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Laudelina de Campos: Conquista de direitos para domésticas é fruto da luta de mulheres negras

Ex-empregada doméstica, Laudelina é pioneira na luta por direitos e mais respeito para as trabalhadoras domésticas; mineira foi responsável pela fundação da primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do Brasil

Artigo: Lenne Ferreira | Ilustração: Dilla Sete

Laudelina de Campos e a luta por direitos para trabalhadores domésticos

30 de abril de 2021

O Dia da Trabalhadora Doméstica, profissão que, no Brasil, é exercida por maioria negra, tem sua origem relacionada com a história de uma empregada branca italiana. Comemorado no último dia 27, a data é também uma homenagem à Santa Zita de Lucca, considerada padroeira da classe que trabalhou como doméstica desde os 12 anos de idade. A pele clara e os traços nórdicos de uma camponesa nascida em 1218, em nada se assemelha à cor de milhões de brasileiras que trabalham em casas de famílias de todo o país. Por aqui, nomes como o de Laudelina de Campos Melo, ex-empregada doméstica e ativista na luta por direitos e mais respeito para a classe, ainda sofrem o processo de apagamento que, durante a pandemia, ficou ainda mais exposto. Foi contra o negligenciamento sofrido pelas trabalhadoras negras que mulheres como Laudelina lutaram. 

A herança escravocrata da sociedade brasileira colocou o Brasil no topo do ranking das maiores populações de domésticas do mundo. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2018, revelou que 6,2 milhões de pessoas tinham como ocupação principal o serviço doméstico remunerado (diaristas, babás, jardineiros e cuidadores). Ao todo, 92% (5,7 milhões) eram mulheres, das quais 3,9 milhões eram negras. Os dados apontam para uma repetição do perfil de quem ocupa uma categoria que não teve descanso nem no período de pandemia, que tem no isolamento social uma das principais medidas de proteção contra o coronavírus. Um dos casos mais alarmantes veio à tona depois da trágica morte de Miguel, no Recife, que foi negligenciado pela patroa da mãe, Sari Corte Real. A ex-doméstica Mirtes Renata não foi liberada dos serviços nem mesmo no momento de crise sanitária. Como estava sem aula, Miguel precisou acompanhar a mãe para o trabalho. Há 11 meses, Mirtes luta para colocar na cadeia a responsável pela morte precoce do seu filho. 

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miguelA pernambucana Mirtes Renata perdeu o filho Miguel ao ter que trabalhar como empregada doméstica em meio à pandemia

A negligência com as condições de trabalho as quais estão submetidas as empregadas domésticas foi responsável pela primeira morte por Covid-19 registrada no Brasil. Em março de 2020, aos 63 anos de idade, Cleonice Gonçalves, que contraiu a doença com os patrões recém chegados da Europa, não resistiu aos efeitos do vírus no seu corpo. Sem plano de saúde e sem assistência, morreu em sua residência na Miguel Pereira, no sul fluminense. Os patrões, que moram no Alto Leblon, um dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro, se curaram e continuam vivos. 

O descaso com a classe trabalhadora também foi oficializado por meio da ação de estados como o Pará, onde a categoria chegou a ser privada do direito à quarentena e considerada “essencial” por meio de um decreto. Após protestos contrários, o serviço foi restringido a cuidadores de criança, idoso, pessoa enferma ou incapaz, caracterizada pela ausência ou impossibilidade de que os cuidados sejam assumidos por pessoa residente no domicílio. Apesar da impossibilidade de ficar em casa, de acordo com o  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor foi o segundo mais impactado pela pandemia. A Pnad Contínua, divulgada em janeiro passado, revelou que 1,5 milhão de postos de trabalho doméstico foram perdidos de setembro a novembro de 2020. 

Os desafios diante da crise sanitária que já dura mais de um ano seriam muito maiores sem os direitos conquistados graças à luta de mulheres como Laudelina de Campos Melo. Nascida na cidade mineira de Poços de Caldas em 12 de outubro de 1904, pouco menos de 20 anos depois da abolição da escravatura no país (1888), ela começou a trabalhar aos sete anos de idade, cinco anos antes da italiana branca, que é símbolo da classe. Não foi uma escolha como também não era para a maioria das mulheres negras que só tiveram a área como forma garantir sobrevivência. A mineira precisou deixar a escola para cuidar dos irmãos enquanto a mãe trabalhava e, aos 16, começou a integrar organizações sociais do movimento negro. 

Aos 18 anos, Laudelina mudou-se para São Paulo, onde se casou e foi morar em Santos em 1924. Após sua separação (1938), já mãe de dois filhos, passou a ser mais atuante em movimentos populares. Sua militância ganhou contornos mais políticos com sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro, em 1936. No mesmo ano, fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do país, fechada durante o Estado Novo e reaberta em 1946. Ela também trabalhou para a fundação da Frente Negra Brasileira, militando na maior associação da história do movimento negro, que chegou a ter 30 mil filiados ao longo da década de 1930.

Laudelina trabalhou como empregada doméstica até 1954, quando passou a empreender no seu próprio negócio. Inaugurou uma pensão e passou a comercializar também salgados nos dois campos de futebol da cidade (Guarani e Ponte Preta). A partir daí, ela se dedicou integralmente à militância sindical e cultural, inclusive promovendo, em 1957, um baile de debutantes (Baile Pérola Negra) para jovens negras, no Teatro Municipal de Campinas, para onde se mudou em 1955. 

A luta de Laudelina e de outras pioneiras foi essencial para a categoria numa época em que as trabalhadoras domésticas não tinham direito à sindicalização e nem eram protegidas por legislação. A categoria só garantiria direitos de carteira assinada e previdência social em 1972, mas ainda com sérias restrições aos trabalhadores domésticos. Só em 2013, com a aprovação da chamada PEC das Domésticas, os trabalhadores domésticos passaram a ter direito a benefícios semelhantes aos de outras categorias profissionais, como jornada de trabalho de 44 horas semanais, com limite de oito horas diárias, e o pagamento de hora-extra. Uma conquista possível graças ao ativismo de mulheres como Laudelina, que morreu em 1991, aos 86 anos de idade, depois de construir uma trajetória marcada pela luta contra o preconceito racial, subvalorização das mulheres e exploração da classe trabalhadora. Por isso, em um país como o Brasil, o Dia da Trabalhadora Doméstica não pode ser representado pela imagem de uma personagem branca europeia e invisibilizar uma luta que carrega a coragem e persistência de mulheres negras. 

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