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São Paulo e a – não – comemoração dos 94 anos do Vai Vai

Quando o estado não queria "parceria" com as escolas de samba, quando o voto do sambista era pouco suficiente para eleger ou derrubar o candidato, o samba pouco importava e nesse período a gente era mais feliz
Imagem mostra um homem negro de costas com uma camisa escrito Vai Vai 94 anos.

Foto: Reprodução/Vai Vai

29 de janeiro de 2024

Por: Max B.O. 

A escola é do povo, mas o Vale do Anhangabaú já não é mais. 

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Naquela noite de sábado, estava pela região do Largo do Paissandú, a poucos metros do Vale do Anhangabaú, onde o Vai Vai, uma das principais agremiações carnavalescas e minha escola do coração, ia comemorar seus 94 anos. Quase um século de história de samba e resistência do povo preto na região central de São Paulo e uma série de questões ligadas ao evento, como  o local e os órgãos gestores, vinha me atormentando a cabeça. Ao mesmo tempo, eu estava feliz vendo as pessoas andando pelo entorno do Vale com camisetas e bonés da nossa escola, o Vai Vai do Bixiga, a escola do povo. 

Mas acontece que a escola ainda é do povo, mas o Vale já não mais. E faz tempo.

Isso me levou a 1995. Quase 30 anos se passaram de quando e extinta MTV produzia shows de Rap no Vale do Anhangabaú e os artistas por cantarem a realidade das suas quebradas, consideradas “apologia” pela política da época, desciam do palco direto para o camburão e na delegacia que se resolvia o que era apologia e o que era liberdade de expressão. Nessa época eu comecei frequentar o Vai Vai e tudo era incrível, impecável e no lugar a festa do Chopp tinha até canecas de louça. 

Quando o estado não queria “parceria” com as escolas de samba, quando o voto do sambista era pouco suficiente para eleger ou derrubar o candidato, o samba pouco importava e nesse período a gente era mais feliz.

As festas do Chopp eram realizadas em quadras ou espaços fechados e os problemas que poderiam haver eram praticamente bobagem. Às vezes o Chopp não estava gelado, outras vezes tinha fila para o banheiro químico, uma dificuldade pra entrar – que não permitia invasão – ou um show que às vezes se atrasava. Mas você tinha um lugar que podia considerar seguro até a hora do transporte voltar a funcionar e você ir para casa. 

Certa vez, estávamos no “novo” Vale do Anhangabaú gravando um vídeo clipe e chegaram uns caras engravatados com pranchetas, pedindo para que o responsável pela produção assinasse um papel informando para qual finalidade eram aquelas gravações. Perguntei para um deles qual era a daquele documento e ele me disse: quem cuida do Vale agora é a W. Torre Entretenimento, então tudo que acontece aqui deve ser reportado para eles. 

Foi aí que reparei que nem os históricos banheiros que ficavam na parte inferior do Vale foram preservados, está tudo pavimentado num único plano. E aí você percebe que o poder público é elitista com o “público” que pretende atender. Porque o show da Virada dá certo lá, o jogo da Copa e as Olimpíadas também dão certo lá.

Anos atrás, na “Virada Cultural dos Racionais” – pasmem, assim que foi chamada por anos – já tinha gente em cima da banca de jornal antes do show do maior grupo de Rap do país. Mas a bomba só explodiu na hora do show dos caras.

O progresso é tão “importante” que soterrou o Vale do Anhangabaú e toda a história que ali existia, assim como foi na tentativa de estação de metrô que despejou a quadra do Vai Vai da rua São Vicente. Demoliram uma história que tem muito mais história assentada metros abaixo e a obra está parada. Nem samba, nem metrô, apenas transtornos para moradores, comerciantes e frequentadores da região. 

Isso me faz entender que esse formato de espaço público “privado” é coisa para elite, para festa do branco, para manter a cultura popular cada vez mais afastada. Até as bordas do Vale foram mudadas de lugar e os skatistas ficaram espremidos quase na boca do metrô São Bento, lá depois do prédio dos Correios. O problema não está em quem fez a festa, mas lamentável foi a brilhante ideia de pensar que aquele lugar ainda é nosso.

Foi igual quando um viaduto parou o samba na Barra Funda e Geraldo Filme eternizou a história em “Vou Sambar Noutro Lugar” , gravado no LP de Plínio Marcos “Em Prosa e Samba – Nas Quebradas do Mundaréu”.

Fiquei sem o terreiro da Escola

Já não posso mais sambar

Sambista sem o Largo da Banana

A Barra Funda vai parar

Surgiu um viaduto, é progresso

Eu não posso protestar

Adeus, berço do samba

Eu vou-me embora

Vou sambar noutro lugar

Max B.O. é MC, ator, apresentador de TV, frequentador do Vai Vai desde 1995 e desde 2015 membro da Ala de Compositores da Escola.

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