Sociólogo Tadeu Kaçula recorda a criação do “Dia da Liberdade de África”, instituído em 25 de maio de 1963 para celebrar o surgimento da Organização da Unidade Africana (OUA), conhecida atualmente como União Africana
Texto: Tadeu Kaçula* | Imagem: Ricardo Stuckert
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Quando temos contato pela primeira vez com a história da África pelo sistema de educação ocidental, nossos imaginários são condicionados a construir como referência um território empobrecido, subdesenvolvido e etnicamente singular. Há registros sobre a história da África identificados por documentos que datam do século VIII a.C. ao século V d.C. Segundo estudos arqueológicos e antropológicos, a origem do homem está muito ligada ao continente, já que foram encontrados, em diversas regiões da África, restos de hominídeos e fósseis de homens de Neandertal.
O continente africano abriga uma população de 1,216 bilhões de habitantes, é formado por 56 países em uma área territorial de 30.370.000 quilometros. A região Norte do continente, segundo a história, é o espaço mais antigo do mundo. Por lá ficam países como Marrocos, Egito, Líbia, Argélia e Tunísia, que estão junto ao Mar Mediterrâneo. Entre os grandes reinos que se desenvolveram por lá, em ordem cronológica, destacam-se os reinos de Ghana, Mali e Songhai. Quando lemos esse breve resumo da história da África, fica nítido que não é possível abordar apenas uma cultura ou etnia, pois o continente é dotado de uma pluralidade étnica e multicultural.
A colonização europeia do continente africano durou séculos e deixou um legado de apagamentos epistemológicos de dezenas de etnias, além da extração de milhares de dólares em riquezas naturais, tráfico de seres humanos e invasão de terras habitadas há séculos por povos remanescentes das antigas civilizações africanas. Depois de séculos de exploração colonial, os países africanos iniciaram uma série de insurgências contra os colonizadores lutando para libertar seu povo da subordinação ocidental. Após muita luta e resistência os países africanos se tornaram independentes e esse acontecimento foi marcado com muita comemoração e sentimento de novas perspectivas políticas, econômicas e sociais para milhões de pessoas.
O “Dia da Liberdade de África”, instituído em 25 de maio de 1963, é a comemoração anual da criação da Organização da Unidade Africana (OUA), hoje conhecida como União Africana. A data é celebrada em vários países do continente africano, assim como em todo o mundo.
Segundo consta no histórico da OUA, o primeiro Congresso dos Estados Africanos Independentes foi realizado em Acra, no Gana, em 15 de abril de 1958. Na data convocada pelo Primeiro-Ministro do Gana, Dr. Kwame Nkrumah, participaram representantes do Egito, então parte integrante da República Árabe Unida, Etiópia, Gana, Libéria, Líbia, Marrocos, Sudão, Tunísia e a União Popular dos Camarões. A União da África do Sul não foi convidada.
A conferência apresentou o progresso dos movimentos de libertação no continente africano, simbolizando também a determinação dos povos da África para libertação do domínio e exploração estrangeiros. Embora o Congresso Pan-Africano trabalhasse em direção a objetivos semelhantes, desde a sua fundação, em 1.900, esta foi a primeira vez que uma reunião deste gênero ocorreu em solo africano.
O evento apelou para a instituição de um ”Dia Africano da Liberdade”, um dia que “marcasse a cada ano o progresso contínuo do movimento de libertação e que simbolizasse a determinação dos povos de África para libertar-se do domínio e exploração estrangeiros”. A conferência criou a base para as reuniões subsequentes de chefes de estado e de governo africanos, na era do Grupo de Casablanca e do Grupo de Monróvia, até a formação da OUA, em 1963. Cinco anos após o primeiro congresso, representantes de trinta países africanos reuniram-se em Adis Abeba, na Etiópia, tendo por anfitrião o imperador Haile Selassie. Mais de dois terços do continente já havia obtido a independência, sobretudo dos estados imperiais europeus.
Neste encontro, a Organização da Unidade Africana foi fundada, com o objectivo inicial de incentivar a descolonização de Angola, Moçambique, África do Sul e Rodésia do Sul. A organização comprometeu-se a apoiar o trabalho realizado por combatentes da liberdade e remover o acesso militar às nações coloniais. Foi estabelecido uma carta de princípios que procurou melhorar os padrões de vida entre os estados-membros. Selassie exclamou: “Possa esta convenção da união durar mil anos”.
A carta foi assinada por todos os países participantes no dia 26 de maio de 1963, com a exceção de Marrocos. Nessa reunião, “O Dia da Liberdade de África” foi renomeado como “Dia da Libertação de África”. Em 2002, a OUA foi substituída pela União Africana. No entanto, a celebração, renomeada como “Dia de África” continuou a ser comemorada em 25 de maio por respeito à formação da organização.
Conhecer a história da África e suas diásporas, compreender sua pluralidade étnica, cultural, política e social e entender a sua importância para a formação da identidade de povos em todos os continentes é fundamental para que possamos nos aproximar da nossa matriz ancestral. Conhecer África como ela realmente é, sobretudo essa África contemporânea, tecnologia e rica em valores intelectuais nos permite desconstruir estereótipos e criar uma nova conexão com o nosso continente matriarcal. Amar a África é amar a nós mesmos!
* Com informações da revista “África” do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP). Publicada em novembro de 1988.
* Tadeu Augusto Matheus, conhecido como Tadeu Kaçula, é sociólogo pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP), coordenador nacional da Nova Frente Negra Brasileira (NFNB), fundador do Instituto Cultural Samba Autêntico e autor do livro “Casa Verde, uma pequena África paulistana”.