Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Empresa de segurança envolvida na morte de Beto muda de nome e firma contrato com Carrefour

Contrato com a Cordialle não aparece no documento de acompanhamento da implementação do Termo de Ajustamento de Conduta do Carrefour; Ministério Público do RS não enxergou irregularidade no acordo e Carrefour defende a legalidade do trato

Empresas do grupo Carrefour contratam mesma empresa cujos funcionários agrediram Beto

Foto: Pedro Borges/Alma Preta

5 de maio de 2023

O Grupo Carrefour firmou contrato de prestação de serviços com a Cordialle, novo nome da Vector, empresa terceirizada em que trabalhavam os seguranças que espancaram até a morte o soldador João Alberto Freitas, em uma unidade do supermercado em Porto Alegre.

No dia 20 de novembro de 2020, um dia depois do assassinato de Beto Freitas, o Carrefour emitiu um comunicado para a imprensa com a informação de rompimento de contrato com a Vector, terceirizada responsável pela vigilância de unidades da multinacional francesa. Na prática, a empresa continua a prestar o mesmo serviço para o Carrefour, só que com um novo nome.

Quase um ano depois, a Vector assinou seu próprio Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul no valor de R$ 1,7 milhão, com a anuência do Centro Santo Dias de Direitos Humanos e da Educafro. No acordo, não está sinalizado qualquer impedimento legal para que a Cordialle preste serviços para o Carrefour ou outra empresa.

Os termos do documento confirmam que uma das empresas do grupo Vector era a empregadora dos dois seguranças, Magno Borges e Giovane da Silva, que agrediram Beto. No acordo, também está descrita a troca do nome de uma das empresas do grupo para Cordialle.

Site Pagina 5

Trecho do TAC firmado pela Vector, atual Cordialle (Imagem: Defensoria Pública RS)

Após a alteração do nome, a Cordialle passou a ser uma das fornecedoras de serviços de segurança privada para o Carrefour e o Atacadão, companhia do mesmo grupo financeiro. O trabalho de vigilância é feito nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Recife, Goiânia, Brasília, Natal, João Pessoa e Fortaleza. Para ambas empresas, a Cordialle é fornecedora de profissionais de segurança no Rio Grande do Sul, estado em que João Alberto Freitas foi assassinado.

O nome da Cordialle não está no documento que analisa os desdobramentos do TAC firmado pelo Carrefour com o Ministério Público (RS), a Defensoria Pública (RS) e outros órgãos no valor de R$ 115 milhões. O acordo foi uma resposta aos protestos em várias cidades depois da morte de Beto Freitas e serviu para evitar a judicialização da empresa. No TAC da rede de supermercado também não há um impedimento legal para que o Carrefour contrate a Cordialle ou a Vector.

No documento da comissão que acompanha a implementação do TAC, o Carrefour apresenta ter reformulado contratos com as empresas Protege, CTS, Segurpro e Absolute. Os tratos com as empresas de segurança privada superam a quantia de R$ 40 milhões anuais e são um descumprimento de promessa feita pela multinacional, de não fazer mais acordos dessa natureza e contratar sem intermediários os funcionários de vigilância, fato revelado pela Alma Preta.

Cordialle fala sobre combate ao racismo em suas redes sociais

Nas redes sociais da Cordialle, a empresa anunciou a parceria com o Atacadão, rede do grupo Carrefour, no dia 4 de julho de 2022. O texto diz que esse é “um grande momento” para a companhia, “Reconhecidos pela ampla jornada, a rede brasileira de supermercados atacado-varejista, Atacadão, agora faz parte do time #somoscordialle!”.

Naquele momento a empresa de segurança privada anunciou fazer a segurança das unidades da rede em Mauá e Aricanduva, com o anúncio de que outras unidades seriam contratadas pela rede de supermercados. No dia 1 de outubro de 2022, a companhia afirmou ter assumido os serviços de segurança de mais 7 lojas do Atacadão.

A primeira publicação das redes sociais da Cordialle é a afirmação de que a empresa fez mudanças para combater o “racismo estrutural”. Eles dizem estar comprometidos com “a vida em empatia com o próximo”, “uma sociedade mais justa e diversa” e sinalizam fazer palestras para tratar do tema, com o “selo de participação com autenticidade de ONGs”.

No Termo de Ajustamento de Conduta ficou acordado que a Vector, agora Cordialle, é responsável por organizar e participar de palestras para falar sobre discriminação racial. A companhia se comprometeu a fazer apresentações nos encontros da Associação Brasileira de Prevenção de Perdas (ABRAPPE) e em congressos sobre segurança privada. Na prática, a Cordialle assumiu os compromissos firmados pela Vector com a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.

Apesar da empresa publicizar a prestação de serviços para o Carrefour em materiais de divulgação a que a redação teve acesso, não há qualquer menção à multinacional francesa nas redes sociais da Cordialle.

A sociedade

A Alma Preta teve acesso a documentos que confirmam que a Cordialle substituiu uma das empresas do grupo Vector, depois do assassinato de Beto Freitas.

A Cordialle foi criada em 27 de novembro de 2015, com a oferta de serviços de “vigilância e segurança privada”. O nome inicial da empresa era Vector Segurança Patrimonial LTDA, e em 2021, depois da morte de Beto Freitas, a companhia alterou o nome para Cordialle Segurança Patrimonial LTDA.

A empresa foi criada com endereço na Rua Sales Júnior, número 609, em frente ao local registrado da Vector. Os sócios administradores da empresa são Simone Aparecida Toginini e Adelcir Geusemin, que saiu da sociedade da Vector em 15 de dezembro de 2020, depois da morte de Beto Freitas. A Cordialle tem filial em Canoas, no Rio Grande do Sul, e Manaus, no Amazonas. O capital da empresa informado é de R$ 480 mil.

A Vector Assessoria Empresarial LTDA é a empresa responsável pelo CNPJ inscrito no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela companhia com a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. A empresa existe desde 24 de julho de 2006, criada com um capital de R$ 12 mil, com endereço na Rua Itaqueri, 612, no bairro da Mooca, em São Paulo. A companhia existe legalmente até os dias de hoje e aparece como destinada para fazer “Seleção e Agenciamento de Mão de Obra”.

A marca teve mudanças ao longo dos anos no quadro societário e também nos serviços oferecidos. Os criadores da empresa são Flávio Teixeira Júnior e Rosalice Santoyo Teixeira e passaram pela companhia na posição de sócios Luiz Okasima e Fábio dos Santos, Kátia dos Santos e Adelcir Geusemin. No dia 15 de dezembro de 2020, depois da morte de João Alberto Freitas, Adelcir Geusemin saiu da sociedade e permanecem Luiz Okasima e Kátia dos Santos.

Em 17 de outubro de 2011, a Vector Assessoria Empresarial LTDA alterou os serviços oferecidos pela empresa e incluiu as “atividades de monitoramento de sistemas de segurança” e, em 29 de outubro de 2019, retirou os serviços de segurança, com a manutenção dos trabalhos “combinados de apoio a edifícios”. Em 13 de dezembro de 2018, a empresa mudou para o local onde está hoje, na Rua Sales Júnior, 604, no Alto da Lapa, em São Paulo.

Apesar de seguir na oferta de serviços de segurança privada e de ter apresentado esse CNPJ para a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta com a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, a Vector não declara oferecer serviços de segurança privada neste CNPJ para a Junta Comercial de São Paulo. Os serviços descritos são voltados para o apoio a edifícios, aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais, provedores de serviços de aplicação e de hospedagem na internet, atividades de consultoria em gestão empresarial e apoio administrativo.

Outro lado

A Cordialle não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem sobre os contratos com Carrefour ou Atacadão, o porquê da mudança de nome ou os valores da parceria. Mesmo que o antigo nome da companhia seja a Vector e que os profissionais envolvidos na morte de João Alberto Freitas fossem da companhia, a Cordialle afirmou em nota que não possui “relação com os fatos ocorridos em 20/11/2020”, em referência à morte de Beto.

A empresa enfatizou que “emprega a seus colaboradores, cursos de reciclagem, treinamento no seguimento de vigilância e segurança privada, conscientização sobre liberdade de gênero, racismo estrutural, violência doméstica, campanhas antirracismo, entre outros temas de modo a contribuir com a sociedade de forma geral”.

O Carrefour, por sua vez, não retornou sobre os valores do contrato e os motivos para firmar um acordo com a empresa dos mesmos sócios da Vector. A rede informou que “todas as informações que constam nos documentos oficiais relacionados ao TAC são auditadas, inclusive aquelas relacionadas à contratação de prestadores de serviço nas unidades de negócios do Grupo, e os pré-requisitos que estes precisam cumprir. Portanto, não há descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A empresa transformou seu modelo de prevenção, internalizando o time que atua dentro das lojas. Este modelo implementado é pioneiro no Brasil e reforça diretrizes de inclusão e respeito. Na segurança externa, a lei exige a contratação de empresas com autorização da Polícia Federal para operar. Nesses casos os terceirizados passam pelo mesmo treinamento dos times internos”.

O promotor de justiça Mauro de Souza respondeu parte dos questionamentos da reportagem sobre o acordo do Carrefour com a Cordialle. Ele afirmou que depois de analisar o TAC, não identificou “cláusula proibindo o Grupo Carrefour de contratar serviços de segurança, seja da empresa Vector ou de outra empresa de segurança privada. Portanto, se não há violação a cláusula do TAC, inexiste motivo para intervenção deste Órgão nas questões trazidas a debate pelo noticiante”.

O Ministério Público, contudo, não respondeu o porquê do contrato com a Cordialle não ter sido apresentado no documento de monitoramento do TAC, como ocorreu com as demais empresas que tiveram contratos renovados com o Carrefour.

O Ministério Público do Trabalho, um dos órgãos que assina o TAC, afirmou que o questionamento cabe ao MP-RS e não se posicionou sobre o assunto.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

    View all posts

Leia Mais

Quer receber nossa newsletter?

Destaques

AudioVisual

Podcast

EP 153

EP 152

Cotidiano