“O rap me acolheu mostrando que eu poderia ser o que eu sou hoje”, é como a artista Amanda NegraSim começa a falar sobre os mais de 20 anos em que atua na cultura hip hop. Cantora, compositora, atriz, arte-educadora, empreendedora afrocentrada, além de produtora cultural, a rapper conta que a música entrou em sua vida desde cedo, principalmente, pela tradição familiar.
Natural da cidade de Cotia, em São Paulo, a mãe da rapper, além de sua principal inspiração e referência, foi atriz, musicista, presidente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Municipal de Cotia e produtora musical. A mãe da artista foi responsável pela realização de shows e eventos culturais que aliavam samba e rap. Os tios avós criaram a Congada de São Benedito de Cotia, oficializada em 1951 na cidade. Sem contar o pai e seus outros familiares também envolvidos com o universo musical.
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A história de Amanda com o rap se inicia ainda na juventude, onde era colaboradora do Jornal Notícias Regionais de Cotia, cobrindo eventos pelo estado de São Paulo. Na mesma época, iniciou parceria com projetos e grupos de rap e hip hop.
Nas composições da artista, estão em evidência o combate a opressões | Crédito: Patrícia Ribeiro Fotos
“A minha entrada na arte foi por meio da minha família, do meu povo, das comunidades que eu vivi em Cotia, zona sul, em várias localidades que eu passei. Na minha juventude, passei pelo rock e por outras vertentes musicais, mas o rap me acolheu de braços abertos e me ensinou a lutar. É o rap que me leva aos lugares, que me faz salvar vidas e que salvou a minha vida”, ressalta a cantora.
Entre 2000 a 2010, a artista desenvolveu projetos com grupos e coletivos de hip hop, oficinas culturais, realizou ações em lares de abrigos para menores em situação de violência domésticas, orfanatos, além de presídios e da Fundação Casa. Ainda nesse período, Amanda venceu o 1° Campeonato de Mulheres MCs de São Paulo, sendo contemplada com a produção do videoclipe da música Amor ao Rap, primeiro produzido na região do Campo Limpo/SP por uma rapper independente.
Em suas composições e performances, estão sempre em evidência o combate ao racismo estrutural, ao machismo, misoginia e sexismo, além do fortalecimento do protagonismo da mulher, da equidade de gênero, a defesa dos direitos humanos e da ancestralidade negra.
“Tem muitas mulheres que são referência pra mim, como Luiza Mahin, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus. Por que não a poesia, o livro, a luta das quilombolas? Essas mulheres tornam a vida delas em música para mim. Minha referência também é ver a luta do rap de não desistir”, pontua a cantora.
Ancestral Afroqueen
Com uma carreira longa que engloba a realização de shows autorais nos programas Manos e Minas, Estúdio Showlivre, Rede Sesc SP, a rapper tem três álbuns lançados: “Poder da chama, que xana”(2017), “…Vida” (2019) e o mais recente “Afroqueen Sounds” (2021), contemplado pelo Proac Editais 2019.
Já trazendo ancestralidade em sua música de entrada, o álbum “Afroqueen Sounds” é fincado em raízes afetivas e espirituais de Amanda NegraSim. Com pré-produção e concepção artística da rapper, o disco também conta com a produção de Leandro Kintê (Banda Filhos da Terra), Amanda Magalhães, Willian Magalhães (Banda Black Rio) e participações e produções de Dj Llobato, trazendo elementos do reggae e da música africana.
“Rap é ritmo e poesia. Ele pode estar em vários sentidos de música. Se a gente puder ouvir, tem várias vertentes de música que tem o ritmo e a poesia dentro delas. Eu posso navegar em vários estilos musicais, porque eu faço ritmo e poesia, eu faço rap”, pontua a cantora.
De acordo com Amanda NegraSim, o álbum surge de um acúmulo de experiências que passou, como da viagem que fez a Cruzeiro, no Maranhão, das vivências do intercâmbio para o continente africano, além de inspirações que teve a partir de memórias da infância e dos primeiros meses de seu filho. A inspiração para o álbum veio antes da pandemia, foi gravado e produzido em 2020 e veio como uma espécie de ultimato de como a artista precisava acreditar em si mesma.
“Eu não imaginava isso. A gente vai plantando e vai colhendo. É uma forma de eu fazer isso, de acreditar no meu trabalho e mostrar para outras mulheres pretas que elas podem acreditar no trabalho delas. Eu acredito que a gente tem essa força”, também ressalta Amanda.
Turnê internacional e intercâmbio cultural
Em 2017, a cantora também teve a experiência que acredita que a renovou em seu caminho no universo musical. Realizou sua primeira turnê internacional e intercâmbios culturais com artistas de Cuba, França, Angola e Moçambique, com a produção dos singles “Despertar” e “Conquista (Periferia um Pedaço da África – 2 Parte)”.
Em quase 20 dias em Angola, na África, passando por lugares como Luanda, Benguela, Baia Farta e Praia Morena, a artista conta que teve o seu trabalho muito valorizado, passando pela Rádio Nacional de Benguela e a Rádio Morena.
“Eu fui muito bem recebida também como mulher MC. A África me ensinou muitas coisas que eu buscava em quilombos, me ensinou esse verdadeiro amor que ainda existe entre nós negros. O meu intercâmbio para Angola foi um renascimento musicalmente no meu rap. Acreditando que eu posso seguir várias profundezas no meu ritmo e poesia através desta viagem que eu tive”, conta a MC.
Além de uma série de oficinas culturais, entrevistas e trocas culturais em Angola, a artista realizou a produção do videoclipe da música “Conquista (Periferia um Pedaço da Africa – parte 2)”, gravado por celular.
“Eu não saí daqui pensando que eu ia gravar um videoclipe. O videoclipe foi uma coisa bem natural. A gente começou a andar na rua e começamos a filmar e tudo aconteceu naturalmente. Porque era importante pra gente, a gente estava vivendo o melhor momento da nossa vida que a gente está no continente africano”, relata.
Próximos passos
O próximo álbum da artista chega em breve. “Livre” é a continuação dos discos “…Vida” e do “Poder da Chama, que xana”e vai buscar falar também sobre a importância da moradia, da luta contra o racismo e relatar vivências de Amanda NegraSim.
“A gente vem falando muito da favela, de onde eu vivo. Estou falando bastante da Favelinha City, que faz 30 anos agora. Eu venho falando um pouco de amor, porque a gente tem que falar um pouco de amor. Vou falar também de como eu comecei, falando até de como eu comecei através da minha família”, finaliza a artista, que pode ser encontrada no Spotify, Youtube e Instagram.
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