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PL 813/19: quando esperar não é uma escolha

Na verdade, o que o projeto traz é uma doutrina que não dá escolha e culpabiliza mulheres por atos sexuais que ocorrerão com ou sem o consentimento delas, graças ao machismo dessa sociedade patriarcal

Texto: Mandata coletiva Quilombo Periférico (PSOL-SP) | Imagem: Fiocruz

Jovem negra grávida

23 de junho de 2021

Resultado de uma luta histórica do movimento negro, hoje muito se discute sobre o racismo estrutural e seus efeitos na sociedade. O problema é que pouco se discute sobre como a estrutura racista serve a um sistema de dominação que garante a supremacia branca na sociedade. 

Na Câmara Municipal de São Paulo presenciamos hoje um infeliz exemplo de ação desse sistema. Como um crime perfeito, cujo efeito não conseguimos identificar nem a causa nem o causador, o projeto de lei que propõe o programa “Escolhi Esperar” cria perversos  mecanismos de sofrimento e controle de mulheres paulistanas, em especial negras, sob a justificativa de trazer um novo método contraceptivo: abstinência sexual. Apresentada como um reforço aos métodos contraceptivos, chega uma surpresa nefasta, à la cavalo de troia, que abriga na verdade, a ruína de muitas mulheres. Entre linhas e entrelinhas, para entender a armadilha, tal qual no episódio grego, é preciso atentarmos não para como o presente se mostra: um projeto para combater a gravidez precoce; mas sim para o que se esconde dentro dele, que é a mais pura defesa de interesses moralistas de setores reacionários.

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O terror começa pelo primeiro artigo do PL 813/19, que propõe instituir a “Semana Escolhi Esperar”, anunciando que seu intuito é incentivar a abstinência sexual. Ora, combater a gravidez precoce por essa medida seria atacar a causa mais irrelevante para o problema. De acordo com pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), das 7,3 milhões de meninas e jovens grávidas no mundo, 2 milhões têm menos de 14 anos. Ou seja, uma grande parcela das pessoas para as quais essa política é voltada está sendo ignorada e excluída da preocupação do legislador, por sequer ter o poder de escolha, uma vez que são vítimas de estupro de vulnerável, conforme preceituado pelo Código Penal. É preciso olhar com honestidade para os números de gravidez precoce que apontam o alarmante número de casos que advém de estupro. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que a cada 75 minutos uma menina é estuprada no estado de São Paulo, ou seja, não se trata de “escolha” e muito menos de “esperar”!

Abstinência sexual e controle do corpo das mulheres não é política pública para combater gravidez precoce, mas pode servir para gerar traumas, dores e – pasmem – incentivar gravidez precoce na vida de centenas de milhares de mulheres negras e periféricas. Na verdade, o que a proposta traz é uma doutrina que, como a história mostra, culpabiliza mulheres por atos sexuais que ocorrerão com ou sem essa lei absurda, com ou sem o consentimento delas, graças ao machismo dessa sociedade patriarcal. É uma tentativa de institucionalizar juízos morais e religiosos, à revelia do Estado laico que exige que tais preceitos se atenham aos fóruns e círculos da religião e da moral. Não devem ser impostos como lei à sociedade.

Com aprovação desse projeto, recursos importantes e escassos que poderiam ser utilizados no real combate à gravidez precoce seriam desviados para incentivar uma orientação que não tem qualquer relação com políticas já existentes e expressas no Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, que em seu artigo 8º-A, já institui a Semana Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência.

Um projeto desse tipo ajuda explicar porque o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial de casamento infantil. A questão da gravidez precoce precisa ser observada a partir dos dados aqui trazidos e em todas as pesquisas realizadas na área da saúde, bem como em nossas leis e acordos internacionais dos quais somos signatários, e não pode ser reduzida de maneira irresponsável a uma questão de “escolha” das mulheres.

Resta indagar para quem é direcionada essa política. Sabemos que cor tem as meninas que mais acessam as escolas e equipamentos públicos e que também são as maiores vítimas de estupro e casamento infantil. Nossa tarefa cotidiana na Câmara de São Paulo é denunciar os pequenos mecanismos institucionais que silenciosamente prosseguem com o genocídio do povo negro e a dominação e controle de uma classe, que tem posição social e tem cor também.

Mandata coletiva Quilombo Periférico (PSOL-SP) é formada por seis lideranças forjadas no movimento negro e periférico e comprometidas com as causas sociais, o coletivo Quilombo Periférico conquistou, por meio da trajetória de cada um em trabalhos de base nas periferias, uma cadeira na 18a legislatura da cidade. A vereança é exercida pela covereadora Elaine Mineiro que divide a direção do mandato com Débora Dias, Samara Sosthenes, Júlio Cézar de Andrade, Erick Ovelha e Alex Barcellos.

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