Subnotificação de mortes, falta de saneamento básico, distribuição insuficiente de máscaras e álcool em gel, e lentidão na vacinação são algumas das violações impostas a homens e mulheres encarcerados nos presídios brasileiros durante a pandemia da Covid-19. O descaso dentro das unidades prisionais foram ainda mais agravados com a crise sanitária, segundo revela o site ‘Deixados para morrer’, lançado pela Rede Justiça Criminal (RJC).
Com base em levantamentos e pesquisas feitas nos estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, mais da metade das prisões brasileiras (72,15%) registraram superlotação com mais de 100% da capacidade, cenário que se torna ainda mais preocupante em um período em que o isolamento é essencial para evitar contágios e mortes pela coronavírus. Os mais atingidos pelo descaso foram as pessoas negras e em situação de vulnerabilidade social.
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A coordenadora executiva da rede Janine Salles explica que as condições precárias de higiene, alimentação inadequada, a presença constante de doenças como tuberculose e afecções de pele sempre estiveram presentes nas unidades de privação de liberdade, tanto que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece que as prisões nacionais vivem um verdadeiro estado de coisas inconstitucionais.
“Outro ponto preocupante é que a partir de março de 2020 começou a haver uma crescente virtualização da justiça, cujas reais consequências ainda não sabemos por completo, mas que trazem um alerta. Ela impactou tanto o direito à comunicação com familiares quanto a realização de instrumentos fundamentais na defesa da pessoa presa e coibição de violência policial, como as audiências de custódia”, pontua.
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A interrupção da comunicação com familiares e a falta de acesso às tecnologias nos presídios também impactaram a saúde mental dos encarcerados. Na Bahia, ao menos 16 unidades prisionais não oferecem a possibilidade de realização de chamadas de videochamadas com os familiares dos encarcerados.
Além da falta de medidas de poderiam evitar o aumento da transmissão do vírus, a RJC também identificou diversas outras violações de direitos humanos dos encarcerados, como aumento de prisões ilegais e de casos de tortura. De acordo com a pesquisa, familiares dos encarcerados disseram que não conheciam mais o familiar devido a mudança física e psicológica, consequência da violência e da desnutrição nos presídios.
“O sistema prisional é o laboratório do racismo”
A falta de atuação do sistema judiciário na análise dos pedidos de reavaliação das prisões durante a pandemia também é um dos pontos levantados pela pesquisa. Dados revelam que de cada quatro pessoas presas em São Paulo que poderiam ter deixado a prisão na pandemia, três foram mantidas em privação, fator que impacta na superlotação nos presídios.
Em relação ao perfil do judiciário, 62% são homens, brancos (80%), com média de idade de 47 anos. Ao todo, 20% dos juízes têm familiares que já possuem carreira na área. Já o perfil das pessoas encarceradas mostra que 95% são homens, sendo a maioria negros (67%) e jovens, com idades entre 18 e 29 anos. 33% desse público são de presos provisórios, ou seja, são pessoas que ainda não passaram por processo de julgamento.
Sobre o perfil racial daqueles que sentenciam e aqueles que são sentenciados, a coordenadora diz que as estruturas do racismo são um dos fatores que influenciam a prisão e o mantimento dos jovens negros nas cadeias.
“O sistema prisional é o laboratório do racismo. E o racismo é causa e consequência de um sistema violento, inócuo e excludente. Se você analisa as estatísticas disponíveis sobre o perfil da população carcerária, vai ver que em todos eles fica evidente que a clientela preferencial da justiça penal são jovens negros e pobres, de baixa escolaridade e que vivem em sua maioria na informalidade. E é este mesmo grupo que mais é vitimado pelas altas taxas de homicídio no Brasil. Ou seja, a população negra se consiste em um duplo alvo, tanto de um sistema de segurança pública enviesado por diversos estereótipos sociais, quanto de uma justiça igualmente racista”.
Subnotificação de dados oficiais revelam falhas no sistema prisional
O número de mortes levantado pelo RJC aponta que os dados diferem a depender do levantamento de cada órgão. De abril de 2020 a julho de 2021, a Secretaria de Administração Penitenciária da Bahia registrou oito mortes de internos, enquanto o Conselho Nacional de Justiça contabilizou sete óbitos. No entanto, a Frente Estadual pelo Desencarceramento na Bahia notificou quatro mortes em todo o mês de maio.
Segundo Salles, a fragilidade nos dados oficiais sobre a situação da população carcerária também reflete falhas do sistema prisional brasileiro.
“Se por um lado os dados que temos hoje evidenciam o que especialistas, familiares e ativistas vêm dizendo há muito tempo sobre a ineficiência do sistema, esses mesmos dados revelam lacunas na sua produção, o que dificulta análises de longo prazo. Não é exagero dizer que esse descaso é reflexo de uma sociedade punitivista que se vale de uma política de encarceramento massivo falida e que tem a prisão como regra na maioria dos casos”, completa a coordenadora da rede.
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