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Ciclo Afro aproxima educação, literatura e música na Feira do Livro de Bogotá

Temáticas foram discutidas durante o quarto dia da FILBo, na Colômbia; a Alma Preta está no local e faz a cobertura do evento
A escritora Cidinha da Silva fala durante painel na Feira Internacional do Livro de Bogotá, na Colômbia, 25 de abril de 2024

Foto: Pedro Borge/Alma Preta

26 de abril de 2024

O quarto dia de atividades do Ciclo Afro, que ocorre dentro da programação da Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo), reuniu artistas, escritores, professores e pesquisadores para debater as experiências negras de Brasil e Colômbia. Durante toda a quinta-feira (25), os debates e apresentações aproximaram educação, literatura e música.

A primeira atividade foi mediada por Daniela Ibarguen, com a apresentação do músico, tamboreiro e educador, Essehomo Pino, que contou como o tambor tem uma forte representação para as culturas afro, tanto no sentido das festas, quanto na parte espiritual. O tema do debate foi: “As culturas afro como elementos civilizatórios”.

Pino contou que os tambores são compostos por quatro espíritos. O primeiro, representado pela madeira, diz respeito à natureza. O couro do instrumento é o segundo, de característica animal, enquanto o terceiro é formado pelas cordas, com uma conexão com o ar e a água. O quarto é a possibilidade da conexão da vida do agora com os espíritos. 

Para encerrar, o músico propôs uma atividade com o público, que simulava o ritmo de músicas afro-colombianas. Um grupo, formado por cinco crianças e adolescentes, dividiu-se entre as batidas sugeridas, que eram executadas com a voz, e ao final formavam um som de origem negra da região do Pacífico colombiano.

O temboreiro Essehomo Pino participa de painel da Feira Internacional do Livro de Bogotá, na Colômbia, em 25 de abril de 2024
O temboreiro Essehomo Pino participa de painel da Feira Internacional do Livro de Bogotá, na Colômbia, em 25 de abril de 2024 (Pedro Borges/Alma Preta)

Na sequência, ainda na parte da manhã, houve a discussão “Literatura e a Produção de Novos Imaginários Políticos”, com a participação da escritora brasileira Cidinha da Silva, que iniciou o debate com a leitura de dois trechos da sua recente obra “Um Exú em Nova York”. A mediação do debate foi de Diana Castro.

Cidinha da Silva sinalizou Exú, orixá fundamental para as religiões de matriz africana, como regente da sua palavra, para então contar que a literatura da diáspora é marcada por ter sido feita com poucos recursos e ter conseguido grandes obras.

Para ela, essa é também uma obra que tem a possibilidade de “transpor grandes fronteiras”, porque a história da diáspora se iniciou com processos migratórios forçados, em referência ao tráfico de seres humanos durante o período colonial. “Só estamos aqui porque nossos antepassados foram retirados do continente africano de maneira forçada. Levadas sem saber o que iam fazer e para onde iam”, disse,

Outro participante do diálogo foi Javier Cassiani, que abordou sobre o imaginário literário construído na Colômbia sobre grandes nomes da literatura do país, como Gabriel García Marquez, em detrimento de outros autores afro-colombianos.

Participantes escutam painel do Ciclo Afro durante a Feira Internacional do Livro de Bogotá, na Colômbia, em 25 de abril de 2024
Participantes escutam painel do Ciclo Afro durante a Feira Internacional do Livro de Bogotá, na Colômbia, em 25 de abril de 2024 (Pedro Borges/Alma Preta)

Ele destacou o apagamento acerca da figura de Manoel Zapata de Oliveira, importante nome na luta contra o racismo do país. De acordo com o relato de Javier Cassiani, o autor ouviu que o seu livro não se tornaria popular e seria dedicado para alguns estudos. 

Para Javier Cassiani, Manoel Zapata de Oliveira poderia ter se popularizado em toda a América Latina, como outros cânones da literatura colombiana, caso de Gabriel García Marquéz. Ele acredita que o país nega a construção de imaginários políticos dos afro-colombianos e cita como exemplo o fato da obra de Zapata ter sido traduzida apenas após a sua morte.

‘Essa ideia de civilização e progresso foi um dano para a Amazônia’

Na parte da tarde, as discussões se voltaram para o tema de formação de jovens e professores. Às 14h, com mediação de Munah Malek, Erinaldo Cavalcanti e Sandra Rodriguez, refletiram com o público sobre “Escola Básica, História, Currículo e Relações Étnico-Raciais”.

Erinaldo Cavalcanti falou sobre os desafios adotados pelo Brasil para construir uma ideia de nação depois da independência do país, e como o Colégio Pedro II teve um papel determinante neste caminho.

O expositor contou que as elites brasileiras construíram uma narrativa de civilização que tinha como horizonte a europeia. Para ele, o Brasil seria como um desdobramento da história europeia nos currículos educacionais do país. Até hoje, a maioria das obras de história geral tem como enfoque a Europa e, mesmo quando se aborda a África e os povos indígenas, é a partir do contato com os europeus.

“Os professores na formação só encontram o Brasil quando os portugueses encontram o Brasil”, afirmou.

Sandra Rodriguez apresentou a experiência de produção do livro “Ensino de História e formação docente na formação pan-amazônica: panorama de pesquisa, diálogos e reflexão”. A obra tomou quatro anos para ser finalizada, contém mais de mil páginas e foi um trabalho bilíngue, em português e espanhol, com a participação de pesquisadores de Brasil, Equador, Venezuela, Colômbia e Peru.

Ela falou dos desdobramentos dos conflitos nas regiões amazônicas por conta das questões fundiárias de Portugal e Espanha e da necessidade de preservação desse território para a manutenção da vida humana. “Essa ideia de civilização e progresso foi um dano para a Amazônia”, afirmou.

Desafios da educação antirracista

O debate de fechamento do dia foi “Educação Antirracista: desafios permanentes”, com Nicelma Joselina Costa e Felipe Alex Cruz, com mediação de Vilma de Nazaré Baía. A abertura da discussão ficou com Nicelma Costa, que afirmou existir um longo caminho de mobilização para Brasil e Colômbia na adoção de práticas comprometidas com o antirracismo a longo prazo, com potencial de alterar as desigualdades existentes nas duas nações.

Para ela, é fundamental que seja construída uma expectativa de futuro para a juventude negra em ambos os países, e acredita que instrumentos como o Ministério da Igualdade Racial e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), órgão ligado ao Ministério da Educação, são ferramentas importantes para superar esses desafios.

Da esquerda à direita, o pesquisador Felipe Alves Santiago Cruz, a mediadora Wilma de Nazaré Baía Coelho e a professora Nicelma Josenila Costa de Brito, durante painel da Feira Internaiconal do Livro de Bogotá, na Colômbia, em 25 de abril de 2024
Da esquerda à direita, o pesquisador Felipe Alves Santiago Cruz, a mediadora Wilma de Nazaré Baía Coelho e a professora Nicelma Josenila Costa de Brito, durante painel da Feira Internaiconal do Livro de Bogotá, na Colômbia, em 25 de abril de 2024 (Pedro Borges/Alma Preta)

Felipe Alves Cruz iniciou sua fala com uma citação a Paulo Freire para afirmar que a educação brasileira e na região precisa ir além do padrão tradicional, de uma concepção cartesiana. Como exemplo, citou a educação durante o regime militar, com uma educação voltada para o desenvolvimento de “competências”.

A educação antirracista, por outro lado, foi reivindicada por grupos do movimento negro, que passaram a questionar a formação oficial de jovens e professores. Ele citou a pesquisadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva como uma referência para a criação de novos paradigmas para o pensamento crítico de estudantes negros.

Por fim, Cruz lamentou os retrocessos que ocorreram no Brasil depois do golpe institucional contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, e o esvaziamento de espaços importantes para pessoas negras. Um dos exemplos apresentados foi a extinção do Ministério da Cultura durante a gestão do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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