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Para cada prefeita negra, foram eleitos 15 homens brancos, aponta relatório

Estudo publicado no Festival Latinidades analisa as desigualdades de gênero e raça na política brasileira e revela que equidade de gênero pode levar mais de um século para ser efetivada

Imagem de mulheres negras que ocupam espaços na política e prefeituras do país.

Foto: Imagem: Agência Brasil

26 de julho de 2022

Um relatório publicado no último domingo (24), durante o Festival Latinidades, que ocorreu em Brasília (DF), mostrou que poderá levar até 144 anos para que a paridade de gênero e 20 anos para que a paridade racial sejam alcançadas nas prefeituras do país, de acordo com o ritmo atual de inclusão da política brasileira.

O levantamento é do estudo Desigualdade de Gênero e Raça na Política Brasileira, desenvolvido numa parceria entre a Oxfam Brasil e o Instituto Alziras, que analisou dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições municipais de 2016 e 2020 e fez uma análise comparativa do perfil das candidaturas e das pessoas eleitas para os poderes executivo e legislativo.

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O estudo revela que, apesar do aumento de número de mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+ e indígenas eleitas para as câmaras municipais nas últimas eleições de 2020, ainda há avanços necessários na representação de gênero e raça na política do país.

As candidaturas de mulheres para as prefeituras do país passaram de 13,1% em 2016 para 13,6% em 2020. Já as mulheres eleitas prefeitas passaram de 11,5% em 2016 para 12,1% em 2020.

“O incremento em termos de diversidade nas prefeituras foi menos significativo em relação ao gênero, porém mais relevante em termos de pertencimento étnico-racial, apesar de ainda lento e insuficiente. As candidaturas negras para as prefeituras passaram de 32,5% [em 2016] para 35,6% [em 2020]. Prefeitos e prefeitas negras passaram de 29,1% [em 2016] para 32,1% [em 2020]. Nesse ritmo, levaremos 20 anos para alcançar a paridade racial nas prefeituras brasileiras”, destaca o relatório.

Leia mais: Festival Latinidades homenageia matriarcas: “a juventude vai continuar nossa luta”

Legado histórico de patriarcalismo, racismo e violência ainda não superado

Pela primeira vez na história, houve uma maioria (51,5%) de candidaturas negras para as Câmaras Municipais nas eleições de 2020, sendo que pessoas negras eleitas representaram 45,1%.

“O resultado certamente também foi influenciado pelo crescente debate em torno do racismo na agenda pública, e da pressão exercida pelos movimentos negros por maior representação política”, pontua o relatório. Apesar disso, os dados revelam ainda a pouca representatividade de mulheres negras na política.

Em 2020, para cada vereadora negra foram eleitos sete vereadores brancos, seis negros e duas vereadoras brancas. Segundo o relatório, as mulheres negras representam 25,4% da população e são 6,3% das vereadoras. As mulheres brancas representam 24,8% da população e são 9,5% das vereadoras. Os homens negros representam 25,3% dos brasileiros e são 38,8% dos vereadores. Já os homens brancos, mesmo representando 22,9% do total de brasileiros, são 44,6% dos parlamentares.

Mulheres negras na políticaMais de 3 mil municípios não têm vereadoras negras | Crédito: Afonso Braga/Câmara de SP

Quando considerados os critérios regionais e de porte populacional, o relatório revela que atualmente 57% (3.185) dos municípios brasileiros não têm vereadoras negras e 18% (978) não têm mulheres nas Câmaras Municipais. Além disso, as mulheres negras ocupam menos de 20% dos assentos em 90% das câmaras municipais.

Já em relação à composição racial das pessoas que ocupam as prefeituras, em 2020, para cada prefeita negra, foram eleitos 15 prefeitos brancos, sete negros e duas brancas. São 3,9% de prefeitas negras, 8,1% de prefeitas brancas, 28,2% de prefeitos negros e 59,2% de chefes de executivo municipal brancos. O relatório também revela que 86% das cidades brasileiras não contaram com mulheres negras como candidatas a prefeitas em 2020. 

De acordo com Roberta Eugênio, co-diretora do Instituto Alziras, o quadro da subrepresentação das mulheres, sobretudo das mulheres negras, na política pode ser explicado pelo acúmulo das desigualdades estruturais e históricas. Além disso, fica evidente que os baixos percentuais de mulheres e negras à frente das prefeituras, também é motivado pela ausência de incentivo a essas candidaturas, que é exposto no baixo percentual de mulheres candidatas a esses cargos.

“As mulheres não chegam a 20% dos candidatos à prefeitura em todos os partidos. E, conforme o estudo revela, em 2020 os homens brancos foram o único grupo onde a parcela de eleitos foi maior do que a proporção de candidaturas. No caso do Executivo municipal, fica evidente que as decisões partidárias sobre quem serão os indicados e as indicadas para a disputa impactam na presença das mulheres, em especial das mulheres negras, no mais alto cargo municipal”, explica a co-diretora do Instituto Alziras.

O relatório também aponta que a sub-representação de mulheres negras na política brasileira tem relação direta com o financiamento de campanhas. “Enquanto a maioria das candidatas negras não tem bens a declarar, os candidatos mais ricos (e brancos) contam com melhores condições patrimoniais para financiar as próprias campanhas, obtendo assim vantagens na corrida eleitoral”, explicam.

O estudo ressalta que há uma menor concentração de municípios governados por prefeitas negras nas regiões Sudeste (2%) e Sul do país (0,3%). “Em um país em que mais de 50% da população é negra e 28% da população é composta por mulheres negras – e, dessas, apenas 6,3% são vereadoras – fica evidente o impacto do legado histórico de patriarcalismo, racismo e violência que ainda não foi superado, algo crucial em se tratando de defesa da democracia”, ressalta o documento.

“Entre os partidos, são comuns as queixas relacionadas a dificuldades para cumprir a reserva de vagas imposta pela legislação, tendo por base o argumento de que faltaria vontade ou interesse das mulheres de participar da política. Pouco se discute, no entanto, a respeito das distintas barreiras que incidem sobre a participação feminina no processo eleitoral e sobre a responsabilidade das próprias legendas para que as desigualdades de gênero e raça não se expressem de forma tão contundente no interior de suas estruturas”, complementa o relatório.

Em relação a população LGBTQIA+, nas eleições de 2020, candidaturas trans foram autorizadas a utilizar o nome social nas urnas pela primeira vez, mas os partidos e os tribunais eleitorais não atualizaram seus cadastros com a autodeclaração relacionada à orientação sexual e identidade de gênero, de modo que a identificação de candidaturas trans e LGBT+ como um todo ainda é um desafio por conta de lacuna na coleta de dados.

Entre os poucos dados disponibilizados, foram identificados 546 candidaturas LGBT+ para vereança em 2020. Dessas, 97 foram eleitas, o que corresponde a uma taxa de sucesso eleitoral de 18%.

Novas regras de financiamento melhoraram um pouco a inclusão

O relatório publicado pela Oxfam e Instituto Alzira ressalta que as mudanças recentes nas regras de financiamento de campanhas ajudaram a aumentar a proporção de mulheres que se candidataram nas eleições, mas ainda não o suficiente.

Algumas das mudanças recentes destacadas foram: a proibição do financiamento empresarial, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e a decisão da Justiça Eleitoral de 2020 em aprovar as cotas raciais e a dotação de pelo menos 30% dos recursos públicos e do tempo de propaganda eleitoral para as campanhas de mulheres.

“Uma análise comparada das eleições de 2016 e 2020 revela que houve maior equivalência entre a proporção de mulheres candidatas a prefeita e a parcela de recursos arrecadados por suas campanhas”, ressalta o estudo.

Em 2016, as mulheres eram 13% das candidaturas ao executivo municipal, com 12% da arrecadação. Em 2020, eram 14% das candidaturas com 18% da arrecadação. Já para as câmaras municipais, em 2016, as mulheres eram 32,5% das candidaturas com 21% da arrecadação. Em 2020, eram 35% das candidaturas com 32% da arrecadação.

“Vale ressaltar também o significativo aumento de arrecadação por meio de outras fontes, como o financiamento coletivo, que chegou a R$ 6,3 milhões em 2020. Isso demonstra o potencial das candidaturas coletivas e um modo de ação política pautado na coletividade, algo presente no ativismo de mulheres negras”, acrescentam.

A co-diretora do Instituto Alziras comenta que o maior percentual em relação a eleição de mulheres negras ainda é pífio, embora mereça comemoração.

 “As eleições de 2020 foram históricas para a população negra, já que foi a primeira em que o percentual de candidaturas negras ultrapassou 50% do total de candidatos, embora em relação as mulheres negras, alguns desafios ainda se apresentem. É preciso avançar na priorização de candidaturas de mulheres negras para todos os cargos, inclusive para o legislativo municipal e fomentar meios de diminuir as desvantagens econômicas dessas nas eleições”, ressalta Roberta Eugênio.

“É preciso mais recursos públicos, apoio às campanhas de financiamento virtual e uma atuação mais forte junto aos partidos para que mais mulheres negras sejam convocadas para todas as disputas e para que essas candidaturas recebam o apoio e a visibilidade necessária para uma eleição de sucesso”, finaliza.

Leia também: De Antonieta a Malunguinho: as mulheres negras pioneiras na política brasileira

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