Baku – Os quilombolas participam da Conferência do Clima (COP29), em Baku, Azerbaijão, com uma delegação oficial de quatro pessoas, número inferior ao das últimas edições. O encontro, que ocorre até o dia 22 de novembro, é o principal momento da Organização das Nações Unidas (ONU) para debater as mudanças climáticas no mundo.
Nas edições de 2023 e 2022, nas cidades de Dubai, nos Emirados Árabes, e Sharm-El-Sheik, no Egito, respectivamente, os quilombolas participaram com uma delegação de 11 integrantes. O número de Baku se igualou ao da COP26, em Glasgow, na Escócia, quando os quilombolas participaram pela primeira vez de maneira coordenada. A organização responsável pela presença dos quilombolas nesses eventos é a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
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A articuladora política da coordenação Selma Dealdina Mbaye explica que as barreiras logísticas, como as credenciais de participação, e a falta de recursos, foram determinantes para a queda quantitativa dos quilombolas na edição deste ano.
“Financeiramente, a COP nesses países é muito cara. Então a gente não conseguiu manter uma delegação tão grande quanto a do Egito, mesmo a gente se programando de um ano para o outro, porque a gente já sai da COP programando a próxima ida. Então para nós é ruim, porque o número vai caindo”, conta a articuladora.
Apesar das dificuldades, Selma acredita que a presença quilombola no evento impacta nas demandas do movimento. “A gente disse que a gente precisa estar também neste espaço, fazer esse debate. Não dá para continuar só assistindo. A gente precisa participar dele, e não como público”, afirma.
Citação aos afrodescendentes no texto final
A principal meta dos quilombolas para a COP29 é garantir que no texto final do encontro seja reconhecida a preservação ambiental dos povos afrodescendentes do mundo. Para isso, será necessário construir uma incidência junto ao Ministério das Relações Exteriores, para que o Brasil faça essa sugestão.
“A gente precisa fazer com que os quilombolas sejam reconhecidos e se vejam nesse documento final”, detalha.
Segundo o Censo 2022, 1,3 milhão de brasileiros que se autodeclaram quilombolas. Mais de 87% dessas pessoas (1,16 milhão) estavam fora das áreas destinadas oficialmente às comunidades tradicionais com origem nos quilombos.
A meta é inspirada nos aprendizados da COP16 da Biodiversidade, que ocorreu entre os dias 21 de outubro e 1 de novembro em Cali, na Colômbia. No país da América Latina, a partir de uma articulação com os povos negros da diáspora africana, foi possível garantir essa citação no texto final do encontro.
“A gente chega ainda muito com a energia do que foi a COP 16 para nós quilombolas, da vitória que nós tivemos. Os afrodescendentes serem reconhecidos e postos como sujeitos e sujeitas que também cuidam da natureza, da biodiversidade, que são impactados pelo clima”.
Selma reitera que os quilombolas sempre debateram sobre clima e meio ambiente, porque sempre preservaram. “Aí parece que estamos entrando atrasados no debate. Não estamos”.
O Brasil tem 3.752 comunidades remanescentes de quilombo reconhecidas pela Fundação Palmares até junho de 2024. Até metade deste ano, apenas 52 comunidades foram reconhecidas.
Isso significa que a Fundação Palmares não certificou nem metade das 7.666 comunidades quilombolas declaradas pelos respondentes do Censo 2022, do IBGE.
Dados sobre quilombos como “escudo de preservação”
São abundantes as informações que confirmam a evidência de que os quilombos ajudam a proteger o meio ambiente. Segundo estudo do Mapbiomas publicado em dezembro de 2023, os territórios quilombolas perderam aproximadamente 4,7% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2022. Enquanto isso, as áreas privadas tiveram 17% de desmatamento nos mesmos 37 anos.
Análise da InfoAmazônia, também publicada em 2023, mostra que 99% das terras quilombolas tituladas e em processo de titulação na Amazônia Legal mantiveram os registros de desmatamento praticamente inalterados desde 2010, qualificando esses territórios como “escudos de preservação”.
Por fim, em reportagem da Alma Preta, identificamos que mesmo no Matopiba, área de expansão agrícola no Cerrado, a perda de vegetação nativa em terras quilombolas foi de 0,8% de 2018 a 2022, contra una taxa de quase 2% em todo o Brasil no mesmo período de quatro anos.
COP30 no Brasil
Desde a confirmação do Brasil como sede da COP30, a CONAQ se articula com os movimentos sociais de Belém para organizar a participação negra no encontro. “A COP no Brasil precisa ser uma COP do povo brasileiro”.
Um desses movimentos, que está em contato com a CONAQ, é a Malungo, organização quilombola do Pará. O grupo tem trabalhado para assegurar uma COP30 popular e participado das reuniões de discussão sobre a conferência no Brasil.
Para Selma Dealdina Mbaye, o encontro no Brasil precisa gerar impactos decisivos na vida das pessoas. “Essa COP no Brasil precisa ser o divisor de águas e nós estamos acreditando, enquanto movimentos do campo, da água, da floresta, quilombola, enquanto povos e comunidades tradicionais”.
Titulação dos territórios
A titulação dos territórios quilombolas é sempre uma das principais bandeiras das comunidades quilombolas durante as conferências do clima. Com a vitória do presidente Lula (PT) nas eleições de 2022, os quilombolas ampliaram a expectativa acerca do aumento de quilombos titulados.
Neste ano, até o início de novembro, foram expedidos 34 títulos em 12 quilombos — a maioria deles no estado do Piauí. Isso porque cada território pode ser composto por vários lotes, que são titulados separadamente. No total, são 245 terras quilombolas tituladas total ou parcialmente pelo Incra e por órgãos de terra estaduais e municipais.
Mas ainda falta muito a ser feito, já que apenas 4,3% da população quilombola residia em territórios titulados, segundo o último censo do IBGE.
“Em primeiro lugar, a gente confia que esse atual governo vai fazer a diferença na titulação dos territórios quilombolas. É por isso que nós votamos, por isso que nós brigamos, por isso que fomos para as ruas”, diz a integrante da CONAQ.
A Conferência do Clima ocorre entre os dias 11 e 22 de novembro. Entre os dias do evento, ocorrem as celebrações e os protestos do 20 de novembro, data em que se recorda a Consciência Negra no Brasil.
Há uma expectativa por parte da CONAQ de que entregas ambiciosas no quesito de reconhecimento dos territórios quilombolas sejam feitas por parte do governo. “Embora quilombola não exista só no 20 de novembro para receber entregas, nós estamos confiantes de que o governo vai fazer entregas significativas para nós agora no 20 de novembro”.
A CONAQ tem enviado documentos para os ministérios para saber quais serão as entregas que o governo brasileiro vai fazer no 20 de novembro para a pauta quilombola. A coordenação reconhece que existe uma lentidão até o momento, mas entende isso como um processo ainda de retomada, depois de dois anos de gestão Michel Temer e quatro anos do governo Jair Bolsonaro, finalizado em 2022.
“É óbvio que se continuar nessa lentidão, nós vamos demorar muito tempo para ver isso materializado em justiça, em reparação. É comum que o governo ainda precise colocar o carro no trilho para poder caminhar. Mas a gente precisa agora, nesses dois últimos anos do governo Lula, acelerar um pouco mais esse processo para que a gente possa, de fato, ver os territórios sendo titulados”.