Texto: Roberta Lima / Ilustração: Vinicius de Araújo
Sem perder a atualidade, a poetisa e intelectual continua encantando com a sensibilidade de seus textos
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Primeiramente gostaria de explicar o porquê da escolha de falar sobre Beatriz Nascimento. Não é estranho que para muitos esse nome seja desconhecido. Com tantas intelectuais negras invisibilizadas no mundo academicista, ser negra nesse meio é ser invisível duas vezes. Dedicar o meu tempo para falar sobre Beatriz significa resistência para que o seu nome não seja apagado e esquecido, que suas ideias não sejam perdidas com o tempo e injustiçadas pelo epistemicídio.
Quem foi Beatriz Nascimento? Qual foi sua contribuição como mulher, negra, intelectual, ativista e acadêmica?
Maria Beatriz do Nascimento nasceu em Aracaju, Sergipe, em 12 de julho de 1942, filha de uma dona de casa e de um pedreiro, a oitava de dez irmãos. Beatriz também fez o caminho de muitas mulheres negras. Foi uma retirante e se mudou com sua família para Cordovil, Rio de Janeiro.
Estudiosa, pesquisadora, ativista, autora e graduada no curso de história pela UFRJ, também foi professora na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Participou de um grupo de ativistas de negras e negros que formaram núcleos de estudo no estado, além de manter um vínculo com o movimento negro da época.
Meu primeiro contato com Beatriz Nascimento foi ao assistir o documentário ORI de 1989. Responsável pela autoria e narração dos textos, Beatriz transparece sua alma de forma surpreendente ao narrar suas experiências, abordar os movimentos negros dos anos 70 /80 e a relação entre Brasil e África, além de apresentar uma linda exposição de seu conhecimento acerca dos quilombos e seus significados.
Por isso, abordar Beatriz perpassa os muros da academia. Sua grandiosidade vai além do seu trabalho acadêmico. É importante destacar seu envolvimento com cada tema estudado, assim como sua sensibilidade para compreender os problemas que permeiam a vida do negro brasileiro e mais especificamente da vida da mulher negra e nossas demandas. Como ela mesma afirma, Beatriz Nascimento é atlântica.
Ela aparece como uma das primeiras intelectuais negras a questionar os trabalhos acadêmicos que abordavam a temática negra, até aquele momento dominado por acadêmicos brancos. Beatriz demonstra a importância de nos tornarmos protagonistas de nossa história, deixarmos de ser apenas meros objetos de pesquisa e repensarmos a história do negro. Ela se mostra preocupada com a fragmentação da história do negro brasileiro, com as mistificações e a criação de estereótipos de um povo que foi escravizado.
No que se refere a questão da mulher negra, Beatriz se mostra brilhante. Contemporânea de Teresa Santos e Lélia Gonzalez, ela também se mostra imprescindível para o feminismo negro. Beatriz pontua as condições da mulher negra durante e após a escravidão e no mercado de trabalho que colocou e ainda coloca a mulher negra numa posição subalterna. O tema da afetividade da mulher negra também é presente em seus escritos. Para ela, viver numa sociedade plurirracial que privilegia padrões estéticos femininos como ideal de um maior grau de embranquecimento denota um trânsito afetivo extremamente limitado para essas mulheres. Segundo consta:
Quanto mais a mulher negra se especializa profissionalmente numa sociedade desse tipo, mais ela é levada a individualizar-se. Sua rede de relações também se especializa. Sua construção psíquica, forjada no embate entre sua individualidade e a pressão da discriminação racial, muitas vezes surge como impedimento à atração do outro, na medida em que este, habituado aos padrões formais de relação dual, teme a potência dessa mulher. Também ela, por sua vez, acaba por rejeitar esses outros, homens, masculinos, machos. Já não aceitará uma proposta de dominação unilateral. (NASCIMENTO, 1990, p.3).
Ter contanto com os escritos de Beatriz Nascimento é uma experiência sinestésica. É como se pudéssemos sentir cheiro de mar, sentir o Atlântico na sua narrativa. Seu trabalho é sensibilizador pela delicadeza e profundidade que seus temas carregam. Essa sensibilidade ultrapassa as palavras escritas, porque é na oralidade que encontramos uma serenidade em sua fala, sem perder a força e a convicção de ser mulher e negra. Talvez todo o seu trabalho represente a travessia que ela cita em Ori. Travessia essa em que precisamos entender de onde viemos e onde pisamos forçadamente, onde nossos corpos representam nossa identidade que enunciam sentidos.
Ao descobrirmos Beatriz Nascimento podemos fazer várias leituras e sentirmos de formas diferentes suas palavras. Deste modo, é indiscutível sua importância e seu legado para nós mulheres negras.
Portanto, falar seu nome toda vez que possível é remar contra uma lógica que nos nega o direito de existir, é ir contra um sistema que nega nossos corpos e mentes. Enquanto nós tivermos voz, Beatriz não será esquecida e sua voz serena irá alimentar cada dia de luta que temos em frente!
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Para ler mais: RATTS, Alex. Eu Sou Atlântica: Sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. Imprensa Oficial: São Paulo, 2006.