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Apagão em São Paulo escancara os problemas da privatização no Brasil

Nas periferias, que historicamente vivenciam racionamentos, interrupções e baixa qualidade dos serviços prestados independente do fornecedor, o sentido dessas privatizações é ainda mais crítico
Imagem mostra uma rua da periferia de São Paulo escura devido à falta de luz.

Foto: José Cícero/Agência Pública

15 de outubro de 2024

Por: Fernanda Pinheiro da Silva

A região metropolitana de São Paulo enfrentou mais um apagão no último final de semana, que interrompeu cerca de 2,1 milhões pontos de energia após uma tempestade com rajadas de vento na sexta-feira (11). Até domingo de manhã, mais de 500 mil instalações ainda estavam sem energia na capital paulista, e o número de imóveis residenciais ou comerciais sem acesso ao serviço na Grande São Paulo se aproximava de 1 milhão.

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Inclusive, o corte no fornecimento de energia elétrica na metrópole de São Paulo foi mais grave do que o registrado no Estado da Flórida após a passagem de um furacão de categoria três.

Mas essa não é a primeira vez que a metrópole enfrenta uma situação desse tipo. Em novembro de 2023, a Enel deixou mais de 2,1 milhões de pontos sem energia elétrica depois de uma chuva com rajadas de vento. Residentes e comerciantes demonstraram amplo descontentamento com a concessionária, que manteve cerca de 500 mil moradores sem energia por mais de 60 horas, o que significa quase três dias inteiros.

Na ocasião, a própria empresa admitiu que os cortes de luz na periferia eram até oito vezes mais frequentes que no centro. Expressão radical de uma desigualdade vivida, percebida e concebida, o Jardim Ângela, na zona sul da capital, foi o distrito que registrou o maior número de interrupções elétricas e os períodos mais longo sem energia.

Não é demais lembrar de outro apagão, registrado em março deste ano. A interrupção no fornecimento ocorreu durante uma onda de calor e deixou milhares de residentes e estabelecimentos comerciais do centro da cidade de São Paulo sem energia. Situação agravada pelas divergências entre a Enel, concessionária já privatizada, e a Sabesp, concessionária em vias de privatização.

Enquanto a Enel culpava uma escavação realizada pela Sabesp, a Sabesp negava qualquer relação do apagão com suas operações. Enquanto isso, rondavam suspeitas de que o problema residiria na própria Enel, que precarizou a distribuição de energia, não executou a manutenção adequada das estruturas de distribuição e foi incapaz de garantir fornecimento para uma região da cidade que concentra refrigeradores e ar-condicionados em um dia de altas temperaturas.

Nos três casos, fenômenos climáticos se encontram com uma privatização recente, que delegou o fornecimento de energia elétrica para uma empresa privada. O fato ocorreu em 2018, após a venda da Eletropaulo para a Enel, que comprou 73% das ações dessa empresa pública e se tornou a única mediação entre a população e um serviço público de primeira ordem, historicamente transformado em uma das nossas principais necessidades básicas. 

A venda de uma empresa pública que detinha entre 58% e 61% de satisfação dos usuários de acordo os índices da  Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) tem rendido lucros inéditos para os acionistas da Enel e despencado nas avaliações dos usuários. A mesma empresa que duplicou o lucro em 2023 é, ao mesmo tempo, a pior empresa de energia elétrica no site ReclameAqui.

Alegoria perto do protagonismo da Enel em manifestações do Procon, como no aumento abrupto de contas ou por receber mais de 1.000 reclamações mensais desde 2022. Uma situação compatível e esperada diante da expansão do número de residências atendidas, seguida de cortes de mais de 35% de seus funcionários. 

No contexto da nossa reprodução social crítica e em derrocada, a energia elétrica não é uma mercadoria qualquer – lamentavelmente, o reconhecimento de algo como um direito social é, contraditoriamente, expressão de sua conformação jurídica, portanto, de sua coexistência mercantil.

A sua produção dinamiza múltiplos setores da economia, desde a geração da eletricidade, passando pela produção de edificações e infraestruturas necessárias para a sua distribuição, até chegar nos impulsos destrutivos do progresso contidos em suas correntes. 

O que conhecemos hoje como rio Pinheiros, por exemplo, é tanto um retrato da sua produção, que no Brasil ocorre sobremaneira a partir de hidrelétricas, como um desdobramento socioespacial dos impulsos eletrificados da modernização.

De afluente curvilíneo do rio Tietê, aos imperativos retilíneos exigidos para a reversão do seu curso, em reforço à produção de energia elétrica na usina Henri Borden, e sua posterior transformação em canal estático de esgoto, confinado entre pistas da marginal e comportas para não poluir ainda mais a já poluída represa Billings.

Não nos enganemos, nem tudo o que reluz é defensável. 

Os apagões escancaram que a finalidade da privatização de serviços públicos é dar vazão a interesses econômicos de empresários e políticos vampirescos. Se isso já era sabido, o breu ilumina o quão estratégico é o controle sobre a energia, a água e o saneamento diante de um contexto global de emergência climática provocado pelo modo capitalista de queimar combustíveis fósseis. 

Nas periferias, que historicamente vivenciam racionamentos, interrupções e baixa qualidade dos serviços prestados independente do fornecedor, o sentido dessas privatizações é ainda mais crítico. Enel, Sabesp e Polícia Militar chegam onde nenhum outro órgão do Estado chega.

O sobrelucro privado da expansão de instalações precárias é rapidamente seguido por manifestações privadas de inviabilidade técnica para a manutenção do serviço e garantia do acesso, tornados economicamente inviáveis. O lucro é garantido no contrato. Enfim, redução das operações, demissão de funcionários e alta rentabilidade para as ações de empresas de rapina, como é o caso da EnEL Americas, cujo maior acionista é o Tesouro Italiano.

Fernanda Pinheiro da Silva é mestre em Geografia Humana e doutoranda em Planejamento pela Universidade Federal do ABC (UFABC).

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