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Quilombolas de Sergipe denunciam retaliação do Incra a servidor público

Segundo as lideranças, a retirada do procurador foi devido a sua atuação sensível às demandas dos quilombolas da região; desde outubro de 2021, Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos denuncia perseguição a servidores no estado

Foto de um prédio do Incra para ilustrar texto sobre denúncia de quilombolas de Sergipe.

Foto: Imagem: Roque de Sá/Agência Senado

14 de abril de 2022

Na última sexta-feira (8), lideranças quilombolas de Sergipe publicaram uma nota que denuncia uma retaliação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao procurador federal Marcos Bispo dos Santos Andrade. Segundo as lideranças, a retirada do procurador do atual cargo foi devido a sua atuação sensível às demandas dos quilombolas da região durante sua gestão na chefia da Procuradoria Federal Especializada (PFE) da Superintendência Regional do Incra.

Em nota, os quilombolas afirmam que o procurador da Advocacia-Geral da União (AGU) Marcos Bispo entrou para a história ao contribuir com o primeiro parecer jurídico favorável para que o Termo de Reconhecimento de Posse e Uso Coletivo pudesse ser utilizado como título provisório exigido para os beneficiários elegíveis do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), conforme o Decreto 9.424/2018.

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O parecer foi reconhecido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo Ministério Público Federal (MPF), que, em 2020, recomendou que o Incra reconhecesse a validade dos Termos de Reconhecimento de Posse e Uso Coletivo das terras quilombolas como equivalentes aos Contratos de Concessão de Uso (CCU) em todo o estado. A recomendação agiliza o processo de inclusão das famílias quilombolas nos programas de incentivos financeiros destinados aos produtores da agricultura familiar.

A presidência do Incra retirou o procurador Marcos Bispo da chefia do PFE no dia 7 deste mês. De acordo com Xifronese Santos, quilombola de Sergipe e coordenadora estadual da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), a perseguição se dá porque o procurador trabalha de forma a incluir as comunidades quilombolas dentro de um sistema de direito que, ao longo dos anos, não têm acessado.

“Ele [Marcos Bispo] se desafiou em fazer esse documento que foi aprovado pelo MPF. É um documento histórico para nós. Mas esse mesmo documento levou ele a ser retirado. Mesmo que a gente saiba que é um documento verdadeiro e necessário, muito bem analisado por todos os órgãos”, explica.

“A retirada do Dr. Marcos Bispo para nós significa uma perda muito grande dentro da construção da política pública. É uma perda nacional. Porque ele é o procurador que trabalha e que acredita na inclusão e faz o papel dele, de fato, de servidor público”, também complementa Xifronese Santos.

Denúncias não são recentes

Em outubro de 2021, a Conaq do Sergipe também fez denúncias de perseguição a servidores do Incra no estado. Segundo reportagem escrita na época pelo jornalista Rubens Valente no Uol, integrantes das comunidades quilombolas foram intimados pela Polícia Federal para prestar depoimento após superintendente regional do Incra, Victor Alexandre Sande Santos, pedir investigação contra três servidores da própria superintendência regional.

De acordo com ele, havia irregularidades na liberação de créditos de programas de incentivo financeiro, pelos servidores, para quilombolas em vulnerabilidade social.

Segundo Xifronese Santos, há uma equipe de funcionários públicos dentro do Incra que entendeu e é sensível às demandas quilombolas buscando executar a política de direitos. Esses servidores, em conjunto, estudaram e encontraram soluções para construir um parecer favorável que garantisse que comunidades tradicionais que ainda não tem os seus territórios desapropriados e titulados pudessem acessar alguns créditos, visto que eles não teriam direito a todos.

“O Incra passou por um processo de mudança de gestão que ocorreu em 2019 e, desde então, tudo que fez foi perseguir os servidores que pensaram em executar essa política como é de direito e perseguir os quilombolas que acessaram essa política. Algumas comunidades aqui em Sergipe conseguiram acessar e foi modelo para o Brasil”, explica.

Em entrevista para a Alma Preta Jornalismo, o procurador Marcos Bispo afirma que a mudança de cargos é uma prática absolutamente natural dentro da administração pública e oxigena as instituições. Entretanto, a autarquia está tendo um entendimento diferente sobre sua atuação, o qual ele jamais concordaria já que vai de encontro à negação do mínimo às comunidades em vulnerabilidade. 

“Evidentemente, esse entendimento não é o mais desejado pelo atual comando da autarquia. Pelo fato da gente ter sempre se destacado no pioneirismo de acolher esse tipo de entendimento de vanguarda em razão dessa construção que a gente valida, é que certamente a gente passou a ser uma pessoa não grata nesse ambiente”, ressalta.

“Não entendo como uma questão apenas do ponto de vista pessoal, eu acho que é um ataque à carreira. O procurador deve se comportar como uma figura atenta aos valores republicanos. Nesse sentido, ter coragem de orientar o gestor de que não está certo. O gestor não pode se arvorar no direito de querer interferir no trabalho republicano do procurador, principalmente o que é zeloso e cuida dos seus deveres”, também complementa.

De acordo com o procurador, que atuou por 12 anos na PFE/Incra, diante de um cenário que ia contra o que acreditava, sua saída foi a decisão mais acertada.

“Saio da PFE/Incra com a convicção de que a quase totalidade de nossos gestores, especialmente os servidores efetivos, são parceiros, sabem exaltar o interesse público, valorizam o papel da procuradoria e são gratos pelos nossos alertas, dicas ou orientações, mas que também acontece, como se deu com a atual Administração, de não gostar de manifestações e pareceres que orientam para a implementação das ações positivas em prol das comunidades para as quais deve a autarquia trabalhar”, destaca.

Nota do Incra

Em nota, a Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra (PFE/Incra) afirma que a troca de gestão foi feita em estrita observância aos preceitos constitucionais e legais para o exercício de cargo em comissão no âmbito dos órgãos da Advocacia-Geral da União.

“A escolha dos gestores, como sempre, foi feita no âmbito das unidades desta PFE/Incra e ocorreu no sentido de contribuir para a oxigenação de práticas de gestão, permitindo a renovação e sustentabilidade da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra, sem qualquer ingerência da administração central do Incra”, comenta.

A Alma Preta Jornalismo também questionou o órgão sobre a investigação contra os servidores da superintendência regional do Incra e dos pedidos de depoimentos aos quilombolas da região sobre a concessão de créditos. Segundo nota encaminhada, o assunto é tratado no âmbito da Polícia Federal, Ministério Público e Controladoria-Geral da União. “O Incra aguarda o resultado da apuração conduzida por estas instituições”, finalizam.

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