Em 19 de junho, Dia do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura promoveu um ato em homenagem às produções brasileiras. Entre os filmes selecionados para o material, um chama a atenção: “Levante”. O drama, de 2023, dirigido por Lillah Halla, que também assina a roteirização ao lado de Maria Elena Móran, é protagonizado pelas atrizes Ayomi Domenica, Loro Bardot e Grace Passô.
O filme não se destaca apenas por ser um dos trabalhos mais recentes em meio a clássicos do cinema brasileiro, mas por retratar uma história significativa em meio à conjuntura política e social atual. A obra conta a história de Sofia, personagem interpretada por Ayomi Domenica, uma jovem atleta de 17 anos que, em um momento decisivo de sua carreira como esportista, descobre uma gravidez.
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A primeira reação da protagonista é interromper a gestação de forma clandestina, mas encontra desafios ao cruzar com um grupo fundamentalista disposto a impedir o ato. A sinopse do longa afirma que a obra “aborda o direito da mulher sobre o próprio corpo e de escolha”.
Lançado em 2023, o filme ganhou força e passou a ser reproduzido novamente em algumas salas de cinemas e universidades em meio a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio. A pena proposta pelo projeto, que pode chegar a 20 anos para a mulher, é considerada desproporcional em relação à pena do estuprador, que é de no máximo dez anos.
A Alma Preta Jornalismo, em conversa com a atriz Ayomi Domenica, aprofundou-se nos bastidores do longa-metragem e aproveitou para conhecer mais o trabalho da também empresária, DJ e modelo, além de seus planos para o futuro.
Ayomi Domenica: ‘Quero mais trabalhos de arte que sejam políticos’
No início de junho, Ayomi esteve no Los Angeles Latino International Film Festival (LALIFF), evento que celebra a cultura latina por meio do cinema, música, artes visuais e mais, para apresentar a história de Sofia em “Levante”. Para a atriz, a experiência representou um “grande momento”.
“Desde que comecei a trabalhar no audiovisual desejo trabalhos assim. Ainda quero mais trabalhos assim, trabalhos de arte, que sejam políticos e que me deem espaço para trabalhar também com protagonismo, que é muito bem-vindo — e que desejo mais, inclusive”, compartilhou a atriz, ao ser questionada sobre a sua primeira protagonista de destaque.
“Levante” não só impactou o público que teve a oportunidade de assistir o drama, mas também a vida de todos os envolvidos à frente e atrás das câmeras: “Gravar esse filme, com respeito e liberdade, foi muito importante para mim. E eu sabia que estava fazendo um ótimo trabalho, assim como todas as outras pessoas também. Então foi uma super tomada de autoestima, artística e profissional que foi e está sendo muito importante para mim. E isso trouxe muito resultado”, destacou a atriz.
O trabalho de fato trouxe resultados. Além da apresentação no LALIFF, o material dirigido por Lillah Halla foi reconhecido com prêmios na Alemanha, Canadá, Cuba, Espanha, França, Holanda, Suíça e no Brasil, em categorias que reconhecem o desempenho do elenco, da produção e do resultado final.
Temática exigiu preparo: ‘Ainda há muito tabu e medo sobre o assunto’
Falar de um assunto delicado como o aborto e a gravidez indesejada, no contexto político e social do Brasil atualmente é uma grande responsabilidade e Ayomi reconhece isso: “As pessoas olham para esse filme como um dos que melhor falam sobre o assunto [do aborto]. Ele está sendo exibido em tudo quanto é canto para falar sobre esse assunto e falar de uma forma bem feita”.
Quando “Levante” foi filmado, Domenica tinha apenas 22 anos. Ela contou que foi preciso acompanhamento psicológico e estudos por meio de matérias jornalísticas e documentários. A atriz diz que, inclusive, criou uma playlist para a personagem e escreveu materiais “como Sofia”, de modo que pudesse se sintonizar com a personagem.
“Não me aprofundei tanto em histórias de outras pessoas para não me conectar e, de repente, inconscientemente, reproduzir alguma coisa que não seja a minha história”, revela, tendo consciência de que é algo que poderia acontecer, inclusive, consigo mesma.
Ainda assim, essas histórias chegaram até a intérprete. “Por onde a gente passa, as pessoas se sentem muito à vontade de compartilhar histórias pessoais. Isso revela que ainda há muito tabu e muito medo em volta do assunto”, diz Domenica.
A atriz compartilhou um momento marcante desse processo. Ela conta que em uma das sessões no Festival do Rio houve uma dinâmica em que as luzes foram apagadas para as pessoas se sentirem mais confortáveis. Em seguida foi pedido aos presentes que quem já abortou ou conhece alguém que já fez o procedimento, ou passou por algo parecido em sua vida, acendesse a luz do celular: “Praticamente o cinema todo estava com as luzes acesas; você não sabe, mas uma pessoa ao seu lado já passou por isso ou conhece quem já passou por isso”.
Para além de ‘Levante’, a carreira, referências e um sonho
Sucesso nos cinemas, Ayomi prioriza trabalhos com subjetividade negra e leva sua interpretação para outros espaços, como os palcos do teatro. Recentemente, a atriz esteve em exibição com a peça de coro “Mutação de Apoteose”, seu primeiro trabalho com a companhia Teatro Oficina Uzyna Uzona, ao qual demonstrou muita admiração e atribuiu o ensinamento de que o teatro está em todos os lugares.
Domenica também encenou o rito cênico Bori, uma homenagem à ancestralidade preta do Teatro Oficina, que revisita grandes nomes como Denise Assunção, Sandy Celeste, Surubim e outros nomes que deixaram um legado artístico para a geração atual de atores e artistas.
A atriz também compartilhou uma série de referências em uma lista multifacetada, assim como ela: Grace Passô, da companhia Os Crespos, Naruna Costa, Lázaro Ramos, Viola Davis, Michaela Coel, Karine Teles, Beyoncé, Rihanna, Blue Ivy, Willow Smith, Miles Davis, Michael Jackson, sua mãe (Eliane Dias) e o seu pai (Mano Brown), além de seu irmão (Jorge Dias), suas avós, Sueli Carneiro e Angela Davis.
Descontraída, Ayomi despistou sobre seu futuro: “Esperem tudo de mim e não esperem nada de mim! (risos)”. Apesar de não dar muitos detalhes sobre o que esperar daqui para frente de sua carreira, a atriz revelou o forte desejo de escrever, dirigir e protagonizar um filme ou uma série: “Tenho referências de pessoas que fazem isso, então eu vou fazer!”, disse confiante.