Por: Fernanda Nascimento
O Brasil tem enfrentado persistentes desigualdades raciais e de gênero em sua economia, que se refletem não apenas nos padrões de emprego e desemprego, mas também nas condições de trabalho e nas oportunidades educacionais. Embora tenha havido uma melhora nos recentes índices de emprego, a distância entre as realidades de homens e mulheres, sobretudo entre pessoas brancas e negras, ainda são significativas e demandam políticas públicas pelo setor público e monitoramento ao setor privado, além de o setor privado assumir compromissos efetivos com esse público.
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As jovens negras, em particular, enfrentam desafios severos, recebendo rendimentos quase três vezes inferiores em relação a homens brancos e também menores na comparação com mulheres brancas. Essa condição se soma à informalidade e à subutilização da força de trabalho, muitas vezes disfarçado de uma atividade empreendedora que as privam de direitos essenciais de um trabalho digno.
Muito além de um reflexo da conjuntura econômica, as jovens negras sofrem os efeitos do racismo e sexismo profundamente enraizados na sociedade, o que perpetua a desigualdade. A marginalização chega ao mercado de trabalho sob forma de filtros nos processos utilizados desde a seleção dos candidatos sem a preocupação com a diversidade até a ausência de pessoas negras nos cargos de recursos humanos e chefias das empresas.
Por outro lado, a educação, que poderia ser um grande equalizador, ainda é outra arena de desigualdade. Jovens homens e mulheres negras enfrentam barreiras significativas para acessar e completar a educação superior. Elas são vistas desde a decisão de aumentar as taxas para a inscrição do Enem, como na falta ou descontinuidade de políticas públicas para facilitar a vida de quem precisa conciliar estudo e trabalho. O resultado é a tão falada baixa representatividade e apoio dentro do sistema educacional.
A não expectativa de que haja uma melhoria nas condições de trabalho ou de que novas oportunidades sejam criadas para esses grupos explica o fenômeno do desalento. E mais uma vez, as jovens mulheres negras prevalecem nos indicadores do público que mais perdeu a esperança em encontrar trabalho. Desempregadas, elas se tornam mais propícias a assumir o trabalho doméstico não remunerado e os cuidados com pessoas – uma dinâmica reforçada por normas sociais que limitam ainda mais suas oportunidades econômicas.
Neste cenário, vê-se ainda a subutilização da força de trabalho, com muitas jovens mulheres negras em empregos que não fazem pleno uso de suas habilidades ou dedicando-se menos horas por dia, numa realidade igualmente produzida pela discriminação racial e de gênero.
O relatório “Mude com Elas”, elaborado pela Ação Educativa em parceria com o Ceert, Terre Des Hommes Alemanha e Ministério para Cooperação Desenvolvimento da Alemanha, lança luz sobre essas questões. Ao pesquisar as condições de trabalho de jovens mulheres negras, de 14 a 29 anos, cruzando dados por raça, gênero e idade, o documento mostra a urgente necessidade de enfrentar as desigualdades com abordagens multidimensionais.
Uma das iniciativas é o próprio programa desenvolvido pela organização que convida as jovens mulheres negras a se apropriem dessa realidade, oferecendo o suporte necessário para que o ativismo feminino tenha espaço para o diálogo. Isso resulta na produção de conhecimento que, uma vez disseminado, gera a construção de saídas para essas desigualdades. O enfrentamento ao racismo e sexismo no ambiente de trabalho passa pela criação de agendas específicas para esse tema, estratégias de incidência política, municipal e nacional, sempre considerando a voz das jovens, que têm um protagonismo da juventude negra.
Sem dúvida, a jornada para a igualdade de gênero e racial no Brasil é longa e cheia de desafios. No entanto, sem compreender sua profundidade e complexidade, nem o governo nem o setor privado encontrarão soluções assertivas para a promoção da justiça social e igualdade econômica que tanto sonhamos para o Brasil.
Fernanda Nascimento é coordenadora do projeto Mude com Elas.