O histórico julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, réus pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mortos em março de 2018, deve ter um desfecho nesta quinta-feira (31).
A suspensão ocorreu apesar da expectativa gerada por um anúncio anterior da juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri da Justiça do Rio de Janeiro, que conduz o julgamento, acompanhado pela Alma Preta no auditório do tribunal.
No início da noite, Glioche anunciou que a decisão do júri popular aconteceria ainda na sessão iniciada na manhã da quarta-feira (30). Com o avançar da hora, o julgamento foi suspenso perto da meia-noite e marcado para ser retomado às 8h desta quinta (31).
A sessão de mais de 12 horas, transmitida ao vivo no YouTube, ouviu oito testemunhas, sendo seis chamadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e duas pelas defesas de Lessa e Queiroz. Os acusados participaram da sessão por videoconferência. Ambos falaram de dentro das unidades onde estão presos — Lessa, da Penitenciária de Tremembé (SP), e Queiroz, do Centro de Inclusão e Reabilitação, em Brasília.
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As testemunhas do MPRJ foram, na ordem de apresentação: Fernanda Gonçalves Chaves, ex-assessora de Marielle e sobrevivente do ataque; Marinete da Silva; mãe de Marielle; a vereadora Monica Benício (PSOL): viúva de Marielle; Ágatha Arnaus Reis, viúva de Anderson; Carlos Alberto Paúra Júnior, agente da Polícia Civil do Rio; e Luismar Cortelettili, também agente da Polícia Civil carioca. A perita criminal Carolina Rodrigues Linhares não compareceu, mas a gravação de um depoimento anterior foi exibida aos jurados.
Já as testemunhas de defesa, ambas de Ronnie Lessa, foram Guilhermo Catramby, delegado da Polícia Federal, e Marcelo Pasqualetti, agente federal.
Força e emoção de familiares, frieza e confusão dos assassinos
Ao longo dos depoimentos, os familiares das vítimas ouvidos foram questionados apenas pelos representantes do Ministério Público, que trouxeram questionamentos como o impacto afetivo, político e emocional dos assassinatos, a relação pessoal das testemunhas com as vítimas e a expectativa sobre o júri.
A escuta dessas testemunhas foi repleta de momentos de assertividade e intensa emoção que ecoaram também no auditório — com maioria de mulheres, principalmente negras —, composto por familiares e conhecidos das vítimas, convidados, jornalistas, funcionários e interessados que acompanhavam o julgamento.
Os familiares ouvidos diante do júri relataram a importância de Marielle e Anderson em suas vidas, descrevendo pessoas presentes, responsáveis afetivamente, profissionalmente promissoras e fundamentais em suas famílias. As imagens e mensagens de texto e áudio de ambos geraram momentos de forte emoção entre os presentes.
A escuta dos agentes, do delegado e da perita tiveram um conteúdo técnico de provas e descobertas das investigações sobre as circunstâncias dos crimes. A crueza dos dados apresentados foi ouvida de forma atenta pelos presentes, apesar da tecnicidade dos relatos.
Também motivo de muita emoção no auditório, mas principalmente de reações de dor e indignação foram os interrogatórios de Lessa e Queiroz. Lessa se destacou pela frieza e tranquilidade com que descreveu o planejamento minucioso dos brutais assassinatos. O executor dos disparos fez ainda longo desabafo pessoal, usou boa parte da fala descrevendo seus bens e fez um pedido de perdão. Entre os presentes, era palpável a incredulidade, além da dor e revolta.
Sensação semelhante tomou conta do auditório durante as falas de Queiroz, que dirigia o carro na noite dos assassinatos. Confuso e contraditório, o ex-policial-militar deu respostas constrangedoras para os promotores e assistentes de acusação e dolorosas para os familiares. Em vários momentos, Queiroz tentou minimizar sua participação nos crimes, alegou que não sabia o que aconteceria até pouco tempo antes dos disparos e gerou inquietação no auditório. Os representantes do MPRJ encurralaram o réu diante das respostas inconclusas. Antes das perguntas dos jurados, porém, a sessão foi suspensa.
Manifestações marcam início do julgamento
O julgamento foi assistido pelos familiares de Marielle e Anderson, incluindo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Ao lado da mãe, Marinete da Silva, do pai, Antônio Francisco da Silva e da sobrinha, Luyara Franco, a ministra concedeu uma coletiva em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro antes de se dirigir ao julgamento, no início da manhã da quarta-feira (30).
O Instituto Marielle Franco, com o apoio de movimentos sociais, realizou uma manifestação antes do início do júri popular para pressionar a Justiça pela condenação dos acusados. O ato teve início às 7h, seguido de uma caminhada. Com maioria feminina, o ato foi marcado por discursos e cartazes de mães de vítimas da violência do Estado, movimento marcado pela atuação da ex-vereadora no Rio. As vereadoras Monica Cunha (PSOL) e Thais Ferreira (PSOL) estavam no local, assim como o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL) e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo.