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Motoboy acusado de roubo é absolvido em mais um processo

Wellington Coutinho, de 24 anos, foi acusado em cinco processos, sendo que em dois ele já foi absolvido. Em um, o jovem ainda aguarda sentença e nos demais ele foi condenado a quase 20 anos
Imagem mostra um jovem negro com um óculos, aparelho nos dentes e uma corrente de prata no pulso

Foto: Arquivo Pessoal

10 de abril de 2024

O motoboy Wellington Coutinho, de 24 anos, foi absolvido em mais um processo no qual foi acusado de roubo de videogames na cidade de Poá (SP). A decisão é da 15ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e foi publicada no dia 26 de março deste ano.

A sentença se refere a um roubo ocorrido no dia 5 de março de 2023, por volta das 16h45, após um homem e sua esposa, identificados como Paulo Sérgio* e Rafaela*, marcarem um encontro com o perfil “Jogador Hary” no Facebook para vender um videogame. Ao chegar no local, em Itaim Paulista, Paulo Sérgio* foi abordado por dois homens, sendo que um deles estava armado, e também teve o celular e dinheiro roubados.

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Porém, no mesmo dia e horário, Wellington estava em um encontro com o casal Érica* e Kleber*, que teve um videogame roubado da mesma maneira no dia 3 de março de 2023. A reunião foi marcada depois que Érica* viu que Wellington seguia o perfil na rede social e o achou parecido com um dos criminosos.

Mesmo estando em outro local no mesmo dia e horário, o motoboy Wellington Coutinho foi acusado em cinco processos por roubo. Vítimas alegam que uma tatuagem do motoboy seria característica do autor do roubo. Já os familiares e a defesa de Wellington citam que ele foi confundido com um suspeito de assalto que teria uma aparência semelhante a dele.

Dos cinco processos, ele foi absolvido em dois, um ainda aguarda sentença e em outros dois ele foi condenado a penas que somam quase 20 anos.

Absolvição

No entendimento da juíza Manoela Assef da Silva, as provas apresentadas contra Wellington não comprovam o envolvimento dele nos crimes já que nada de ilícito foi encontrado com ele, além do fato da polícia ter tido acesso às fotos de Wellington através da vítima Érica* e não por investigação própria.

Segundo o processo, ao qual a Alma Preta Jornalismo teve acesso, Érica* quem levou a fotografia de Wellington na delegacia e apontou a sua tatuagem como uma característica do autor do roubo.

Ela resolveu fazer uma busca pelas pessoas que seguiam o perfil “Jogador Hary” no Facebook depois que ela e o namorado, Kleber*, foram roubados no dia 3 de março. Ao olhar a conta do suposto comprador, ela encontrou o perfil de Wellington, que achou parecido com um dos criminosos.

“O único elemento de prova do relatório ainda é o fato do réu seguir o perfil falso ‘Jogador Hary’ no seu Instagram; ou seja, esse relatório não apresenta nenhuma informação adicional concreta que comprove a autoria do réu nos fatos em questão”, destaca um trecho da sentença de absolvição.

A decisão também traz um depoimento de Wellington em uma das audiências em que ele argumentou que seguia muitas contas no Instagram porque participava de sorteios nas redes sociais e não sabia quem era o dono da página.

Ele negou envolvimento nos crimes e chegou a relatar: “Não estou aguentando mais. Eu sou inocente, trabalhador. Já estou a ponto de tirar minha vida porque não sei mais o que fazer para provar minha inocência”.

Reconhecimento sem requisito previsto em lei

A magistrada também justifica que o reconhecimento pessoal de Wellington não seguiu o requisito previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, já que o motoboy foi colocado ao lado de pessoas que não eram semelhantes a ele.

Em um trecho da decisão, a juíza Manoela Assef da Silva cita que, inicialmente, os depoimentos das vítimas Paulo Sérgio* e Rafaela* na polícia não detalham características prévias dos assaltantes, que seriam essenciais para verificar se a pessoa identificada condiz com o perfil de Wellington.

Defesa alega irregularidade no reconhecimento pessoal de Wellington Coutinho. (Reprodução/Arquivo 50º D.P.)

No processo, também foi comprovado que o casal Érica* e Kleber* já havia visto o motoboy nas redes sociais e o encontrado pessoalmente antes de efetuar o reconhecimento em solo policial.

“Portanto, verifica-se que ambos já possuíam convicção de que o Wellington era o autor dos roubos antes do reconhecimento e já estavam familiarizados com sua aparência de outros momentos que não a sua memória do dia do crime”, cita a juíza.

Além disso, as vítimas Érica* e Kléber*, que deram origem à investigação contra Wellington, relataram em uma das audiências que ficaram em dúvida sobre o envolvimento do motoboy no roubo após verem as fotografias de um rapaz que teria uma aparência semelhante a dele. “Portanto, a primeira conexão do réu ao crime em questão se demonstra excessivamente tênue”, argumenta Assef.

Destaca-se também que o rapaz apresentado pela defesa como semelhante a Wellington possui vínculo de amizade com Gustavo*, preso e condenado por crime cometido com o mesmo modus operandi. À polícia, Gustavo* negou conhecer Wellington e as investigações também não identificaram nenhuma relação, nem mesmo social, entre ambos.

Tatuagem

Sobre a tatuagem, a juíza Manoela Assef argumenta que um policial civil confirmou que as fotos de Wellington foram expostas às vítimas Paulo Sérgio* e Rafaela* antes da realização do reconhecimento pessoal do motoboy.

A juíza chama atenção que outras tatuagens do motoboy não foram citadas nos depoimentos das vítimas já que Paulo Sérgio* disse que Wellington estava sem camisa no momento do roubo, no dia 5 de março de 2023.

“As vítimas relataram que durante o roubo o réu estava sem camisa, no entanto, todas somente se lembraram da tatuagem do cifrão e nenhuma outra tatuagem do réu Wellington, que possui várias evidentes, inclusive no pescoço e barriga”, pontua a magistrada.

Apesar da absolvição, Wellington Coutinho continua preso no Centro de Detenção Provisória de Mogi das Cruzes por causa dos demais processos. À reportagem, a advogada de Wellington, Amanda Borges, informou que os dois processos em que ele foi condenado estão em sede de apelação em busca de reverter a decisão.

Relembre o caso

O motoboy Wellington Coutinho, de 24 anos, foi acusado de roubo em cinco processos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Familiares e a defesa de Wellington Coutinho alegam que ele foi confundido com um suspeito de assalto em Poá (SP), que teria uma aparência semelhante a dele, e que uma tatuagem teria sido a justificativa para determinar a sua prisão.

O processo começou com um caso ocorrido no dia 3 março de 2023, quando um casal, Érica* e Kleber*, foi roubado após cair em um golpe na internet. Uma das vítimas anunciou a venda de um videogame no marketplace do Facebook e marcou um encontro, por volta das 20h30, com o suposto comprador, identificado como “Jogador Hary”, na Cidade Kemel, bairro que integra os municípios de Poá, Ferraz de Vasconcelos, Itaquaquecetuba e São Paulo.

Ao chegar no local em um carro, o casal foi abordado por dois homens, sendo que um deles estava armado, e tiveram os pertences roubados, inclusive o videogame.

Com a situação, Érica*, namorada da vítima, resolveu fazer uma busca pelas pessoas que seguiam o perfil do falso comprador no Facebook até que encontrou o perfil de Wellington, que ela achou parecido com um dos criminosos. Durante as buscas, ela viu que um primo do namorado conhecia Wellington e pediu que ele mediasse um encontro entre eles.

No dia 5 de março, eles se reuniram por volta das 16h em uma adega para conversar e saíram de lá quase duas horas depois. Ao mesmo tempo, outro roubo atribuído a Wellington acontecia na Rua Desembargador Jonas Coelho Vilhena, na Cidade Kemel, por volta das 16h30, segundo declaração da própria vítima do roubo na delegacia.

No dia do encontro, o casal ficou frente a frente com Wellington e pediu que ele devolvesse os pertences roubados. Na ocasião, o motoboy negou ter cometido o crime, chegou a receber ameaças e foi embora.

Não convencidas, as vítimas registraram um Boletim de Ocorrência no dia 11 de março e o depoimento em sede policial só ocorreu um mês após o crime, no dia 4 de abril de 2023.

Durante a investigação, a Polícia Civil do 50º Distrito Policial (DP) de Itaim Paulista identificou outros quatro crimes semelhantes ocorridos no mesmo mês e endereço.

No relatório de investigação, o 50º DP descreve que a apuração nas redes sociais foi iniciada pela polícia e feita com base em características narradas pelas demais vítimas sobre os autores do roubo, sendo “um deles, de pele parda, ostentava um ‘cifrão’ tatuado em sua mão esquerda”. No entanto, Érica* quem teria levado a fotografia de Wellington na delegacia e apontado a sua tatuagem como uma característica do autor do roubo.

A polícia, então, relacionou Wellington aos roubos registrados e convocou as vítimas a reconhecerem o jovem através da foto obtida por Érica* na internet. Wellington não possuía ficha criminal e nunca teve registro na polícia.

Os boletins de ocorrência indicam que nenhuma das vítimas tinha mencionado tatuagem ou qualquer característica dos assaltantes. Essa informação só aparece nos termos de depoimentos, depois que as vítimas já foram expostas às fotos.

Além disso, imagens do reconhecimento pessoal mostram que Wellington foi submetido ao processo junto de pessoas que não eram semelhantes a ele, incluindo um homem branco e alto.

Com base no depoimento das vítimas e sem apresentar demais provas, a Justiça associou Wellington a cinco casos ocorridos nos dias 3, 5, 13, 15 e 18 de março, sendo este último uma tentativa de latrocínio.

Wellington foi preso no dia 25 de maio durante o cumprimento de um mandado de prisão. Segundo Boletim de Ocorrência, nada de ilícito foi encontrado com ele.

Familiares e a defesa ainda afirmam que Wellington foi confundido com um amigo de Gustavo*, preso e condenado por um crime ocorrido com o mesmo modus operandi e que negou conhecer o motoboy. O rapaz é apontado como suspeito de praticar crimes na região de Poá e possui características físicas semelhantes a de Wellington: negro, com mesmo corte de cabelo alisado, dentes com aparelho, magro e com tatuagens.

Em um dos processos, a advogada Amanda Borges mencionou o caso do médico baiano Perseu Almeida, que foi morto no Rio de Janeiro após ser confundido com um miliciano que tinha a mesma aparência que ele.

“Aparentemente, podemos alegar que é mais fácil colocar um inocente confundido por semelhança com alguém atrás das grades, lhe imputando diversos delitos, do que investigar alguém solto que continua cometendo diversos delitos?”, questionou a advogada.

“O que eles deveriam ter feito é chamar todas as vítimas novamente com um quadro com a foto do Wellington e do menino que parece com ele para ver se as vítimas ficariam na dúvida, que foi o que aconteceu com a Érica* na última audiência, que quando viu a foto dos dois disse que não conseguia reconhecer quem era”, explica a advogada Amanda Borges.

No processo, não há menção se o rapaz parecido com Wellington foi investigado.

*Nomes fictícios utilizados como forma de preservar a identidade das pessoas citadas.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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