Por: Karina de Paula Carvalho
Os dados de emprego, renda e custo de vida no Brasil são indicadores fundamentais para avaliar a qualidade de vida da população, refletindo a capacidade de geração de riqueza e redução de desigualdades. A história econômica e social do país é marcada por sua formação colonial e pela herança de um sistema escravocrata, que relegou a população negra a condições de trabalho precárias e de baixos salários, assim como explorou os recursos naturais de maneira irrestrita. Atualmente, essa dinâmica perpetua desigualdades estruturais, agravadas pela concentração de renda: 1% da população detém cerca de 50% da riqueza do país.
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A informalidade no Brasil é uma característica persistente do mercado de trabalho e afeta desproporcionalmente populações negras e afrodescendentes. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2022, a maior parte da população negra e de baixa renda está inserida no setor informal, sem carteira assinada, proteção trabalhista e previdência social. Esse tipo de ocupação não oferece garantias de renda estável e de enfrentamento às mudanças do clima, seguridade social, condições dignas de trabalho ou possibilidades de crescimento profissional.
Os dados revelam como a população negra, mesmo que alcance níveis de ensino superior, está inserida nas categorias menos valorizadas pela sociedade, em termos de remuneração. Menor presença em cursos de maior expectativa salarial significa menos acesso a empregos bem remunerados que exigem qualificações específicas. Esse cenário é fruto das limitações da própria estrutura educacional pública, desde a infância até o ensino superior. São fatores estruturais que perpetuam desigualdades salariais e de oportunidades, contribuindo para um ciclo de empobrecimento e exclusão socioeconômica.
Iniciativas como o Bolsa Família e as políticas de ação afirmativa contribuíram para avanços no acesso à educação e à mobilidade social de populações vulneráveis, especialmente negras. Mesmo assim, ainda existem desafios significativos para garantir a igualdade de oportunidades. A informalidade, que afeta 40,1% da população ocupada, é predominante entre pessoas negras (43,4% para pretos e 47% para pardos). Além disso, a renda média de trabalhadores negros é inferior à de trabalhadores brancos, mesmo quando têm o mesmo nível educacional.
A intersecção de desigualdades de gênero e raça agrava a precariedade enfrentada pelas mulheres negras, que recebem os menores salários do mercado. Ainda como demonstram os dados do IBGE (2022), no trabalho doméstico, por exemplo, 92% dos trabalhadores são mulheres, 65% das quais negras. Muitas estão na informalidade e são remuneradas abaixo do salário-mínimo, além do aumento de casos de trabalho análogo à escravidão.
A pobreza de tempo, que se refere à alta carga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados, é compreendida como um dos maiores fatores determinantes para as desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho. É o que traz a Nota Informativa nº 1/2023 do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). No meio rural, por exemplo, o racismo fundiário é evidente: agricultores negros ocupam majoritariamente terras com menos de cinco hectares, enquanto agricultores brancos controlam áreas superiores a 10 mil hectares. A agricultura familiar, responsável por boa parte dos alimentos consumidos no país, enfrenta dificuldades como falta de acesso a crédito e tecnologias. O trabalho informal também é prevalente, com 69,9% dos trabalhadores rurais negros em condições precárias. Ademais, a exploração em condições análogas à escravidão também é recorrente no espaço rural, especialmente em setores como a cafeicultura.
Nas áreas urbanas, o mercado de trabalho é caracterizado por ocupações precarizadas e pela crescente informalidade. A digitalização desenfreada e a automação impactam especialmente trabalhadores menos qualificados, perpetuando desigualdades. Enquanto 84% dos lares brasileiros possuem acesso à internet, as populações negras e de baixa renda enfrentam limitações significativas na qualidade de conexão, comprometendo a competitividade no mercado.
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais e urbanos frequentemente vivem em áreas mais expostas a eventos climáticos extremos, como inundações e secas, condições de moradia com altos riscos ambientais (encostas, esgotos e aterros sanitários) quanto menor a renda, maior a exposição. No campo, essas ações são intensificadas pelo modelo de monocultura que avança sobre territórios de povos e comunidades tradicionais e contamina o solo, o ar, as águas e os alimentos. Nas cidades, as populações empobrecidas estão concentradas nas regiões periféricas, com uma estrutura urbana precarizada e insuficiente para adaptação climática. Enfrentam dificuldades diárias com condições precárias de mobilidade para exercer trabalho nos centros comerciais e administrativos e estão constantemente expostos à poluição do ar, dos rios e dos alimentos.
O aumento das secas, especialmente no semiárido brasileiro e na região Amazônica, tem levado à perda de safras e à redução da produtividade agrícola. Isso afeta principalmente os trabalhadores da agricultura familiar, que tem menos acesso a tecnologias avançadas de irrigação e manejo da água. Pequenos agricultores enfrentam maiores dificuldades de adaptação, o que pode levar ao abandono de suas terras e à migração para áreas urbanas, agravando o ciclo de desigualdades no acesso a recursos e renda. Esse fenômeno resulta no surgimento de assentamentos informais em áreas de risco ambientais e climáticos. Moradias precarizadas e dificuldades de acesso a equipamentos públicos de educação e lazer, saúde, segurança, energia elétrica, água e esgoto e coleta de lixo.
Políticas públicas devem integrar justiça climática e econômica ao garantir emprego e fortalecer a agricultura familiar em territórios rurais vulneráveis, promovendo medidas de adaptação e mitigação climática. Nos centros urbanos, é essencial priorizar territórios periféricos em planos diretores e programas climáticos, reconhecendo-os como espaços de soluções e investindo na educação popular, nas juventudes, na cultura e tecnologias sociais para enfrentar desigualdades socioespaciais.
A justiça climática não pode ser dissociada da justiça econômica e racial, pois são as populações negras, periféricas e rurais que suportam os maiores impactos das mudanças climáticas e da precarização do trabalho. A valorização de setores econômicos populares e cadeias produtivas locais, resilientes aos impactos das mudanças climáticas, é crucial para repensar relações de trabalho, gerar renda e garantir segurança econômica e justiça climática. Enfrentar essa realidade passa por políticas públicas que promovam a redistribuição de riqueza, a valorização do trabalho digno e o fortalecimento de economias locais sustentáveis.
Karina de Paula Carvalho é pesquisadora especialista em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Economista e mestre em Planejamento pela UFSJ; doutoranda em Ciências Sociais no CPDA/UFRRJ; Prêmio ”Meio Ambiente e Raça” 2024 do Itaú Cultural.