Alzira Santana, de 63 anos, mora na região de Ceilândia, em Brasília, e durante toda a sua vida sonhou em ser enfermeira. A carreira precisou ser colocada em segundo plano devido aos cuidados domésticos e maternidade. Ela teve seis filhos e hoje sonha com a aposentadoria que não pode solicitar por não ter o período de contribuição suficiente para a previdência.
Mulher negra, Alzira é uma das milhões de mães solo que não conseguiram contribuir com a previdência durante a vida por exercer uma função não remunerada: ser mãe e dona de casa. “Minha vida era cuidar da casa, das crianças, do marido. Não tinha tempo para mais nada. Depois que eu me separei comecei a estudar, mas não me aposentei ainda”, disse.
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O Projeto de Lei 2757/21, intitulado “Cuidado Materno Também é Trabalho”, da deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), visa a aposentadoria em um salário mínimo por cuidados domésticos, computando, também, o tempo de licença maternidade. O direito poderá ser garantido às mulheres com mais de 60 anos que não possuem os anos de contribuição necessários.
Na Câmara dos Deputados, a proposta passa por uma campanha para conquistar as 257 assinaturas que garantem a aprovação do requerimento de urgência. “A nossa luta é por uma divisão social do trabalho mais justa e igual, mas enquanto isso não acontece o mínimo que podemos fazer é garantir aposentadoria às mulheres, principalmente negras, que já trabalharam a vida inteira sem receber por isso”, declara a parlamentar.
Segundo o levantamento da Oxfam “Tempo de Cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago”, os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que todas as mulheres da África. O estudo mostra ainda que mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado – uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.
Além de muitas vezes fazerem dupla jornada, geralmente são as mulheres que abrem mão do emprego ou da qualificação profissional para conseguirem manter a estrutura da casa funcionando. “Muitas deixam de contribuir com a Previdência, sendo as mulheres negras e pobres as mais atingidas também nessa estrutura tão desigual. Aquelas que são mães geralmente trabalham mais, e sobretudo as mães solo – 11 milhões de mulheres no Brasil”, afirma Talíria.
Atualmente o projeto foi apensado ao PL 2647/21, da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) que também dispõe sobre a contagem de tempo de serviço, para efeitos de aposentadoria, das tarefas assistenciais de criação de filhos e filhas biológicos ou adotados. As matérias aguardam o parecer da relatora, a deputada Tereza Nelma (PSDB-AL), na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER).
De acordo com Amélia Cardoso, de 62 anos, moradora da região de Samambaia, na capital federal, a aposentadoria é um direito que trará dignidade. “Esse é o maior sonho que eu tenho, que eu tenha uma velhice com o mínimo de dignidade”, conta a mulher que trabalha como camelô no centro de Brasília. Ela tem quatro filhos e passou a maior parte da vida precisando se desdobrar entre cuidar das crianças, do esposo e trabalhar como servente em escolas e hospitais.
O projeto de lei é inspirado no PL aprovado dia 19 de julho de 2021 na Argentina denominado “Programa Integral de Reconhecimento de Tempo de Serviço por Tarefas Assistenciais”, que concede o direito para mulheres com 60 anos de idade ou mais que não completaram o tempo necessário de atuação no mercado de trabalho para se aposentar devido às tarefas da maternidade. O projeto criado no país vizinho também amplia o direito às trabalhadoras com carteira assinada, possibilitando que o tempo da licença-maternidade seja incorporados à contagem do tempo de serviço.
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