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Polícia da Bahia mata 12 homens negros com fuzis de Israel

As mortes ocorreram no período de apenas seis meses. A Alma Preta mapeou mortes nas cidades de Cruz das Almas e Itamaraju cometidas com fuzis do tipo Arad, fabricados em Israel.
Reprodução/Tribunal de Justiça da Bahia

Tiro de fuzil Arad nas costas de umas das vítimas da polícia baiana.

— Reprodução/Tribunal de Justiça da Bahia

18 de fevereiro de 2025

A Polícia Militar da Bahia matou, ao menos, 12 homens negros com armas produzidas por uma indústria de Israel, segundo levantamento feito pela Alma Preta. Os assassinatos ocorreram em um intervalo de seis meses entre 2023 e 2024 nas cidades de Cruz das Almas e Itamaraju. 

As armas são fuzis Arad, produzidos e vendidos pela empresa IWI, que fornece armamentos para o exército de Israel. 

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IWI é a sigla de Israel Weapon Industries, que em português significa “Indústrias de Armas de Israel”. 

A Arad é um fuzil leve feito para o uso de “unidades especiais”, que permite a troca de calibre a depender do combate. É um tipo de arma com capacidade de atingir, com maior precisão, alvos a distâncias maiores do que um fuzil normal.

No site da IWI, explica-se que o rifle é indicado para uso de “infantaria” e “unidades especiais”.

A fábrica também vende armas para diferentes polícias brasileiras. Entre elas, está a baiana, que seguiu com as compras mesmo em 2024, com todas as cenas de destruição e morte na Faixa de Gaza.

O conflito matou mais de 45 mil palestinos e libaneses e 1.400 israelenses entre o ataque do Hamas em 8 de outubro de 2023, até a data do cessar-fogo em 19 de janeiro de 2025.

Narrativas das mortes se repetem

As mortes apuradas pela Alma Preta têm narrativas semelhantes.

Em todos os casos, os policiais contam que chegaram a uma determinada região e supostos criminosos atiraram nos agentes de segurança. A resposta dos policiais teria sido atirar de volta. O resultado, sempre, é de mortes de civis e PMs sem ferimentos.

Outra marca comum é de que todas as vítimas suspostamente tinham drogas e armas. 

Em uma das chacinas analisadas, o exame de perícia feito depois das mortes mostrou que nenhuma das vítimas tinha partículas de chumbo na mão. Ou seja, não havia sinais de que os homens dispararam alguma arma de fogo.

Em nenhum dos casos, a Polícia Civil indiciou os policiais. O Ministério Público também não denunciou os envolvidos.

Os assassinatos na Bahia

As mortes cometidas por policiais com as armas israelenses ocorreram em pelo menos duas cidades baianas. 

10 mortes em Cruz das Almas

Em Cruz das Almas, cidade de 62 mil habitantes a 154 km de Salvador, ocorreram duas chacinas e a morte de mais duas pessoas.

A primeira foi em 30 de novembro de 2023. Com as armas recém-chegadas, duas equipes de polícia afirmaram ter trocado tiros com um grupo de dez homens armados no bairro do Embira.

Depois de uma “intensa troca de tiros no local”, os policiais localizaram cinco pessoas caídas: Luan Reis da Silva, de 27 anos, Willian dos Santos, de 23 anos, Anderson Silva, de 17 anos, Antonio Nogueira, de 25 anos, e Claudinei dos Santos, de 20 anos.

Todos os corpos tinham armas de fogo ao seu lado, mas a perícia afirmou que nenhuma das vítimas tinha vestígios de pólvora nas mãos.

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Os agentes de segurança afirmam ter prestado socorro às vítimas, que faleceram no hospital.

Semanas antes, em 9 de novembro de 2023, a polícia foi ao bairro Dona Rosa na Benguela e matou três jovens. As vítimas foram João das Neves, de 17 anos, Tailan Vieira, de 21 anos, e Pedro de Oliveira, de 17 anos. 

Dos três, apenas Pedro de Oliveira tinha resíduos nas mãos que indicavam que ele havia disparado uma arma de fogo.

Durante a investigação do caso, os policiais Lauro Nascimento e Edson Santos afirmaram ter efetuado dez e sete disparos, respectivamente, com o fuzil israelense.

Ainda em Cruz das Almas, no dia 14 de abril de 2024, a polícia matou os irmãos David dos Santos, de 25 anos, e Mateus dos Santos, de 19 anos. Os envolvidos também usaram fuzis Arad.

Duas mortes em Itamaraju

No sul da Bahia, a Alma Preta localizou outros casos em que a polícia utilizou o fuzil Arad e matou outros homens negros. 

Em Itamaraju, a 749 km de Salvador, a polícia matou Silvano da Silva, de 35 anos. A ação ocorreu no dia 31 de dezembro de 2023, por volta das 18h30.

Na mesma cidade, em 7 de março de 2024, a vítima foi Leandro dos Santos, um homem negro de 39 anos.

Como nos outros casos, os policiais disseram que foram alvo de tiros, prestaram apoio às pessoas baleadas e encontraram armas e drogas com as vítimas.

Compras de fuzis Arad pelo governo da Bahia

No dia 16 de outubro de 2023, o governo da Bahia anunciou compras de armas da IWI. Em tom de comemoração, a Bahia recebeu 1.675 armamentos, que custaram R$ 6,5 milhões. Desse total, estavam 965 fuzis da marca IWI Arad. 

Fuzis Arad da polícia baiana. Foto: Reprodução/Tribunal de Justiça da Bahia.

Em depoimento para o site do governo da Bahia, o tenente-coronel César Castro afirmou que a “aquisição histórica é de extrema importância para a PMBA, e o armamento está no mesmo nível de outras forças de segurança do mundo”.

A arma usada pela polícia baiana tem o brasão da República Federativa do Brasil e da PM da Bahia, além do logo da IWI.

Em 2024, mesmo com as imagens de destruição de Gaza em redes sociais e no noticiário do mundo, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia pagou R$ 2,25 milhões na compra de fuzis de Israel, segundo o Portal da Transparência. 

Mas a soma dos valores divulgados no Diário Oficial é maior, da ordem de mais de R$ 3 milhões. Em novembro daquele ano, a polícia baiana divulgou duas compras de fuzis de assalto da IWI. A primeira, publicada no Diário Oficial em 4 de novembro, foi no valor de R$ 1,6 milhão.

A segunda compra foi de 200 fuzis da assalto da IWI, concretizada no dia 12 do mesmo mês pela Secretaria de Segurança Pública. O valor foi de R$ 1,8 milhão.

A primeira compra de armas da IWI feita pelo Estado da Bahia rastreada pela Alma Preta foi feita em 2022. Em 7 de dezembro daquele ano, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) do estado recebeu 290 armas da empresa israelense, no valor de US$ 795 mil. 

Relações do governo da Bahia com Israel

A empresa não respondeu às perguntas da Alma Preta sobre como se deu a aproximação com o governo baiano, os critérios para a venda de armas e se há conhecimento sobre a violência contra pessoas negras na região.

A Secretaria de Segurança Pública da Bahia também não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os motivos da compra das armas durante os ataques à Faixa de Gaza. 

A pasta se limitou a sinalizar que houve recuo no número de mortes violentas e por ação da polícia no estado em relação a 2023.

Contradição do governo brasileiro

O Ministério da Defesa não respondeu ao questionamento da reportagem sobre se houve autorização do governo federal para a compra.

A pasta das Relações Exteriores disse que não pode responder sobre a compra de armamentos e compartilhou com a Alma Preta notas à imprensa sobre a situação em Gaza. No último pronunciamento feito, o ministério comemorou o acordo de cessar-fogo. 

No dia 5 de fevereiro de 2025, o presidente Lula voltou a afirmar que o povo palestino foi alvo de um “genocídio”. Ele também criticou a proposta de Donald Trump de construir empreendimentos imobiliários na Faixa de Gaza. 

“Quem tem que cuidar de Gaza são os palestinos”, afirmou Lula.

A Indústria de Armas de Israel

No site oficial, a empresa se apresenta como uma referência no desenvolvimento de armamentos nos últimos 85 anos. Ela também se coloca como uma fornecedora de armas para o exército de Israel.

“Todas as armas da IWI têm sido testadas em batalhas por todo o mundo em condições adversas e extremas”, diz o site.

A IWI não vende apenas para a polícia baiana. Outros estados do país, como Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba, Goiás, Espírito Santo e Amazonas também compraram fuzis da indústria israelense. 

A empresa desenvolve armas de fogo com uma “colaboração próxima” do exército de Israel. Eles desenvolveram um acordo de pesquisa para criar armas, fazer testes de campo e modificações dos equipamentos a partir das experiências de combate.

A companhia cresceu e construiu uma filial nos Estados Unidos e se coloca como uma “subsidiária ativa do governo americano”. As operações nos EUA começaram em 2013 e foram vistas como uma expansão natural da empresa. 

A IWI ainda foi premiada pela revista “American Rifleman Magazine” como responsável pelo rifle do ano em algumas oportunidades.

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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