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A psicologia não tem se preocupado suficientemente com o racismo

A psicóloga Michelle Carvalho discute a negligência existente na psicologia acerca das questões raciais e a ineficácia no atendimento de pessoas negras
Imagem mostra rapaz em sessão de terapia com profissional de psicologia. Ambos são negros.

Foto: Alex Green/Pexels

28 de fevereiro de 2023

Por Michelle Carvalho*

Há preponderância do eurocentrismo na Psicologia, isso expõe a negligência dessa área para com os traumas causados pelo racismo em sujeitos negros, uma vez que se reflete na ineficácia do atendimento psicológico dessas pessoas. Realizei assim, um levantamento bibliográfico acerca da produção científica sobre os impactos do racismo na saúde mental da população negra no Brasil, evidenciando os aportes da área da psicologia, a fim de analisar essas contribuições e seus impactos na formação destes profissionais. Esses dados revelam que a Psicologia não tem se preocupado suficientemente com a problemática do racismo, bem como os impactos que ele causa no sujeito. É urgente que se ampliem os debates acerca desse impasse a fim de que os profissionais e sujeitos da psicologia estejam preparados para lidar com as demandas das realidades de pessoas negras no Brasil.

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A escravidão no Brasil mostrou-se uma instituição cuja crueldade se propagou e as suas consequências se estenderam até os dias atuais. Aproximadamente 130 anos depois do episódio da Lei Áurea que libertou os escravos no país, todavia a discriminação que os negros ainda sofrem hoje retratam um país que se construiu por meio da propagação do preconceito para com essa população.

O desejo de mudar a situação de marginalização quando surge a República, fez com que surgissem movimentos do povo negro em algumas regiões do Brasil. Evidentemente, o movimento negroera um tema pouco explorado pela historiografia brasileira na década de 1980. No entanto, esse panorama vem se alterando, sem, contudo, deixar de suscitar algumas peculiaridades.

Há de se observar que, na atualidade, o engajamento da população negra no Brasil na busca pela concretização de seus direitos vem ganhando maior visibilidade. É nesse cenário que a discussão de temas raciais tem aberto perspectivas para inúmeras reflexões acerca da situação do negro numa sociedade intolerante e racista como a sociedade brasileira.

A importância de ressignificar discursos enraizados tendem a auxiliar que os indivíduos se reconheçam nesses novos significados, a fim de requerer novas ações e novas práticas sociais. Nessa expectativa, a história é um elemento importante para a distinção do Movimento Negro dos outros movimentos sociais, até porque para se constituir, ele necessitou recorrer à negação da história oficial para reconstruir a trajetória do povo negro no Brasil. Essa reconstituição promove a luta desse contingente contra o racismo intrínseco na estrutura social brasileira.

Partindo do princípio de que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, acentua-se nessa afirmação a despreocupação antiga dos governantes com o caminho percorrido e a percorrer pelos descendentes africanos. Nesse sentido, Ângela Marques da Costa, em ‘A violência como marca: a pesquisa em história’, diz que “o Estado apropria-se da História, controla e manipula o entendimento do processo histórico, confunde a noção de temporalidade e impinge o esquecimento. Garante, assim, a continuidade do mesmo sistema sob nova e atual roupagem: sem escravos e, logo depois, sem rei. Para dominar, há que se tornar senhor da memória e do esquecimento”.

É perfeitamente observável que os resquícios da sujeição do povo negro ainda se faz presente nos dias de hoje por meio do racismo que afeta imensuravelmente esses indivíduos. Essa condição de inferioridade, tão reforçada por teorias de cunho racistas, determina a estereotipia negativada da população negra, cujas especificidades como cultura, crença e traços fenotípicos sejam relegados à condição de rebaixamento em relação à privilegiada raça branca.

O desprestígio do negro é corroborado por atitudes de opressão a que ele, constantemente, é submetido em diversos ambientes sociais. Esse abuso traz inúmeras consequências para a saúde mental do negro. Nesse contexto, vale ressaltar a importância da abordagem psicológica para o indivíduo que, constantemente, tem sua subjetividade violentada. Dessa forma, ao se discutir sobre a saúde mental dos negros, dois fatores primordiais devem ser considerados: a identidade e a autoestima. A ausência de referenciais identitários valorizados socialmente refreia o negro à situação subalterna que o leva a se anular ou a reivindicar um ideal de ego branco. Doenças como a depressão, a síndrome do pânico, o alcoolismo, entre outras, são diagnósticos que podem aparecer com o advento da discriminação racial.

Em texto publicado em 2003, Kabengele Munanga adverte que as vítimas da discriminação não recebem os cuidados necessários da Psicologia clínica. Ele acredita que a Psicologia brasileira tem muito a produzir de conhecimento sobre o racismo e suas consequências na estrutura psíquica tanto das pessoas alvo quanto dos propagadores do racismo. Levando- se em consideração o forte impacto do racismo na saúde mental, como reconhecido pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde, e sua aparente invisibilidade como elemento importante na construção do sofrimento psíquico negro, o presente trabalho tem como objetivo geral fazer um levantamento e mapear o que foi publicado sobre o tema no Brasil. Como objetivo específico, buscou-se verificar a contribuição que a Psicologia tem dado para esse debate.

Essas pesquisas são importantes instrumentos para fundamentar a prática do psicólogo para que ele seja capaz de agir não somente no atendimento da elite, mas para que consiga atender a massiva população marginal que adoece e morre sem que os órgãos governamentais priorizem diligenciar soluções para essa causa nobre. E visto a necessidade do acolhimento e da notoriedade de um local de escuta para pessoas pretas, iniciamos o projeto de uma clínica psicológica especializada em atendimento racializado e afrocentrado, chamada Miicuida. Para além do atendimento prestado estar comprometido com a humanização destas pessoas, também buscamos estudar sobre psicologia africana para oferecer excelência integrando-se com a ancestralidade do sujeito.

*Michelle Carvalho é psicóloga, mestranda em Psicologia Analítica Junguiana (projeto sobre Mitologia Africana) e idealizadora da Clínica Psicológica Miicuida.

Para saber mais, ouça os dois episódios especiais do Papo Preto sobre saúde mental:

Papo Preto #102

Neste episódio, a jornalista Stela Diogo recebe Monica Santana, psicóloga clínica e mestre em Psicologia Social que atua no desenvolvimento socioemocional, principalmente da população negra e periférica. Elas discutem a importância do cuidado com a saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio e como entender o cuidado da mente como aliado aos cuidados do corpo em nossa existência.

Papo Preto #114

A jornalista Stela Diogo conversa com Nilson Lucas Gabriel, psicólogo, professor e pesquisador do psiquiatra e filósofo Franz Fanon, que discute em sua obra as consequências do racismo e do colonialismo no âmbito psicológico.

Leia também: ‘Para que as próximas gerações não sofram tanto, precisamos dar nome às nossas dores’, diz psicóloga

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