No próximo domingo (6), o eleitorado da cidade do Rio de Janeiro escolherá seus representantes da Câmara Municipal para os próximos quatro anos. Na capital, um dos territórios brasileiros com maior presença de pessoas negras, a vereadora Monica Cunha (PSOL) é uma das candidatas para representar a população negra fluminense.
Com uma caminhada de duas décadas de militância pelos direitos humanos, a parlamentar fundou, em 2003, o Movimento Moleque, organização que presta auxílio para mães de crianças ameaçadas, atacadas ou mortas pela polícia, violência que atravessou sua própria história três anos depois. Monica Cunha perdeu seu filho, Rafael, de 20 anos, vítima da violência policial em 2006.
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Sua entrada na política institucional foi incentivada por Marielle Franco, na época integrante da Comissão de Direitos Humanos do Rio, a quem recebeu parte das denúncias de violência de estado organizadas pela candidata. Ela foi eleita como suplente em 2020 e tomou posse do cargo em 2023.
Autodenominado como “Bonde Antirracista”, o mandato da educadora social teve como prioridade a luta de familiares vítimas do estado, trabalhos de reparação e construção de memória da comunidade negra e atuações em prol da justiça social. Como vereadora, foi uma das responsáveis pela criação da Comissão Especial de Combate ao Racismo (CECOR) e por transformar a Comissão de Combate ao Racismo em uma política permanente.
Em entrevista à Alma Preta, a candidata explica que, para seu próximo mandato, pretende dar continuidade à fiscalização das políticas públicas implementadas pelo executivo do município.
Alma Preta: Quais são os maiores desafios que a candidata enxerga na cidade?
Monica Cunha: Os maiores desafios que eu enxergo para desenvolver a política que tenho não só como minha vida privada, mas como minha vida pública enquanto parlamentar, é o combate ao racismo. Porque as pessoas insistem em entender, hoje em dia pelo menos, que o racismo só acontece quando acontece algo grande. Alguma ação de alguém sendo espancado no meio da rua ou algum famoso sendo abordado em alguma loja, sendo xingado. E não é só isso, não é só essa forma de racismo que eu trato e que trago no meu mandato.
O racismo que eu trago dia a dia é o racismo que está implícito no ônibus que tu pega, na moradia que você tem, na educação que você não tem, sabe? No trabalho que não é igual, você não tem um salário igual à pessoa branca, sabe? No tratamento que as pessoas te dão quando você vai em alguma repartição pública. Então é o racismo cotidiano. Então as pessoas entenderem que o racismo é uma política feita junto com a construção dessa cidade, desse estado e desse país, essa é a minha maior dificuldade.
Alma Preta: Quais as principais propostas da candidata?
Monica Cunha: Primeiro, de verdade, é fiscalizar o executivo, a pessoa do prefeito, para que, de fato, as políticas que a gente construiu aqui dentro da Câmara de Vereadores se tornaram políticas públicas, sejam implementadas. Porque eu, antes de entrar aqui, minha maior briga era saber que existiam leis, mas que só no papel, que elas não são implementadas na prática. Eu não quero apenas fazer política e botar na rede social que consegui aprovar um projeto.
Quero que, de fato, as pessoas possam dizer ”eu estou exercendo essa política”, “eu estou usando o SUS no programa que a vereadora Monica Cunha fez”. Então, assim, políticas que realmente sejam exercidas pelo povo que votou na gente. Essa é a minha maior proposta para a minha continuidade enquanto vereadora nessa casa. Fazer que, de fato, essa cidade se torne uma cidade para a população do Rio de Janeiro viver.
Alma Preta: Nos últimos meses, a cidade do Rio tem tido uma forte discussão sobre a criação de protocolos para a proteção da comunidade escolar em dias de operações da polícia. Qual a perspectiva de atuação da candidata nesse sentido, caso seja reeleita?
Monica Cunha: Desde o dia que assumi, eu assumi já sabendo que o município, na pessoa do prefeito, mas também dos vereadores, tem responsabilidade nesses assuntos. Então eu vim também com essa voz para estar apontando, porque até então nunca vi nenhum vereador falando sobre isso, só falar que a violência do Estado é culpa do governador. E é mesmo, a responsabilidade maior é dele. Mas as coisas acontecem na cidade e ele tem que se colocar. Está dentro da gestão dele, enquanto prefeito dessa cidade, entender que crianças ficam sem aula, que profissionais não podem trabalhar por conta da violência estatal.
A minha ação nisso é continuar fazendo os ofícios, é de fato tentar esse diálogo mais próximo com essas esferas que são responsáveis, para ver se juntos podemos mudar, fazer algum projeto. Eu soube que existe uma política de segurança pública municipal, então eu quero me aprofundar mais para que de fato eu pegue isso como norte. A gente não pode viver todos os dias essa violência, essas operações, e só botar a culpa no Estado.
As crianças que vão para a escola municipal, não estão podendo ir porque são assassinadas, entendeu? Ou se não for assassinada, que é o ápice, ela não aprende porque ela tem problemas de saúde mental. Os familiares? A mesma coisa. Como é que esses familiares vão trabalhar e deixar as crianças na escola? Então a vida dos seres humanos é um inferno, por conta que os gestores públicos não se responsabilizam por essas ações.
Temos que ter, de fato, políticas voltadas para que essas pessoas tenham um bem viver. Porque o norte do meu mandato, do meu bonde, é trabalhar memória, verdade, reparação e justiça, e desta política eu não abro mão. Então é dessa forma que eu vou, de fato, me inserir na violência que acontece dentro das cidades.
Alma Preta: Como a vereança pode incidir na luta contra o racismo?
Monica Cunha: Mesmo sabendo que essas casas [legislativas] em sua maioria são de direita, a gente que está aqui dentro precisa dar a devolutiva para o povo, de como é essas casas. Porque de fato a gente tem os nossos projetos empacados que a gente não consegue deslanchar, porque todos são de direito e obviamente eles não concordam com o que a gente quer para o povo. Porque se concordasse, a gente não precisaria estar aqui.
Então primeiro é conscientizar que cada vez mais temos que botar a gente de esquerda, mas empurrar a esquerda para a esquerda, né? E botar pessoas negras. Isso não tem a menor dúvida, sabe? Porque eu digo sempre, estou aqui enquanto o mandato construindo uma cultura antirracista, então a gente precisa de mulheres que de fato vejam a necessidade de fazer projetos com consciência e pensando como é que uma outra mulher que não está aqui, que não é parlamentar, vai viver.