“Errare Humanum Est” pode ser traduzido literalmente como “Errar é humano”, mas também evoca a imagem de um ser errante, alguém que deseja explorar o desconhecido, descobrir novos lugares e viver a busca por seus sonhos. O novo filme de Fábio Meira, mesmo diretor de “As Duas Irenes” e “Tia Virgínia”, começa com a premissa de contar a história de um topógrafo errante e seu encontro com três mulheres de um circo mambembe.
Digo “começa”, pois essa seria a história que acompanharíamos, não fosse o fato de a produção ter sido interrompida por falta de financiamento. É justamente nesse percalço que reside a genialidade de “Mambembe”.
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Com um rico material de pesquisa e parte do filme captado, Fábio transforma o projeto em uma fusão de documentário e ficção, resultando em uma obra provocativa, instigante e fluida. Pelas imagens de pesquisa, adentramos o olhar de um jovem diretor, entusiasmado e ávido, e, nesse processo, conhecemos Índia Morena, dama do circo pernambucano. É ela quem sugere a Fábio que ninguém poderia interpretar melhor uma artista de circo do que os próprios artistas circenses. Essa ideia permeia o filme, não apenas no elenco, mas na própria essência da obra.
Descobrimos que o personagem do topógrafo é inspirado no pai de Fábio, sua ausência e o impacto dela na vida do diretor, que se torna não apenas o narrador dessa história, mas também seu personagem. Conhecemos a incrível e performática artista chamada Madonna, tão potente e única que parece impossível ter sido criada por um roteirista. E, então, nos deparamos com as duas Jéssicas — a real, que em uma cena que parece ficção nos revela não poder se ausentar do circo para participar do filme, e sua substituta na ficção, interpretada pela atriz Dandara Guerra.
O ator Murilo Grossi interpreta o topógrafo, e uma de suas cenas, atribuída ao próprio ator (e não ao personagem), provoca inquietação ao nos fazer questionar: o que é documentário e o que é encenado?
Mas sabiamente o filme não se prende a essa questão. O diretor entende a riqueza do material que possui e faz o manejo dessa dualidade de maneira brilhante. A força da obra está na jornada. A sequência do circo sendo montado em meio a uma tempestade simboliza a trajetória dessas vidas, que são, também, personagens de um palco montado por elas mesmas, revisitado quinze anos depois. O que poderia ser apenas um filme sobre o processo de fazer um filme se torna um estudo profundo sobre pertencimento.
Ao final da projeção, ao lado dessas pessoas, sentimos saudades do que passou e abraçamos a melancolia nostálgica de algo que não pode ser revivido. Não em corpo presente, mas em imagem e som, onde Índia Morena, Madonna, Jéssica e a jornada pessoal de Fábio agora permanecem perpetuados. ✬✬✬✬✬ (Excelente)
Quem dirige:
Fábio Meira, nascido em Goiânia em 1979, iniciou sua carreira no cinema como assistente de Ruy Guerra. “As Duas Irenes”, seu primeiro longa, estreou no Festival de Berlim em 2017 e recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Entre seus curtas e médias-metragens, destacam-se o documentário “Pátria”, feito para a ESPN Brasil em 2013, e “Atlântico”, premiado como melhor curta no Festival de Toulouse em 2010. Em 2023, lançou o longa “Tia Virgínia”, protagonizado por Vera Holtz, Arlete Salles e Louise Cardoso, com prêmios em Gramado, SESC Melhores Filmes e APCA.
e Fábio agora permanecem perpetuados.