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“O que está em jogo é a garantia de outras crenças”, diz Jackson Augusto, o Afrocrente

Coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico, Jackson Augusto discute a presença do discurso religioso no processo eleitoral

Imagem: Débora Oliveira/Divulgação

Foto: Imagem: Débora Oliveira/Divulgação

23 de setembro de 2022

Aos 27 anos, o pernambucano Jackson Augusto se notabiliza por seu ativismo na igreja evangélica. Um dos fundadores do Movimento Negro Evangélico (MNE) em Pernambuco e criador do canal ‘Afrocrente’, Jackson conversou com a Alma Preta sobre a inserção do debate religioso nas eleições, a relação da igreja com o bolsonarismo e laicidade do Estado.

O debate político dentro das igrejas evangélicas no Brasil tem ganhado destaque nos últimos anos. O reflexo disso pode ser constatado com o resultado das urnas na última eleição de 2018, quando o discurso moralista de Jair Bolsonaro, então candidato eleito, se legitimou. Naquele período, a extrema direita viu que, para chegar ao poder, teria que estreitar ainda mais os laços entre religião e política.

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Deu certo. Instituições cristãs se uniram em favor do atual presidente e grande parte dos fiéis decidiu comprar a ideia de seus líderes. Contudo, os membros das igrejas – que, de acordo com o Movimento Negro Evangélico, são, em sua maioria, mulheres e pessoas negras – estão percebendo social e economicamente que, para além do discurso moral, o atual governo não tem as classes menos favorecidas como prioridade.

Ainda assim, passado quase quatro anos do mandato, líderes cristãos continuam apoiando a reeleição de Bolsonaro. Coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico, Jackson Augusto enxerga essa posição insitucional como forçada.

“A candidatura de Bolsonaro está sendo forçada por lideranças e instituições evangélicas que estão sendo beneficiadas institucionalmente por esse presidente. A população evangélica está sentindo no bolso a realidade para além do discurso moral. Quando olhamos as pesquisas, vemos que muitas vezes Lula está na frente dentre os evangélicos em relação ao voto. Entre a posição institucional da igreja e a posição dos fiéis existe uma dissonância hoje”, comenta Jackson.

Essa visão pode ser observada nas pesquisas eleitorais. Segundo o último resultado divulgado pelo Instituto Datafolha, na noite de quinta-feira (22), Lula (PT) segue na frente para ganhar as eleições presidenciais deste ano com 47% das intenções de voto. O número expressivo mostra que essas mesmas instituições não terão a mesma facilidade para tentar reeleger Bolsonaro, que aparece longe, em segundo lugar, com 33%.

Jackson Augusto tenta explicar essa diferença de 14% nas porcentagens. Para ele, o cenário deste ano é diferente das últimas eleições presidenciais. “A principal diferença de 2018 para este ano é que a gente tem um grupo majoritário, que decidiu e foi protagonista da última eleição, fragmentado. Esse grupo não está mais tão uníssono em relação a Bolsonaro. Por isso, as lideranças evangélicas querem forçar o nome dele”, pontua.

Bolsonarismo e a Igreja

Ao fortalecer a aliança entre a política e a religião, os líderes evangélicos começaram a ganhar ainda mais espaço de poder nos ambientes públicos. Isso, inclusive, ficou bastante evidente em junho deste ano com o “Escândalo do MEC”, como ficou conhecida a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e do pastor da Assembleia de Deus Gilmar Santos, acusados de desviarem recursos da pasta.

O coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico ressalta os evangélicos são separados por denominações e que, apesar do apoio de instituições cristãs a Bolsonaro, cada igreja é um mundo e prega seu próprio projeto. Por isso, algumas começaram a ganhar mais destaque que outras durante o atual governo. “O projeto de poder de Edir Macedo é um projeto muito específico que independe se Bolsonaro está lá [no poder] ou não. Já o projeto de poder da Igreja Presbiteriana é muito voltado para as pastas dos Direitos Humanos, da Educação e da Justiça”, explica Jackson Augusto.

“Então, a gente vai ter, por exemplo, um ministro terrivelmente evangélico, que é um pastor presbiteriano; o ministro da Educação; o presidente do CNPq. São pessoas e reitores que passaram pela Mackenzie, que é uma universidade presbiteriana. Essa relação da igreja presbiteriana vai ditar também as contradições dentro da própria igreja”, complementa o afrocrente.

Jackson observa ainda que não é apenas a religião que interfere na política. O contrário também se aplica. Ele utiliza o exemplo do “racha” na Igreja Presbiteriana que aconteceu depois que a instituição adotou Bolsonaro como político. Essa situação terminou gerando um clima de tensão entre os líderes que começaram a ganhar cargos e influências no governo com os líderes e membros ligados a pensamentos e partidos de esquerda.

“Parte da Igreja Presbiteriana queria saber o que fariam com as lideranças – sejam pastores, presbíteros ou só membros – que são ligados a pensamentos e partidos políticos de esquerda. Eu nem sei como foi o resultado disso, mas existia um risco ter essas pessoas dentro da igreja. Para eles, isso é um problema. Existia um risco dessas pessoas serem expulsas”, evidencia, relembrando que essa “limpa” dos militantes de esquerda já tinha acontecido dentro da instituição entre os anos de 1964 e 1969, coincidentemente nos primeiros anos da ditadura militar no Brasil.

“Existe uma tensão na Igreja de novo e o nome do Bolsonaro não é mais um nome tão limpo. Ele já tem 4 anos de governo, são 4 anos para serem analisados e criticados. Então, ninguém vai dizer assim ‘ah, Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’ de uma maneira que não vá ver o esquema de corrupção no MEC com um pastor, inclusive, ligado a Igreja Presbiteriana”, coloca.

Leia mais: Datafolha: Lula é o preferido entre negros; Bolsonaro tem maior rejeição

Esquerda e evangélicos não são antagônicos

Ainda de acordo com Jackson Augusto, apesar da aproximação institucional dos evangélicos com a direita e/ou extrema direita, isso não significa que os membros e a esquerda sejam antagônicos. Ele, inclusive, critica os militantes de esquerda radicais que não dão abertura para dialogar com os membros das igrejas.

“O compromisso que se deve ter a partir dessa perspectiva é com um projeto de vida para as pessoas. Eu sou uma pessoa negra, do movimento negro, pobre, nordestina e eu vou lutar por essas pessoas. A ‘esquerda’ [entre aspas], às vezes, tem uma dificuldade de dialogar com o que ela não conhece e que historicamente tem ali uma hegemonia que de fato é contraditória”, critica.

“Eu acho que a periferia é contraditória, a negritude no sentido existencial é contraditória porque a gente existe,mas não deveria existir; a gente vive, mas não deveria existir. E imagina tudo isso imerso dentro de um contexto evangélico. A maioria dos evangélicos são pessoas que são mulheres e negros e que as vezes podem votar sim no Bolsonaro. Então, como eu não vou dialogar com essa pessoa? Se meu projeto de país não tem um compromisso com essas pessoas, eu vou o tempo inteiro falar para mim mesmo”, defende Jackson Augusto.

Ele complementa ainda ressaltando que os evangélicos passam pelas mesmas dificuldades que toda pessoa não favorecida na sociedade passa. “Costumo dizer que evangélico é gente também. Ele passa fome, racismo. As mulheres que estão na igreja, muitas vezes, são abusadas e exploradas. Então, eu acho que um projeto de país antiracista e um projeto de país que assegure a vida das mulheres atende a maioria dos evangélicos. Se essa esquerda está comprometida com a base, ela vai estar comprometida com a grande parte dos evangélicos”.

Bancada evangélica

É muito comum ouvir falar sobre políticos ligados a determinadas bancadas dentro do Congresso Nacional. A evangélica, inclusive, é uma das maiores em números de deputados e senadores. No entanto, por existir diversas denominações e ministérios – expressões diferentes de uma mesma igreja e lideradas por pastores diferentes – esses parlamentares terminam defendendo apenas seus próprios interesses e projetos a partir dos pensamentos adotados por suas respectivas igrejas.

“Dentro da bancada evangélica, se a gente for olhar para a denominação, a Assembleia de Deus hoje é a maior. Porém, são vários projetos diferentes de poder ali porque são ministérios diferentes. Nem todo mundo dialoga e concorda com tudo ao mesmo tempo”, explica Jackson.

Ele relembra que a bancada evangélica surgiu com a Constituição de 1988 a partir de um boato de que os católicos, na constituinte, iriam fazer com que o Brasil tivesse o Catolicismo como religião oficial. A partir disso, algumas igrejas evangélicas se organizaram para eleger seus próprios representantes e daí surge esse grupo no Congresso Nacional.

Jackson, contudo, enxerga como problemático a forma como a bancada evangélica vem se construindo. “O mais sério disso nem é, teoricamente, existir uma bancada evangélica, mas é o projeto histórico dessa bancada que vem desde a década de 1990. Ela vem se construindo por algumas alas de uma maneira muito complicada que vai suprimindo os direitos das pessoas. Esses projetos se unem nesse lugar e eles encontram no Bolsonarismo oportunidade”.

Laicidade no Brasil é utópica

Para o coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico, a laicidade no Brasil é utópica. Isso porque, segundo ele, o brasileiro é bastante ligado ao espiritual. “É uma utopia a gente pensar o Estado Brasileiro sem pensar a religião. Eu acho que a laicidade precisa ser rediscutida. Não hoje, acho que não é o momento histórico para se fazer isso, mas em algum momento a gente vai precisar enfrentar isso: o que laicidade para o povo negro? O que é Estado Laico para o povo negro?”, questiona.

Jackson Augusto defende que a laicidade no Brasil precisa ser repensada em um futuro próximo para que o Estado garanta aos brasileiros – principalmente aos negros – o direito ao culto diverso e legitime na sociedade a existência de outras crenças, sem que uma se ache melhor ou superior que a outra.

Se o Estado Democrático de Direito, que é um Estado Laico, se ele funcionar na sua normalidade [totalidade], ele vai continuar sendo racista. Ele vai continuar sendo racista religioso, vai continuar fazendo os trâmites legais para o povo de terreiro não ter suas casas legalizadas, legitimadas, ele vai continuar fazendo o seu trabalho em prol dos brancos porque ele é pensado a partir dos brancos e a partir de uma realidade europeia que não tem nada a ver com a gente.

“Se o Estado Democrático de Direito, que é um Estado Laico, se ele funcionar na sua normalidade [totalidade], ele vai continuar sendo racista. Precisamos repensar é a laicidade, mas é mais do que isso. Acho que isso é um princípio de liberdade e diversidade religiosa que visam a garantia de direito para grupos religiosos. Para mim, o que está em jogo é isto: a garantia de outras crenças, do diverso”, finaliza.

Leia também: Vilma Reis: “Agora é a nossa vez”

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