Paris – O rio Sena correu o mundo na última sexta-feira (26) ao protagonizar a primeira abertura olímpica fora de um estádio.
Sem a mesma repercussão e de maneira mais discreta o flume abriga às suas margens — a mais de 20 km do centro de Paris — a fan fest das nações africanas, batizada de Station Afrique (Estação África, em tradução livre).
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O evento acontece diariamente no centro esportivo Robert-César, na cidade L’Île-Saint-Denis (Ilha de Saint-Denis, em tradução livre), parte da região metropolitana da capital francesa. O local tem geografia peculiar, por se tratar de uma estreita porção de terra que divide o fluxo do rio em duas partes.
O pequeno município tem cerca de 8.500 habitantes mas, apesar do tamanho, acomoda cidadãos e imigrantes de 85 nacionalidades diferentes.
“Durante os Jogos Olímpicos, existem vários eventos complementares e todo o mundo está reunido em Paris, é uma oportunidade para reunir os países africanos e nós temos muitos visitantes do Estados Unidos e agora mesmo eu acabei de receber uma pessoa que veio da Croácia, por exemplo”, relata Solomon Ogbaji, engenheiro químico nigeriano, residente em Paris e que também é líder da Associação de Nigerianos em Diáspora.
Ao contrário dos prédios históricos e suntuosos que circundam os 6 km de trajeto da cerimônia de abertura parisiense, a paisagem local é pacata e familiar. Há mais vegetação ao longo do curso do rio e fica nítido um volume maior de pessoas de origem africana e árabe ao caminhar por lá.
A fan fest traduz essa mesma imagem. O local é dividido em das partes, uma esportiva e outra cultural. A primeira com um telão, no gramado do de um campo de futebol, com cadeiras de praias e guarda-sóis, para acompanhar os Jogos.
Ali diversas crianças têm espaço para jogar bola, quadras para jogar basquete, brinquedos infláveis, brincadeiras aquáticas. Alvos com arcos de brinquedo também atraíam a atenção dos mais jovens.
Mado Niang, uma enfermeira de 51 anos, acompanhava a festividade por ali de forma tranquila e tentava se proteger do sol ao lado do marido e de uma sobrinha. “A equipe do Brasil de Judô está na minha cidade, Sainte-Geneviève-des-Bois”, afirmou animada em entrevista para a Alma Preta.
Niang falante de francês, pediu ajuda a sua filha por telefone para traduzir a conversa do inglês para o francês. “Aida, você vai falar com um jornalista brasileiro”, brinca. Para estar no evento, ela percorreu um trajeto de aproximadamente 60 km (cerca de uma hora de carro). “Saint-Denis é um lugar diverso, a festa aqui é muito boa”.
O evento é idealizado pela prefeitura local em parceria com a Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais de África, ANOA, que busca também divulgar os jogos da juventude que acontecem em Dacar, Senegal, em 2026.
‘Nosso orgulho é a força da diversidade‘
Na segunda parte, do outro lado do complexo esportivo municipal, algumas barracas acomodam associações e um ginásio disponibiliza conferências regulares para o público. Além disso, uma praça de alimentação com comidas de diversas culturas aplaca a fome das famílias presentes.
A grande atração do espaço é a área cultural com um conjunto de tendas, cada uma representando um país, e um grande palco para apresentações artísticas.
Cada tenda apresenta produtos e obras de arte das mais diversas, como roupas, esculturas, bandeiras, produtos naturais em geral e muitas pessoas dispostas a conversar.
“A melhor coisa sobre a Nigéria é a nossa força em nossa diversidade. A Nigéria é uma país diverso. Você tem muitas etnias no país, é algo em torno de 350 etnias, fala-se diferentes dialetos e, claro, há muitas mentalidades, mas é exatamente essa diferença que faz nossa força”, explica o engenheiro Solomon Ogbaji, representante na tenda nigeriana, que recebia orgulhoso todos os visitantes do local.
O espaço expunha bebidas tradicionais da Nigéria, roupas de vários estilos e tecidos coloridos que podem ser vistos de longe. Na tenda marroquina, diversas bolsas, sapatos, louças e joias enfeitam a paisagem de marrom. A tenda do Quênia também exibia tecidos, incensos e um pequeno espaço de convivência muito receptivo aos visitantes.
“Temos países africanos se reunindo neste espaço para promover sua cultura, nossas danças e festividades, como nós vivemos hoje e como nós vivemos no passado. Você pode ver pelas diferentes pessoas, pelas diferentes comidas e pelos diferentes estilos o quão rico o continente é”, explica o queniano Evans Mbugua, um dos representantes da tenda de seu país.
Mbugua é designer e veio de Londres especialmente para os jogos. Para ele, o país tem muito mais a oferecer além de seus aspectos culturais. “O melhor que o Quênia pode oferecer são os nossos atletas. Os nossos atletas têm paixão e muito amor e eles nos deixam muito orgulhosos. Eu estou animado por ver Faith Kipyegon, ela é uma rainha. Recordista. Ela quebra um recorde atrás do outro. Ela é uma mulher muito humilde”, afirma.
Cerca de 26 nações estão envolvidas no espaço, entre elas destacam-se Marrocos, Nigéria, Argélia, Quênia, Angola, Costa do Marfim, Senegal, Tanzânia e o Mali.
Cada dia de festa tem um país diferente como tema, sendo a Guiné a escolhida da vez no último domingo (28). A nação convidou artistas tradicionais e populares para apresentações musicais no palco principal do local.
“O que é interessante aqui é que todos somos da África e estamos nos reunindo em um país que não é africano. Estamos na diáspora. Há muitos africanos fora na diáspora. E é muito importante podermos fazer com que os atletas engajem com os africanos que estão na diáspora”, reflete Evans Mbugua.
Uma oportunidade única
Além das atrações culturais, o evento deve receber autoridades e atletas africanos presentes nas Olimpíadas. A festa começou no dia 20 de julho e se estende até o dia 11 de agosto, e espera receber um volume diário de 1.300 pessoas, que seguem animadas pela possibilidade de viver os Jogos de perto.
Outtara Malahi, um motorista de 37 anos, vive em Paris desde 2017, se diz feliz em ver este momento da cidade. “Eu estou aqui a semana toda, eu trago minhas filhas para ver o que as equipes [olímpicas] estão fazendo. Eu quero ver futebol e atletismo, as competições de corridas. Eu gosto dos atletas jamaicanos e estadunidenses”.
“Nos Jogos Olímpicos na França a gente tem o privilégio de seguir tudo. É formidável pra gente enquanto franceses viver todos esses eventos, sobretudo em Paris. Eu moro há 20km de Paris então não é muito longe. Isso nos permite ir a diversos lugares, participar e olhar”, explica Mado Niang. Nascida na França, ela tem origem senegalesa.
Já o malinense Fodie Traore se sente animado pelo ineditismo dos jogos em território francês. “É legal ter as Olimpíadas em nosso país, porque quando eu assisti pela TV em Tóquio, em Sidinei, Pequim, o fuso horário era diferente. Agora é na França. Quando é três da tarde, é três da tarde. E eu gosto porque você pode ver diferentes pessoas, de diferentes lugares e é legal ser bem-vindo por todos”, afirma.