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Suspensão de despejos até outubro deve proteger mais de 42 mil famílias em SP

Ministro do Supremo Tribunal Federal destaca que a retomada da execução da medida deve acontecer de forma gradual e escalonada

Cena de pessoas sendo despejadas.

Foto: Imagem: Arquivo EBC

30 de junho de 2022

Mais de 42 mil famílias ameaçadas de despejo em São Paulo têm sua proteção garantida contra reintegrações de posse e desocupação de imóveis até 31 de outubro. Foi divulgada hoje a prorrogação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspende despejos no Brasil em área urbana ou rural enquanto perdurarem os efeitos da crise sanitária da Covid-19.

De acordo com relatório assinado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, a decisão de prorrogação é justificada pelo aumento da pobreza, do desemprego e da fome nos últimos anos, além da tendência de alta nos casos de Covid-19 no Brasil no último mês.

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“Entre 19 e 25 de junho, o Brasil teve a semana epidemiológica com mais casos desde fevereiro, com 368.457 infecções pela doença em todo o território nacional. Os dados epidemiológicos indicam que o vírus da Covid-19 ainda é responsável por um registro muito maior de mortes do que outros vírus respiratórios”, aponta o relatório.

Os dados levantados pela Campanha Despejo Zero, também destacados na decisão do Ministro Barroso, revelam que houve um aumento de 655% no número de famílias ameaçadas de perder sua moradia desde o início da pandemia e um aumento de 393% no número de famílias despejadas mesmo durante o período da crise sanitária.

O estudo indica que são mais de meio milhão de pessoas ameaçadas de despejo no Brasil atualmente, sendo que existem pelo menos 97.391 crianças e 95.113 idosos entre os ameaçados. São Paulo lidera o ranking de estados com mais famílias em risco – mais 40 mil – e também o estado em que mais famílias foram despejadas mesmo em meio a pandemia – mais de 6 mil.

Segundo Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (CEBRAP), a decisão tomada pelo Ministro Barroso é histórica, porque concede um prazo maior para a suspensão de despejos e também indica condicionantes para que haja uma transição gradual quando for retirada a medida da ADPF.

“Um ponto importante que o ministro indica na decisão e já vinha sinalizando nas outras decisões cautelares que determinaram a prorrogação dos despejos é de que tem de haver uma transição. Não é possível simplesmente prorrogar indefinidamente, então é preciso ter uma transição. A grande novidade é que o Ministro Barroso citou uma série de condicionantes para que seja pensado um regime de transição para que os despejos e as reintegrações de posse possam voltar a acontecer”, explica a professora do Insper.

O relatório do STF com a decisão destaca que, em um regime de transição para a retomada da execução das decisões suspensas pela ação, a normalidade deve retornar de forma gradual e escalonada, assegurando que as desocupações coletivas – em se mostrando a solução mais adequada ao caso – sejam realizadas com respeito a dignidade das famílias. A Corte também concede ao Poder Legislativo um prazo para incidir sobre o tema, não descartando a hipótese de intervenção judicial em caso de omissão.

O documento também indica uma série de contribuições elaboradas por partidos, órgãos colegiados, entidades da sociedade civil e movimentos sociais para ajudar na construção da retomada após a vigência da ADPF 828.

Algumas dessas contribuições são: a necessidade de que a remoção forçada de populações em situação de vulnerabilidade seja tratada como uma medida excepcional, a necessidade de prévia elaboração de um plano de desocupação com a participação dos atingidos em casos inevitáveis, a garantia de reassentamento das populações afetadas em locais adequados para fins de moradia ou a garantia de acesso à terra produtiva e a concessão de prazos razoáveis para a retirada.

“Seria simplesmente um flagelo social de grande magnitude se de um dia para o outro essas pessoas fossem removidas ou despejadas e ficassem sem ter pra onde ir”, reforça Bianca Tavolari.

Propostas em tramitação e discussão

Várias dessas propostas feitas para uma transição gradual foram incorporadas ao Projeto de Lei (PL) nº 1.501/2022, de autoria da deputada federal Natália Bonavides (PT – RN). A proposta busca responsabilizar o Estado, em suas diferentes esferas – para assegurar o direito à moradia adequada a famílias sob ameaça de despejo de regiões urbanas e rurais.

Outro projeto de lei (PL 1.718/2022), apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), busca prorrogar a Lei 14.216/2021, sobre suspensão de despejos, até 31 de março de 2023, com o objetivo de minimizar efeitos econômicos e sociais causados pela pandemia.

Na última quarta-feira (29), houve uma audiência pública na cidade de São Paulo que debateu sobre a paralisação de remoções e despejos durante a pandemia. Entre os debates, estava em pauta o PL 118/2021, chamado PL do Despejo Zero, de autoria da vereadora Juliana Cardoso (PT), com coautoria dos vereadores Silvia da Bancada Feminista (PSOL) e Eduardo Suplicy (PT). O projeto prevê a suspensão de medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas que resultem em despejos e remoções durante a pandemia e enquanto perdurarem seus impactos.

O PL 200/2019, de autoria do vereador Eduardo Suplicy (PT) e que cria um protocolo unificado para as remoções na capital paulista, também esteve em debate.

“Com a prorrogação da ADPF até outubro, nós ganhamos um pouco mais de prazo aqui no município de São Paulo porém não é um prazo muito longo, então nós temos, sim, a necessidade da aprovação na câmara municipal desses dois projetos de lei muito importantes”, pontua a vereadora Silvia da Bancada Feminista.

De acordo com a vereadora, além da importância de aprovação dos projetos no município de São Paulo, também tem a questão a médio e longo prazo da construção das moradias populares.

“A Secretaria de Habitação prometeu a entrega de 45 mil unidades o mais rápido possível, mas isso ainda está demorando e é por via de parceria público-privada que nós também queremos priorizar, pelo Programa Pode Entrar, a questão dessas moradias. Essas unidades ainda são insuficientes perto do déficit da cidade de SP de 500 mil moradias, então a gente acha que tem que acelerar a implementação do Programa Pode Entrar”, enfatiza a vereadora.

Por último, Silvia aponta uma outra questão que são os projetos de locação social. “Achamos que a prefeitura deveria ter um fundo público de habitação que pudesse disponibilizar essas habitações para o aluguel social, que é uma forma emergencial de sanar a demanda por moradia popular”, complementa.

De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, a população de rua poderia quadruplicar se a suspensão dos despejos não fosse prorrogada. “Diante da atual crise econômica e social, também é notável a mudança no perfil do morador de rua. Atualmente é visível um maior contingente composto por mulheres, crianças, idosos e famílias inteiras”, destacam.

Campanha Despejo Zero

Dados da Campanha Despejo Zero revelam a importância da suspensão das remoções | Crédito: Elineudo Meira / @fotografia.75

Como noticiado em matéria anterior da Alma Preta Jornalismo, a justiça de São Paulo é a que menos cumpre decisão do STF sobre despejos na pandemia, concentrando mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo por descumprimento da ADPF, segundo dados do levantamento realizado pelo Insper. 

Até 30 de janeiro de 2022, segundo o estudo, 53 das 102 decisões do STF que determinavam a suspensão de despejos na pandemia eram de ações originárias de São Paulo. Segundo dados do Censo da População em Situação de Rua de São Paulo de 2021, a população em situação de rua da capital paulista cresceu 31% nos últimos dois anos.

De acordo com Benedito Roberto Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, os despejos coletivos geram um número grande de população em situação de rua, especialmente quando acontecem nas áreas centrais da cidade. Além disso, os despejos individuais também são um outro lado, difícil até do movimento social alcançar.

“Os números são alarmantes da população em situação de rua no Brasil, impactados pela situação dos despejos, tanto dos coletivos como também dos individuais. Por isso que [a suspensão] é fundamental neste momento ainda, até que se construa uma resolução definitiva”, destaca Benedito Barbosa, também integrante da articulação nacional da Campanha Despejo Zero.

O advogado também destaca que hoje há uma série de debates em relação ao tema dos despejos e dezenas de pedidos de suspensão seguindo no Supremo Tribunal Federal. Está acontecendo també, no Conselho Nacional de Justiça, um debate sobre a atuação dos tribunais de justiça em âmbito estadual e também dos tribunais federais de justiça sobre o cumprimento ou não de ordem de reintegração de posse com base na garantia dos direitos humanos.

“Esse debate também está sendo feito no Conselho Nacional de Justiça que deve emitir uma resolução em breve sobre o tema, que será utilizada para que os tribunais tratem de uma forma diferenciada os conflitos pelas terras urbanas e rurais nos estados. Em algum momento é preciso encontrar uma modulação definitiva sobre o tratamento dos conflitos fundiários no Brasil”, finaliza Benedito Barbosa.

Leia também: Convenção 169: tratado faz 33 anos de proteção a povos tradicionais e luta por direitos

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