Muitos turistas e até mesmo locais que andam pelo centro de São Luís, capital do Maranhão, não imaginam que há pouco mais de três quilômetros dali é possível conhecer o maior Quilombo Urbano do Brasil.
Com mais de 160 mil habitantes, o Quilombo Urbano da Liberdade abrange os bairros da Liberdade, Camboa, Fé em Deus, Diamante e Sítio do Meio. Apesar da localização, próxima ao centro, a região está inserida nos quadros da periferia urbana da cidade. O bairro foi historicamente marginalizado e reconhecido pela população de São Luís pela perspectiva da criminalidade, principalmente pelas mídias locais. Muito dessa associação está na origem do bairro, que é um reduto negro.
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O Quilombo da Liberdade nasce no período do fim da escravidão e se torna o maior aglomerado de população negra de São Luís. Sua ocupação é feita por pessoas provenientes de comunidades quilombolas da Baixada Maranhense e de Alcântara, que migraram para a capital em busca de emprego durante a implantação de projetos industriais e tecnológicos de grandes e pequenas empresas. Essa população se aglomerou entre os cinco bairros e levou sua cultura e tradição para a capital ludovicense.
Atualmente, a região é composta por mais de 50 remanescentes de quilombos, cerca de 300 pontos de comunidades tradicionais e mais de 100 manifestações culturais de origem afro, como terreiros, blocos afro, grupos de bumba meu boi, entre outras.
A composição histórica, racial e cultural da região foi determinante para o reconhecimento da área como Quilombo Urbano pela Fundação Cultural Palmares em 2019. A pasta é responsável pela titulação de quilombos no Brasil.
Reggae
Uma das principais atrações do bairro da Liberdade é a produtora de reggae Novo Quilombo. Com as cores do reggae, a casa chama atenção de quem passa pela rua Gregório de Matos. Nas paredes internas, as ilustrações contam a história do Quilombo da Liberdade desde a chegada da população da Baixada.
A casa tem uma programação cultural semanal com discotecagem de reggae para dançar a dois, como se faz no Maranhão. Além da programação noturna, o espaço também recebe grupos de turismo com horário agendado.
Terreiro e bloco afro
O bairro da Liberdade é repleto de terreiros de Tambor de Mina, principal religião afro do Maranhão. Uma dessas casas é o Ilé Ashé Ogum Sogbô, fundado em 1987. Comandado por Pai Airton de Ogun, além da espiritualidade, o terreiro também promove ações sociais na comunidade como curso de corte e costura, capoeira, esportes, mutirão para regularização de documentos de identidade, entre outras atividades.
“São mais de 35 anos de existência e resistência. Aqui se pratica a fé, mas também servimos à comunidade. Temos interesse em apoiar, incentivar e educar principalmente os mais jovens, para que eles aprendam a nossa cultura e possamos seguir existindo no futuro”, conta o babalorixá Airton.
Referência em Tambor de Mina em São Luís, a casa também abriga o único bloco da cidade criado em uma casa de Axé. O Bloco Afro Abiyeyé Maylô foi fundado em 2009 e evoca a religiosidade africana através dos toques de afoxé, ijexá e tambor de mina. No último carnaval, mais de 400 pessoas se apresentaram no Bloco. O espaço oferece aulas de percussão para a comunidade.
O Tambor de Mina foi criado no século 19, no Maranhão e tem origem nos povos escravizados do atual Benin. A religião cultua os voduns, caboclos, encantados e demais entidades. Em São Luís, dois terreiros são tradicionais e principais responsáveis pela manutenção da religião na cidade, a Casa das Minas e a Casa de Nagô.
Bumba Meu Boi
O Bumba Meu Boi é uma das principais manifestações culturais do Maranhão, responsável por mobilizar a economia e o turismo do estado. A festa mobiliza milhares de pessoas durante a época junina. Existem mais de 100 grupos de Bumba meu Boi na capital do Maranhão, divididos em cinco tipos de “sotaques” ou variações rítmicas.
A Liberdade é um reduto de Bumba Meu Boi. Esse fenômeno ocorre principalmente pelo processo de formação do bairro, ocupado por pessoas da baixada maranhense, região de origem de muitos mestres de Bumba Meu Boi. Contudo, também é possível encontrar grupos oriundos de Guimarães, outro município importante, pela introdução do instrumento de zabumba na festa.
Todos os grupos que residem no Bairro da Liberdade são tradicionais, familiares e apresentam uma forte resistência para se manterem vivos na cidade, levando adiante a cultura popular. Entre eles estão o Bumba Meu Boi de Leonardo, o Bumba Meu Boi da Floresta, o Bumba Meu Boi da Fé em Deus.
A rua mais preta e linda de São Luís
Em frente à casa que abriga o Bumba Meu Boi da Floresta, está a Rua Tomé de Sousa. À primeira vista, a rua parece comum, mas sintetiza a potência cultural de São Luís ao aglomerar em poucos metros uma igreja católica, um terreiro, um bar, um grupo de Boi e diversas casas de portões bem baixos, que preservam a arquitetura do bairro.
Com esse charme, a rua foi reconhecida como uma das ruas mais pretas e lindas do Brasil. O título foi concedido pelo Guia Negro, plataforma de Afroturismo, em parceria com a Setur (Secretaria Municipal de Turismo do Maranhão). Em junho de 2024, a rua recebeu uma placa para marcar a titulação, com a presença da vice-prefeita de São Luís, Esmênia Miranda, do PSD (Partido Social Democrático).
O reconhecimento vem de uma provocação do Guia Negro. Após uma revista de luxo criar uma lista das ruas mais bonitas do Brasil, priorizando pontos que são mais focados na estética do que na história, o Guia Negro resolveu criar a lista “das ruas mais pretas e lindas do Brasil” e o Bairro da Liberdade não ficou de fora.
“Nós publicamos um artigo sobre o tema e a Secretaria de Turismo resolveu instalar a placa com o reconhecimento, incentivando cada vez mais o afroturismo na Liberdade. Ber uma rua de um quilombo urbano ganhar a placa de ‘mais linda e preta’ do Brasil é de uma felicidade imensa”, conta Guilherme Soares, idealizador do Guia Negro.
Além da rua mais preta e linda, a Secretaria de Turismo de São Luís tem fomentado o turismo na região a partir do roteiro “Quilombo Cultural de São Luís”, que sugere dez pontos na região. Para facilitar o acesso do público foram instaladas placas de identificação em cada um dos locais que compõem o roteiro, além de sinalização na principal avenida da região. Também foi inaugurado um Centro de Cultura e Turismo do Quilombo Urbano, que dispõe de estrutura e informação para visitantes.
“Este roteiro tem como objetivo fortalecer ainda mais a cultura ludovicense. O objetivo é que seja criado um fluxo intermitente de visitação nesses espaços. Dessa forma, teremos uma maior movimentação financeira nesses bairros que compõem o quilombo. Além disso, todos os moradores e visitantes terão a oportunidade de conhecer a cultura incrível que São Luís tem”, destacou Saulo Santos, secretário municipal de Turismo.