva de letramento racial, classe e gênero, para que possamos favorecer todos os envolvidos”.

Para Tainara, a PEC contra o 6×1 representa um passo necessário, mas incompleto. A consultora defende que o debate sobre a redução da jornada deve ser acompanhado por mudanças na remuneração e nas condições gerais de trabalho. 

“Enquanto o salário mínimo não cobre o básico e os preços dos alimentos e itens essenciais sobem, não adianta apenas reduzir a escala. É preciso garantir que o trabalho seja uma fonte de renda digna e de satisfação pessoal, e não apenas um sacrifício”, pontua.

O papel da conscientização e do letramento racial

Outro ponto essencial para Tainara é o papel da conscientização racial no debate sobre a PEC. Ela explica que a sociedade brasileira normalizou essas condições abusivas por muito tempo. 

“Só estamos discutindo isso agora graças ao letramento racial e à conscientização sobre as colonialidades que ainda permeiam a nossa sociedade”, comenta. 

Segundo a consultora, o letramento racial tem sido fundamental para mobilizar a sociedade contra a exploração da jornada 6×1. “Antes, normalizávamos essas condições porque elas eram legais dentro do sistema. Mas o letramento racial e os movimentos sociais nos permitiram refletir e questionar esses modelos”, explica. Ela acredita que a conscientização sobre as colonialidades ainda presentes na sociedade é crucial para promover mudanças mais profundas no mercado de trabalho.

Um mercado de trabalho mais justo para todos

Para a especialista, além das mudanças na jornada e na remuneração, é essencial garantir uma relação laboral que valorize tanto o trabalhador quanto o empregador. 

“Quando a equipe está satisfeita, ela produz melhor e a empresa prospera. Mas o que vemos hoje é uma relação desequilibrada, onde um lado se beneficia mais. É urgente que discutamos esse tema para promovermos melhores condições para todos”, diz.

Com a PEC contra a escala 6×1, a sociedade brasileira está diante de uma oportunidade para repensar a organização do trabalho, com um olhar atento às necessidades da população negra, que historicamente sofre com a sobrecarga e a subvalorização no mercado. 

Segundo Ferreira, é uma questão de dignidade e de justiça social. “Enquanto não superarmos esses novos formatos de escravidão, estaremos longe de alcançar uma verdadeira liberdade para todos”, conclui.

  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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