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Por que o MST não participa da Conferência do Clima?

Maior movimento social da América Latina entende a Conferência do Clima como um balcão de negócios e um encontro que busca criar novos mercados em vez de resolver o problema ambiental do planeta
Integrantes do Movimento Sem Terra (MST) em uma plantação.

Foto: Alexandre Garcia/MST

13 de novembro de 2024

Baku – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), maior movimento social do Brasil, não participa da Conferência do Clima (COP). Este ano, o evento ocorre em Baku, no Azerbaijão, até 22 de novembro. Em entrevista à Alma Preta, o dirigente nacional Pablo Neri explicou os motivos para o MST não participar da COP e não acreditar que a saída da crise climática venha de um encontro com o atual formato.

A ausência nas COPs não significa que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra esteja despreocupado com o meio ambiente. Muito pelo contrário, o movimento construiu um plano de plantar em dez anos 100 milhões de árvores entre 2020 e 2030, tem sido o principal defensor da agricultura familiar no país, em contraponto ao agronegócio, e é um dos articuladores da Cúpula dos Povos, evento organizado por movimentos sociais para buscar saídas possíveis para a crise climática do mundo.

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A Cúpula dos Povos teve um encontro em agosto deste ano, quando lançou uma carta pública, assinada por mais de 400 organizações. No documento, o encontro frisa a necessidade de enfrentar a “extrema direita” e a “financeirização da natureza”. Para os participantes, a COP30, que será em 2025 em Belém, no Pará, precisa combater a crise climática como um “ponto de virada neste cenário” e “endereçar as ações necessárias”, para além de questionar o capitalismo.

“É preciso rever o modelo econômico vigente e eliminar a produção e queima de combustíveis fósseis, responsável por mais de dois terços das emissões que provocam o aquecimento global, bem como implementar políticas para o desmatamento zero. Urgem acordos internacionais por uma transição energética justa, a começar pelos mais ricos, além da responsabilização dos impactos causados pelas corporações transnacionais do agronegócio, da mineração, do setor energético, imobiliário e de infraestrutura, que hoje significam ameaça às populações locais”, diz o texto.

Mesmo sem participar da programação oficial do encontro das Nações Unidas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra vai acompanhar o contexto político da COP30. O MST estará presente para incidir politicamente a partir das diretrizes da Cúpula dos Povos.

Pablo Neri faz parte do assentamento Palmares II, em Parauapebas, no Pará. Formado em História pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o ativista também faz parte dos coletivos LGBTQIAPN+ e de Juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Confira na íntegra a entrevista com o dirigente nacional do MST:

Alma Preta: Quais os motivos para o MST não participar das COPs?

Pablo Neri: A nossa posição é histórica. Nós não acreditamos na disputa do Estado dessa forma, por meio de negociação. No fundo, a COP é uma negociada de nações que buscam alternativas de mercados, alternativas que criam novas mercadorias, como o crédito de carbono. O que causa as consequências climáticas é o sistema capitalista.

Não é uma questão de negligenciar e ignorar, é uma questão de se posicionar frente ao que é discutido lá. É se posicionar na construção de articulações internacionais com a sociedade civil, com os movimentos sociais e coletivos que estejam, de fato, comprometidos com essa luta anticapitalista, anticolonial, antirracista, antipatriarcal.

AP: Ano que vem a gente vai ter uma COP no Brasil. Será que esse não é um momento do MST fazer também uma grande provocação ao evento? Será que a presença do MST não poderia transformar um encontro como esse?

PN: A gente vai estar presente na construção da Cúpula dos Povos da COP30, que é uma articulação que já tem mais de 400 organizações do mundo todo. Nós estamos, junto com a Cúpula dos Povos, construindo uma incidência junto ao governo.

O evento das Nações Unidas, o evento oficial da ONU, não tem espaço para as vozes coletivas. Tem espectadores. E a gente não é, há muito tempo, espectadores da nossa história. Então, nós não acreditamos, nesse momento, nada sinaliza que na COP30 vá ser discutido planos, de fato, populares e comprometidos com o povo, no sentido do enfrentamento ao aquecimento global. Estão buscando, no fim, não a superação dessa situação emergente que a gente se encontra, mas saídas lucrativas, novas oportunidades de ganho. 

AP: O MST também tem uma série de medidas práticas com relação ao meio ambiente, como a própria agroecologia. Você poderia destacar quais são as principais ações de preservação do meio ambiente que o MST tem proposto para a sociedade?

PN: A gente já faz uma luta onde antes era pasto, onde antes era monocultivo, hoje se transforma em culturas produtivas, se transformam em roças coletivas, em biodiversidade. Então a luta pela reforma agrária ganha na direção da restauração desse vínculo com a natureza. 

Pragmaticamente, nós temos o plano nacional de alimentos saudáveis, que é um compromisso do MST de plantar 100 milhões de árvores, em 10 anos. Nós também podemos dizer de forma pragmática, que o movimento de educação do campo, que o MST participa ativamente, que produziu hoje disciplinas lecionadas nas universidades federais de educação do campo e de agroecologia, foram duas disciplinas do conhecimento que o MST ajudou a construir. Se a gente olhar, por exemplo, com perspectiva histórica, o que era agroecologia há 10 anos atrás, 15 anos atrás, do ponto de vista do que se falava, do que se compreendia e o que é hoje.

AP: A discussão nas COPs fica centrada na aprovação ou não de propostas pelo mercado. A gente pouco vê um debate público, do jeito como está colocado, sobre o modelo econômico no qual a gente vive, o modelo econômico capitalista. Você acredita que é possível coexistir de uma maneira saudável com o meio ambiente, com o planeta, com o clima, dentro do modelo econômico capitalista?

PN: Eu não preciso responder, nós estamos numa situação, numa quadra histórica, de difícil movimento, de fato. O capitalismo nos trouxe a isso, nos trouxe esse ponto de emergência geral.

AP: O que a cúpula dos povos apresenta de diferente para as pessoas no dia a dia?

PN: A gente traz para essa discussão uma coisa que é indissociável dos seres humanos, que são os nossos territórios. Eu acho que a solução que os povos dão para a crise climática e para as mudanças climáticas estão, em grande medida, nos nossos territórios, no nosso cotidiano.

Então, a cúpula dos povos não vai buscar soluções numa tentativa de perpetuação do sistema, mas a gente vai buscar naquilo que é a nossa ancestralidade, que é a nossa conexão. Então, a Cúpula dos Povos apresenta diferente, mas certamente é isso, é de como os povos estão enfrentando isso na prática.

A cúpula dos povos traz diferente, além do próprio, frente a essa situação, frente a esse avanço do desenvolvimento capitalista, mas também traz soluções baseadas na vida real dos territórios que estão fazendo.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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