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Afroturismo e turismo de base comunitária trazem roteiros para viajantes negros

Além de movimentar a economia negra local, a viagem oferece uma experiência rica em história, conhecimento, saberes, arte e conexão

 

Grupo de pessoas negras em passeio de turismo pela Bafrika

Foto: Reprodução/Instagram

22 de dezembro de 2021

De malas prontas para conhecer a região onde se estruturou o maior quilombo da América Latina, Edson Ramon fala sobre a sua expectativa: “Palmares é um sonho para mim. Gosto de conhecer tudo o que envolve a nossa cultura, então o maior quilombo do Brasil não poderia ficar de fora”, diz. Ele fará uma visita guiada por um quilombola e conhecerá as raízes e a história das terras de Zumbi, Dandara e Ganga Zumba.

Viagens baseadas em vivenciar a cultura de uma comunidade por meio de uma forma diferente dos passeios comerciais, é chamada de turismo de base comunitária. Ele tem suas raízes firmadas no fortalecimento da economia local e dos pequenos empreendimentos, além de oferecer uma experiência rica em história, conhecimento, saberes, arte e conexão. Esse tipo de turismo é muito basilar, tronco para todos os outros nichos de turismo que existem, incluindo o afroturismo.

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A principal diferença está na proposta e no público. O afroturismo valoriza o resgate ancestral e a reconexão com a história, o passado e o presente. O turismo de base comunitária faz com que além de conhecer as histórias, os viajantes queiram vivenciar as experiências daquele lugar de uma forma mais sustentável, como participar de uma roda de conversa ou danças em uma comunidade tradicional ao invés de comprar um colar em uma feira, por exemplo. Ambos trazem o propósito de práticas sociais e sustentáveis com protagonismo da comunidade.

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Manoela Ramos, escritora e empresária, investe e turismo de base comunitária Crédito: Arquivo Pessoal

“É uma forma muito mais natural de se viajar e ter uma experiência diferente”, relata Manoela Ramos, entusiasta e empresária do ramo de turismo de base comunitária. A publicitária, de 28 anos, montou uma agência de turismo chamada Quase Nativa que faz passeios na Ilha de Boipeba, na Bahia. Seu roteiro mais famoso, conhecido como Caminhada Boipeba Roots — que faz parte da plataforma de afroturismo Guia Negro — passa pela zona rural da ilha e também há visitação Quilombo do Monte. Lá o público pode conhecer a Casa de Farinha, além de tomar café da manhã e fazer uma consulta com a terapêuta holística Dona Nilda.

Manoela nasceu em Cabo Frio (RJ) e, após terminar a faculdade, decidiu partir em busca do que realmente fazia sentido para sua vida. Foram quatro anos viajando pelo país, com pouco recurso e conseguindo pousada com os moradores nativos. Suas viagens deram origem a dois livros escritos e publicados de forma independente: “Confissões de Viajante (sem grana)” e “Em busca do Norte”. Até que, há quatro anos, decidiu se estabelecer em Boipeba. Ela conta que o turismo de base comunitária é um dos recursos mais importantes para girar a economia entre pessoas negras em um local dominado pelo turismo comercial.

“É diferente você contratar um guia local, comer em um restaurante mais simples, mas que tem a comida feita por produtores da região, poder andar a cavalo, fazer uma trilha a pé, ir a um mirante ver o pôr-do-sol. Maioria das pessoas alugam um bug, por exemplo, comem em restaurantes já famosos e, muitas vezes, pagam muito mais caro por isso”, revela a empreendedora.

Em Goiás

Como Manoela, diversos jovens negros estão utilizando dessa mesma base para fortalecer a sua comunidade e transformar suas histórias de vida. Amêndoa Vilardi, de 28 anos, deixou a capital do país, Brasília, para empreender no turismo de base comunitária. Vinda de uma realidade periférica, a empresária montou, há dois anos, um hostel — o Abacateiro. Ele fica no município de Cavalcante (GO), onde há um dos maiores territórios quilombolas do Brasil, a comunidade dos povos Kalunga. O Abacateiro é voltado para as pessoas negras, LGBTQIA+, movimentos sociais e pessoas que tenham respeito à diversidade, à terra, à cultura negra, ao município quilombola e às tradições.

No hostel é possível comprar produtos quilombolas como farinhas, mel e azeites. Todo o valor do que é vendido é devolvido para os próprios produtores. “A minha ideia é girar a economia para eles. O meu recurso mesmo vem das diárias, a comida que preparo e com os passeios que faço, da venda não”, reitera.

Amêndoa cria roteiros alternativos com visitas exclusivas às comunidades, vivências, comida em fogão de lenha, oficinas e também passeios em cachoeiras pouco exploradas na Chapada dos Veadeiros, uma das regiões mais visitadas do Goiás pela sua beleza natural. Ela afirma a importância das pessoas compreenderem que sem o território de quilombo, a região não seria tão preservada. “Por isso, é importante termos um turismo comunitário para mantermos o meio ambiente, a fauna, a flora e a cultura tradicional”, afirma a empreendedora.

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Caminhada São Paulo Negra traz história do povo negro em bairros tradicionais da capital paulista Crédito: Guia Negro/Divulgação

Afroturismo

O Afroturismo possui a mesma matriz do turismo de base comunitária, mas é voltado especificamente para o público negro. Nesse nicho, a cultura afro-brasileira é especialmente trabalhada como fio condutor para os roteiros, que podem se assemelhar com os passeios comerciais. Empresas de afroturismo utilizam locais que já possuem um apelo turístico e se dedicam em retratar e contar histórias dos povos negros daquela região.

Iniciativas como o Guia Negro, do jornalisma Guilherme Soares, e a Agência Brafrika, da empresária Bia Moremi, são exemplos de empresas de afroturismo que estão ganhando cada vez mais corpo. Ambas nasceram em São Paulo, mas já estão conquistando parceiros em diversos estados do país.

Guilherme explica que o Guia Negro nasceu em 2018, para que o público paulista e demais visitantes pudessem enchergar a história negra que não é contada na maior metrópole da América Latina. Segundo ele, São Paulo é pouco vista pelas pessoas como um centro turístico de fato, mas o Guia Negro vem para quebrar esse estigma. No princípio, a empresa se chamava BlackBird e é considerada uma das precursoras do afroturismo no Brasil.

O carro chefe da empresa é a tour chamada São Paulo Negra, que muitas vezes é feita com grupos fechados ou contratados por empresas que querem agregar valor aos seus funcionários. Consiste em uma caminhada que começa no bairro da Liberdade e dura cerca de três horas. “A gente mostra que, ao contrário do que parece, a Liberdade não é apenas um bairro oriental, japonês, há muita história negra ali”, revela Guilherme. O passeio segue com histórias como as dos escritores negros Carolina Maria de Jesus, Luiz Gama e Joaquim Pinto de Oliveira.

A Agência de turismo Brafrika surgiu em 2019 após uma viagem que Bia Moremi fez à Alemanha, onde experimentou um turismo que não a contemplava. Ela resolveu que gostaria de estar em lugares onde, além de turistar, ela pudesse se reconectar e enxergar as histórias de outras pessoas negras. Os critérios de curadoria criados para os pacotes da Brafrika são sempre olhar lugares que já tem um apelo natural do turismo comercial.

De acordo com Cristiane dos Santos, consultora e produtora de conteúdo da agência, um exemplo de roteiro de sucesso é a viagem a Maceió e a Expedição ao Quilombo dos Palmares. Ela conta que não deixa de se realizar o turismo convencional, mas o conteúdo histórico-cultural dos passeios é muito diferente.

“Nós vamos às praias, às piscinas naturais, tiramos fotos com peixinhos, mas a gente dedica um dia pra ir ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares e entendemos que uma visita a um quilombo, uma roda de conversa e essa vivência, enriquece nosso pacote”, explica

Tendência de mercado para 2022

Com o avanço da vacinação contra o coronavírus em todo o país, as atividades turísticas têm sido retomadas dia após dia. De acordo com o Ministério do Turismo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou um crescimento de 4,6% em agosto no Índice de Atividades Turísticas. A pasta informa que o aumento na movimentação econômica do setor de turismo chegou a 49,1% no acumulado entre maio e agosto – o melhor resultado desde fevereiro de 2020.

Para 2022, após o pico da pandemia da Covid-19, empresários do afroturismo e do turismo de base comunitária são unânimes em mencionar que esse nicho de mercado vai crescer exponencialmente. O Guia Negro conta com seis pessoas trabalhando tanto em São Paulo, como em Salvador (BA) e mais 12 colaboradores em outros estados do país. Já a Brafrika conseguiu contratar a sua primeira funcionária, tendo parcerias com guias locais em São Paulo, Rio de Janeiro, Maceió e Salvador. Ao todo, são 30 parceiros beneficiados indiretamente.

“A gente sempre prioriza ter o máximo de fornecedores negros nos locais em que operamos, fazer o Black Money girar na prática e impactar positivamente o mercado, incentivando serviços como guias locais, restaurantes, passeios e até os brindes que entregamos aos nossos clientes”, diz Cristiane dos Santos.

De forma geral, para todo o mercado do turismo no Brasil, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) projeta que as atividades turísticas faturem R$ 171,9 bilhões ao longo da próxima alta temporada.

Leia também: De vendas no metrô até a criação de marca própria: afroempreendedora dribla os desafios e realiza seu sonho

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