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Ao menos 10 partidos burlaram repasses a candidaturas negras na Bahia

Legendas podem ser obrigadas a devolver dinheiro aos cofres públicos, se comprovado que não repassaram os valores proporcionais

Ilustração: Alma Preta Jornalismo

Foto: Ilustração: Alma Preta Jornalismo

6 de março de 2023

Dos 32 partidos que disputaram as eleições de primeiro turno no estado da Bahia, 10 legendas tiveram problemas nos repasses para candidaturas de pessoas negras. Alguns partidos tiveram as contas reprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) e outras legendas tiveram as contas aprovadas com ressalvas, também por esse problema.

No caso do diretório estadual da Bahia do União Brasil, o partido teve as contas desaprovadas por não fazer o repasse proporcional para as candidaturas pretas e pardas. O TRE-BA levou em consideração os repasses feitos, em primeiro turno, para os candidatos aos cargos de deputado federal e estadual. No caso do União Brasil, para efeito de aprovação da justiça eleitoral, a polêmica autodeclaração de ACM Neto como pardo não interfere no processo. A escolha do então candidato ao governo altera os indicadores do diretório nacional da legenda.

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O parecer emitido sobre o partido, feito por Geomário Lima Silva Filho, aponta que o União Brasil registrou 76,6% de candidaturas negras, o que obrigava a legenda a repassar R$ 2,4 milhões dos 3,1 milhões destinados pelo partido. Ainda de acordo com o TRE-BA, o União Brasil repassou apenas R$ 200 mil, ou seja, 8,2% do estipulado pelo tribunal. O União Brasil recorreu da decisão por contestar as contas do TRE-BA e argumentou pela aprovação das contas.

Algumas legendas também destinaram recursos para essas candidaturas depois do prazo de prestação de contas parciais do partido. Essa exigência é uma tentativa de garantir os recursos o quanto antes para candidaturas de pessoas negras, para que consigam desenvolver a campanha.

PSDB, PSC e PL tiveram as contas desaprovadas por falta de repasse proporcional para candidaturas negras. PT, PP, PSD, PC do B tiveram as contas aprovadas com ressalvas por falta de repasse proporcional para candidaturas negras, assim como o Solidariedade, que fez repasse para candidaturas negras e de mulheres fora do prazo limite permitido, após a prestação de contas parciais da legenda. O Republicanos teve as contas contestadas por falta de informações e também foi questionado sobre a falta de recursos proporcionais para candidaturas negras. 

As contas

A Justiça Eleitoral avalia as contas das legendas a nível nacional, regional e local. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisa os repasses no âmbito nacional, os tribunais regionais eleitorais certificam os envios de recursos estaduais, e os juízes eleitorais checam as movimentações financeiras locais dos partidos, localidades que podem englobar mais de um município.

Os órgãos partidários, nessas três instâncias, são constituídos de maneira autônoma do ponto de vista legal e apresentam as contas de modo separado. Por isso, mesmo que sob a mesma legenda, um diretório estadual pode ter as contas reprovadas, e o nacional, aprovadas.

As contas podem ser aprovadas, ou aprovadas com ressalva, quando existem “falhas que não comprometem a regularidade”, ou reprovadas, “quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade”, de acordo com a legislação.

A Resolução Nº 23.607/2019 afirma que o candidato ou partido que se utilizaram de maneira inadequada o fundo eleitoral ou partidário devem retornar esses recursos para os cofres públicos. A legenda também pode perder o acesso ao Fundo Partidário e ao Fundo Eleitoral, e o candidato pode lidar com “o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o fim da legislatura”. O documento de quitação eleitoral é obrigatório para o registro de candidatura, ocupação de cargos públicos e é condição para elegibilidade de um candidato. O tribunal também repassa todas suspeitas de ilegalidade para o Ministério Público, para que o órgão possa adotar medidas, como a instauração de investigações e ações judiciais. 

Apesar das punições previstas na constituição, Najara Costa, autora do livro “Quem é negra/o no Brasil” e co-deputada pela Movimento Pretas (PSOL-SP), acredita que a criação de comissões de heteroidentificação é um passo importante para garantir a execução da lei. 

“Comissões de heteroidentificação precisam ser criadas para o propósito da garantia devida da Emenda Constitucional 111. A portaria 04 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, publicada em 2018, trata deste aspecto de forma até mesmo pedagógica. Não é de hoje que reafirmamos esse ponto. Fraudes estão ocorrendo de forma escancarada e por isso nós do Fórum Nacional de Representação Racial estamos finalizando uma denúncia ao MPF”.

Em nota, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que há abertura para agentes da sociedade prestarem queixas contra possíveis fraudadores. “Se for verificada que essa situação tem como objetivo fraudar as cotas previstas no financiamento de campanhas, entidades legitimadas, como os próprios partidos políticos, coligações e federações, Ministério Público, entre outros, podem ajuizar uma ação de impugnação do registro de candidatura”.

A corte ainda recordou a criação da Comissão de Promoção de Igualdade Racial, grupo “responsável por elaborar estudos e projetos para ampliar a participação da população negra nas eleições”, e apontou para a importância do trabalho da Justiça Eleitoral.

“Lembramos ainda que é dever da Justiça Eleitoral (JE) averiguar como e em quê os recursos destinados à realização de uma eleição foram empregados por candidatas/candidatos e partidos. Cabe à JE punir eventuais irregularidades. A não apresentação ou a desaprovação das contas eleitorais pode acarretar a suspensão dos repasses do Fundo Eleitoral, além da restrição à quitação eleitoral de candidatas e candidatos”. A Alma Preta questionou o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia sobre o assunto e o órgão explicou os cálculos feitos e os trâmites de apuração e julgamento das contas dos partidos.

O PT afirmou que a direção nacional da legenda “fez o repasse e foi a responsável pela definição dos valores repassados para as candidaturas considerando um cálculo nacional”. A reportagem também questionou as demais legendas que não atingiram o repasse proporcional para pretos e pardos. PROS, Solidariedade, PSDB, PSC, PL, PP, PSD, PC do B não responderam aos questionamentos da reportagem.

O União Brasil, partido de ACM Neto, não respondeu aos questionamentos da equipe de reportagem sobre a falta de repasses e os impactos da autodeclaração do então candidato ao governo da Bahia para a distribuição geral de recursos no estado.

O quadro geral do estado

No total, a Bahia contou com 890 candidatos homens autodeclarados pretos e pardos, com a inclusão de ACM Neto. O estado também registrou 460 mulheres negras, 256 homens brancos e 105 mulheres brancas. De acordo com o IBGE, pretos e pardos compõem o grupo racial negro.

A autodeclaração do prefeito de Salvador altera a dinâmica geral dos repasses para os candidatos a partir do critério de raça/cor. Com ACM Neto autodeclarado pardo e então parte do grupo racial negro, os repasses gerais dos recursos ficam próximos dos proporcionais. Homens negros representaram 51,8% das candidaturas e receberam 50,5% dos recursos, enquanto homens brancos foram 14,9% dos candidatos e 14,6% dos destinatários de valores.

Se ACM Neto tivesse colocado a autodeclaração como de um homem branco, os valores ficariam diferentes. Homens negros passariam a ter 38,7% dos recursos, enquanto os brancos, 26,5%. Essa se tornaria a maior diferença proporcional existente nos repasses do fundo partidário e eleitoral no estado da Bahia.

GRÁFICO DECLARAÇÃO DE RAÇA BA SITE 5

Em números absolutos, o repasse médio para homens negros com ACM Neto autodeclarado pardo é de R$ 30.118,50 e de homens brancos, 30.408,50. Com o ex-prefeito de Salvador autodeclarado branco, o número muda para R$ 54.190,31 para homens brancos e R$ 23.208,24 para homens negros.

Najara Costa, autora do livro “Quem é negra/o no Brasil?” e codeputada pelo Movimento Pretas (PSOL-SP), acredita que a sociedade repudiou a autodeclaração de ACM Neto e agora faltam medidas legais para coibir a possível fraude do então candidato. 

“Há quem analise que ACM Neto perdeu a eleição por fraudar a política afirmativa, se autodeclarando pardo, sendo branco, mas isso ainda é pouco perto dos prejuízos causados. Não aceitaremos que as distorções prevaleçam”.

Entre as mulheres, as negras foram 26,8% das candidatas e tiveram 25,4% do dinheiro dos fundos eleitoral e partidário. As mulheres brancas foram 6,1% das candidatas e 7,8% das destinatárias de recursos.

A maior desproporção das eleições baianas ocorreu entre as candidaturas masculinas indígenas. Elas representaram 0,2% das candidaturas e tiveram 1,6%, um reflexo da candidatura do vencedor das eleições e novo governador, Jerônimo Rodrigues (PT). Ele foi quem mais recebeu recursos do fundo eleitoral, quantia de R$ 1,126 milhão.

 ACM Neto é quem mais recebeu do fundo partidário, número de R$ 9,637 milhões. Esse foi o valor total da candidatura de Jerônimo e quase o total de ACM Neto, que foi de R$ 9,695. Ao todo, os diretórios estaduais dos partidos da Bahia repassaram para as eleições de 2022 as quantias de R$ 67,123 milhões de reais do fundo eleitoral e R$ 14,696 do fundo partidário.

Leia também: Partidos políticos podem ser culpados por burlar autodeclaração de candidatos

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