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Trabalhadores ‘invisíveis’ da cultura lutam para serem contemplados na Lei Paulo Gustavo

Câmara aprovou projetos que concedem auxílio emergencial aos trabalhadores do setor; medida impacta mais de 5,5 milhões de pessoas 

A imagem mostra trabalhadores de backstage carregando uma escada para montagem de um palco. Quatro homens seguram uma escada grande de camurça preta com cinco degraus

Foto: Reprodução

24 de fevereiro de 2022

Alexandre Magalhães, trabalhador da cultura, acordava às 5h da manhã para estar na produção de eventos às 7h. Tomava café da manhã nos locais de trabalho. Ele montava e desmontava as estruturas como palcos, tendas, mesas e tudo o que era necessário para que um show ou uma festa acontecesse. 

O trabalho dele era vistoriado com “olhos de lupa”, como costuma falar. Pudera, quem monta palcos e estruturas metálicas de tendas e coberturas “tem uma certa responsabilidade pela vida dos outros,né?”. Caso alguém se acidente durante o evento, o responsável pode vir a sofrer um processo. “Olha, é meia hora escutando sapo e você nunca mais arranja trabalho”, desabafa. 

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Alexandre cursou metade do Ensino Médio. “Não tinha tempo para estudar, trabalhar e cuidar da família”. O maranhense, de 38 anos, já teve diversos empregos e trabalhava de maneira informal no mercado cultural. “Eu aprendi a montar [estruturas para eventos] porque fui pedreiro. Na festa, às vezes dava mais dinheiro”, afirma. 

A realidade de Alexandre mudou com a pandemia. Pai de três filhos, ele viu seu ganha-pão ir embora com o cancelamento dos festivais, festas e cerimônias. Atualmente, após cerca de dois anos do primeiro lockdown, instituído pelo governo do Distrito Federal em 11 de março de 2020, ele ainda sobrevive com ajuda de amigos e familiares. 

“Comecei a fazer outros bicos, a vender algumas coisas, a atuar como pedreiro de novo, mas o que ajudou mesmo foi o apoio da comunidade. Os amigos me davam cestas básicas, a gente fazia vaquinha, até hoje a gente se ajuda”, conta. 

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A associação Backtage Brasília reúne profissionais de produção cultural de todos os setores para lutar por condições dignas de trabalho. O ato aconteceu em 2021, no Eixo Monumental, próximo ao Museu Nacional | Foto: Backstage/Divulgação

Projetos no Parlamento

Nesta quinta-feira (24), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 411 votos a 27, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 73/2021, a chamada Lei Paulo Gustavo. A legislação libera R$3,862 bilhões para amenizar os efeitos econômicos e sociais da pandemia de Covid-19 no setor cultural brasileiro. O texto foi proposto pela bancada do PT no Senado, onde foi aprovado por unanimidade, e relatado pelo deputado José Guimarães (PT-CE).

A proposta altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para não contabilizar, na meta de resultado primário, as transferências aos demais entes da Federação, além de constar mudanças na Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, para atribuir outras fontes de recursos ao Fundo Nacional da Cultura (FNC). Do total, R$ 2,79 bilhões deverão ser destinados para ações no setor audiovisual e R$ 1,06 bilhão para ações emergenciais no setor cultural por meio de editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor.

A Câmara aprovou também, por 378 votos a favor e 29 votos contrários, o PL 1518/2021, conhecido como Lei Aldir Blanc 2. De autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e co-autoria de Alice Portugal (PCdoB/BA) e do líder do PCdoB, deputado Renildo Calheiros (PE). Este projeto propõe transformar o repasse anual de R$3 bilhões de reais conquistados com a Lei Aldir Blanc em um mecanismo permanente de fomento descentralizado à cultura brasileira, transformando essa conquista em um direito dos trabalhadores.

São propostas complementares, que se somam no sentido de garantir mecanismos emergenciais e permanentes de fomento e manutenção do setor cultural em toda a sua diversidade e complexidade.

“O setor cultural não apenas tem o direito de receber esse recurso, que já era destinado à cultura por lei, como ele vai desenvolver uma série de outros setores correlacionados com as artes que fazem parte da sobrevivência humana, além de propiciar educação e bem-estar social”, declara Christiane Ramirez, ativista cultural com vasta experiência na área, ex-assessora da presidência da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados e membra do corpo técnico que idealizou a primeira Lei Aldir Blanc. 

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Max Maciel, idealizador da escola periférica de formação de fazedores da cultura e festival Elemento em Movimento em evento da revista Traços sobre o poder transformador da cultura. Foto: Thais Mallon/Revista Traços

Impacto da pandemia para o setor

O setor cultural foi um dos que mais sofreram com o impacto da crise sanitária. Em 2019, o setor contava com mais de 5,5 milhões de profissionais e beneficiava cerca de 130 mil empresas brasileiras. Os dados são do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). 

O produtor cultural e pedagogo Max Maciel aponta que a pandemia revelou diversas discrepâncias sociais, incluindo no setor cultural. Segundo ele, as pessoas que montam os palcos, os operadores de luz e som, os técnicos, foram uma camada de trabalhadores muito afetada pela crise sanitária, econômica e política do país. 

“Isso fez com que houvesse um movimento para o reconhecimento deles como profissionais, para que eles fossem incluídos nos editais de fomento à cultura, e pudessem ter direitos aos auxílios emergenciais, fornecidos pela Lei Aldir Blanc”, comenta Maciel ao citar o quanto o setor de cultura é importante para a geração de empregos, recursos e renda, também na periferia.

Para ele, tanto a Lei Aldir Blanc como a Paulo Gustavo são importantes para estabelecer o fazer cultural e os agentes de cultura como eixo estratégico do país, mas também mostra a deficiência de políticas públicas e o sucateamento das estruturas como Ministério da Cultura e Secretarias de Cultura.

Em Brasília, o forte impacto da pandemia na cadeia cultural fomentou o surgimento de uma associação formal dos trabalhadores que ficam atrás das cortinas. A Backstage Brasília começou como um grupo para ajuda mútua entre pares e se tornou uma instituição que luta por qualidade no trabalho, reconhecimento, saúde, segurança e por políticas públicas eficientes. 

Fazendo coro no Congresso Nacional, os associados da Backstage foram fundamentais para a aprovação da Lei Paulo Gustavo e da renovação da Aldir Blanc. “Só na capital a gente representa cerca de 3 mil pessoas, 70% delas são negras”, afirma a coordenadora Dandara Lima. 

De acordo com ela, por ser um trabalho de produção as pessoas não dão valor e as pessoas são mantidas à margem da cadeia de trabalho, sendo que “sem técnicos, nem show ou evento acontece”. “Nós existimos em uma peça de teatro ou show, mas não podemos ser vistos, é assim mesmo. Devemos ser invisíveis, mas nunca invisibilizados”, conclui. 

Leia mais: Artistas negros contam como seus trabalhos são também ferramentas de cura

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